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Christian Le Squer: “Tento colocar emoção na comida”

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Por Anna Ruth Dantas

A apresentação de Christian Le Squer, de pronto, já chama atenção. Afinal esse chef francês possui hoje as três estrelas do Guia Michelin, o mais importante prêmio da culinária internacional. O seu restaurante em Paris, localizado na Champs Elysées, instalado em um prédio de 200 anos de história, é famoso em todo mundo. As informações iniciais dão uma mostra de quem é o famoso chef Le Squer. No entanto, na conversa com esse profissional conhecido em todo mundo, ele traz o que os títulos não lhe traduzem: o romantismo com a cozinha. Uma paixão despertada no mar.

No sonho de criança trazia o desejo de ser marinheiro. E aos 15 anos juntou-se a tripulação do “Vannes Hotel Scho-ol”. Foi aí que veio a grande surpresa, no mar, Christian despertou para o que viria a ser sua grande paixão e lhe daria a projeção, a cozinha. “Eu não sei exatamente como se tornar um chef estrelado, porque tudo passa por um processo criativo. Eu nunca me programei para ser um chef três estrelas. E estou aí (com as três estrelas) há dez anos. A coisa fluiu naturalmente”, comenta Le Squer, que esteve em Natal a convide da Universidade Potiguar, da rede Laureate. Ao ser questionado sobre o que há de mais saboroso na sua cozinha, o chef diz que são os produtos, a matéria-prima, amparada em grandes estudos. Aliás, na conversa com o francês se torna claro que todo trabalho dele é amparado em pesquisas.

O prato para integrar o cardápio de Le Squer, necessariamente, passa por uma intensa pesquisa e testes. O chef francês é direto ao tratar do exclusivo. E nessa análise traz um pouco do emocional enveredando pelo objetivo. “Quando eu crio o prato, quero que essa emoção vá para o prato. A pessoa que vem comer no meu restaurante, vai achar o sabor único. Eu não quero que ele encontre esse sabor em outros lugares. Se encontrasse em outros lugares, certamente não precisavam me procurar”, destaca. 

Por que a alta gastronomia é tão cara? “Como todos os países no mundo há várias classes sociais, cada chef deve se posicionar buscando a clientela que quer atrair”, responde, de pronto, o chef. O convidado de hoje do 3 por 4 dispensa apresentações pelos títulos que traz, mas se revela, além de títulos, um francês comedido nas palavras e muito expressivo na sua paixão pela cozinha.

Com vocês, Christian Le Squer:

Christian Le Squer é chef francês e possui hoje as três estrelas do Guia Michelin
Como se tornar um chef três estrelas?
Não sei exatamente quando isso ocorreu, não sei quando deixei de ser um chef para ser um chef estrelado. No começo, em primeiro lugar, para ser um chef é preciso ter uma forma de aprendizagem, por meio das escolas ou estágios e depois uma aprendizagem que se faz em diferentes restaurantes, um após o outro. E um dia eles vão lhe dar a honra de ser o chef daquele restaurante. É como se fosse uma cômoda mal ajeitada. Você começa a ajeitar as coisas, porque você assume a personalidade na cozinha, será sua cozinha. E quando ela fica sendo sua cozinha, você parte para composições e criações de prato. E lá quando vêm uma dessas certas pessoas, desses guias famosos, eles que lhe premiam. Mas eu não sei exatamente como se tornar um chef estrelado, porque tudo passa por um processo criativo. Eu nunca me programei para ser um chef três estrelas. E estou aí (com as três estrelas) há dez anos. A coisa fluiu naturalmente.

O que tem de mais especial na cozinha do chef Le Squer?
A grande cozinha é como a moda de alto estilo, o perfume de alto estilo, uma grande pintura. Cada um tem seu estilo. Mas eu penso que minha cozinha é feita com matéria-prima e, principalmente, com sabores, a razão daquele sabor e muito estudo.

Chama atenção o despertar da sua paixão pela cozinha nos mares.
Você fez uma boa pesquisa para identificar isso. Quando a gente é jovem na França temos muito tempo livre. Seus pais ficam querendo que você saia um pouco de casa. Foi meus pais que me mandaram passar 15 dias em um barco de pesca. Tinham umas 20 pessoas nesse barco. Lá já tinha cozinheiro e eu gostei muito dessa convivência social no barco. Foi uma convivência tão boa com todos, desde o pequeno marinheiro, que a hora de comer era algo importantíssimo, um convívio social. Não havia diferença social entre eles, a comida era boa para todos e servida do mesmo jeito. Foi esse gosto, esse prazer que me atraiu. Ao invés de ir ver como estava sendo feita a pesca, o que seria a primeira ideia, eu preferi ficar com o cozinheiro e olhando como ele trabalhava. Eu tam-bém estava muito guloso (risos).

O senhor traz um aspecto muito emocional para a culinária, indo além do sabor da própria comida.
Sim, você está certa. Deve ser por isso que eu fico tão conhecido, é o sabor que eu coloco no prato. Quando os clientes vêm e quando levam a primeira garfada na boca eu quero que eles sintam a emoção. É a mesma emoção de quando a gente escuta música. As vezes, não precisa estar nem ninguém ao meu redor. Eu mesmo sinto essa emoção sozinho. Quando eu crio o prato, quero que essa emoção vá para o prato. A pessoa que vem comer no meu restaurante, vai achar o sabor único. Eu não quero que ele encontre esse sabor em outros lugares. Se encontrasse em outros lugares, certamente não precisavam me pro-curar.

O que conta mais na culinária: a beleza, o sabor ou o cheiro? O que encanta mais?
O sabor. É o trabalho do paladar. Não trabalho com o nariz, também não sou pintor. Toda emoção deve ir para o paladar. Trabalho mais pelo sabor.

O que dá sabor a comida?
É a mistura dos produtos, da nossa matéria-prima. Quando você começa a casar diferentes produtos fica algo diferente, um sabor diferente. Tem que haver equilíbrio e sensibilidade na comida.

O senhor falou muito em criar. Qual o melhor momento de criar? O senhor se prepara para criar ou simplesmente surge?
Não flui sozinho não. Eu já estou acostumado, todo dia tem pessoas que trabalham comigo fazendo pesquisas. Na hora do almoço eu provo essa comida, a pesquisa. Eles preparam um prato, eu provo e vou testando. No dia seguinte, a pessoa faz de novo. Primeiro é preciso achar a matéria-prima, o sabor, e depois a gente coloca a cor, a armação no prato. Isso é o menos importante. O mais importante é a matéria-prima. A maneira como a comida é apresentada não é tão importante.

Qual a matéria-prima que lhe dá a garantia de um bom prato?
Nunca estou certo que conseguirei fazer um grande prato só por causa de uma matéria-prima. Quando você tem três estrelas, você não pode ter limites. Tem que ser bom em tudo. Você não pode esquecer que na França são qua-tro estações e elas (as estações) passam rápido. São, verdadeiramente, estações diferentes. Quando eu voltar para casa no final de agosto a natureza já vai estar mudando. Você precisa mudar sua comida. É preciso ser capaz de pegar o que a natureza oferece e a partir dela criar.

O que o senhor me diz da culinária brasileira?
Como o Brasil é um país muito grande haveria uma necessidade de decodificar os produtos por região. Eu penso que precisa analisar as matérias-primas de todas as regiões e o que cada uma traz. Na França se preservou a especificidade da cozinha regional do Norte, do Sul, do Oeste. Enquanto turista no Brasil estou meio perdido porque você tem matérias-primas ótimas, mas não se sabe de onde vem. Tem que começar hoje, alguns chefes como Alex Atala começa a trabalhar com produtos da Amazônia. Eu não sabia que essa região era tão rica em frutas, camarões e lagostas. A lagosta daqui é extraordinária.

Então o potencial da culinária brasileira ainda está por ser explorada?
Com certeza, principalmente o saber fazer, como arquitetura, precisa descobrir o saber fazer dos brasileiros.

A impressão que passa é que nesse momento vivemos uma transição, onde ser chef virou moda. A que o senhor credita isso?
É algo que está na moda e vai ficar. Viajo o mundo inteiro para mostrar a cozinha, porque cozinha todo mundo gosta. O Brasil só tem 5 milhões de visitantes. A França que é muito menor tem mais de 70 milhões de visitantes. Na França as pessoas vão visitar porque além de toda cultura, tem a cultura gastronômica que atrai. Há muito tempo na França houve fusão do Ministério da Educação e Ministério do Turismo para se desenvolver as carreiras ligadas a hotelaria e a gas-tronomia. Eu viajo muito no mundo e vejo que é preciso desenvolver o turismo gastronômico, é uma nova fonte de economia para cada país.

O Brasil ainda está no estágio de “promissor”.
É preciso criar mais escolas de hotelaria, na França tem muitas escolas de hotelaria privadas e muitos brasilei-ros vão lá se formar, isso mostra que vão procurar tecnicidade, porque eles vão buscar o que ainda não tem no Brasil.

Perfil

À frente do Ledoyen, Christian Le Squer foi reconhecido como um dos mais renomados profissionais da gastronomia francesa, em virtude do toque discreto e de bom gosto em seus pratos.

Localizado na Avenida Champs Elysées, em um prédio de 200 anos de história, o restaurante foi agraciado por cinco anos consecutivos com três estrelas pelo Guia Michelin, o mais importante prêmio da culinária internacional.  Hoje, o Ledoyen é a expressão do que existe de melhor para o paladar em Paris.

Detalhes

Ingredientes caros garantem bom prato: não. Você pode pegar um peixe que custa caríssimo e não fazer um bom prato. E pode pegar um peixe barato e fazer um bom prato.

Conselho aos estudantes de Gastronomia: leva tempo para aprender, tem que aprender muito bem , é como uma música, tem que fazer muito bem, criar, é um estudo longo igual a Medicina. Você sabe que tem um grande chef quando ao invés de copiar ele cria

O que precisa um bom chef: é estar insatisfeito permanentemente.

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