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“Ciência não pode ser feita só na universidade”, diz Nicolelis

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O cientista Miguel Nicolelis é uma sumidade na área da neurociências e há cerca de dez anos idealizou um projeto pioneiro que propunha levar ciência a regiões remotas e com pouca tradição em pesquisa científica no país. O sonho se transformou em realidade com a inauguração do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, em 2007, e de lá para cá o trabalho vem se consolidando como uma das principais iniciativas em que ciência e tecnologia são usadas em prol da comunidade. Sobre este e outros assuntos, inclusive sobre o futuro do setor de pesquisa científica no Brasil, o cientista Miguel Nicolelis vai ministrar uma palestra na próxima edição do projeto Motores do Desenvolvimento do Rio Grande do Norte – uma realização da TRIBUNA DO NORTE, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Fiern, Fecomércio/RN, RG Salamanca Capital e governo do Estado, com patrocínio da Petrobras, Assembleia Legislativa e Cosern. O evento está em seu quarto ano de realização e para esta 9ª edição o tema escolhido foi Inovação e Tecnologia. O seminário será realizado amanhã, dia 11 de abril, no auditório da reitoria da UFRN, a partir das 8h.

Como o senhor avalia a política de Ciência e Tecnologia no Brasil?

Neurocientista Miguel Nicolelis ministra palestra na edição do Motores do DesenvolvimentoEu acho que é algo que precisa ser repensado, visando um projeto estratégico a longo prazo e à popularização da ciência, da prática científica por parte da juventude, democratização dos meios de produção da ciência, melhoria da distribuição dos recursos existentes, melhoria da formação dos cientistas brasileiros e também um apoio mais concreto e mais contínuo. Um apoio que não deixe o cientista brasileiro vivendo continuamente nessa incerteza se vai haver ou não apoio, suporte e uma visão estratégica a longo prazo.

Como o senhor avalia o trabalho realizado em Natal até então?

Sem dúvida, eu estou bastante satisfeito, se não estivesse faria alguma coisa para mudar. Pelo grau de dificuldades que nós enfrentamos desde o começo e enfrentamos até hoje, conseguir dar seguimento em um nível tão alto às atividades do cotidiano realmente me deixa bastante satisfeito.

Os investimentos por parte do governo do Estado foram regularizados?

Nós estamos esperando. O novo Governo se manifestou favorável a regularizar todas as pendências, então nós estamos à espera dessa regularização.

O dinheiro não foi repassado ainda?

Ele está sendo repassado. A primeira parcela já foi paga e nós estamos esperando a confirmação das próximas parcelas. Mas eu não sei de cabeça qual o valor de cada parcela.

Em relação ao projeto “Walk Again” [andar novamente, em inglês], o senhor falou recentemente sobre a possibilidade de fazer um adolescente tetraplégico andar controlando uma veste robótica somente com o pensamento. Esse projeto já está em andamento?

Esse consórcio já existe, está atuando há mais de dois anos e está sendo reforçado. Eu já escrevi sobre isso nos Estados Unidos e na Europa, mas agora quero fazer uma ação sobre isso aqui no Brasil, que seria fazer essa demonstração com um adolescente brasileiro na abertura da Copa do Mundo. Essa é uma das ações que eu gostaria de apresentar ao Governo Brasileiro.

O senhor considera possível fazer acontecer esse projeto aqui no Brasil da mesma forma como seria nos Estados Unidos, na Universidade de Duke?

Sim, se os mecanismos de apoio que existem nos Estados Unidos e na Europa forem oferecidos aqui no Brasil, com certeza será possível. Essa possibilidade é real, mas precisa de uma decisão política. Houve uma decisão política para gastar dinheiro público em estádios de futebol para a Copa do Mundo. Seria uma decisão pública, política, da mesma esfera se apoiar um projeto emblemático que levaria o nome do Brasil a um outro patamar na ciência mundial. É o mesmo tipo de decisão. Se o Brasil pode construir estádios de futebol gigantes que não necessariamente terão alguma função depois da Copa do Mundo, ele pode investir um valor ínfimo, comparado com esses investimentos em estádios, para criar uma demonstração que vai levar o Brasil a um outro grau de credibilidade científica. Essa é a minha visão.

Em relação à democratização, o senhor comentou recentemente no twitter: “A ideia é criar um modo comunitário de fazer ciência”. Como seria isso?

Se você levar a educação científica e a prática da ciência, como uma atividade lúdica, desde os primeiros anos da formação e educação e isso se transformar em algo tão comum quanto a criança jogar futebol no recreio, você cria uma visão comunitária. Isso porque as crianças passam a ter a ciência como algo importante na vida delas, que faz parte do cotidiano, as famílias vão entender a relevância da ciência na vida de todos nós e vão querer poder participar dos meios de produção e da geração do conhecimento de ponta e consumo desse conhecimento e tecnologia de ponta. Então, você realmente precisa trazer a ciência para o diálogo dentro das casas das pessoas, do cotidiano dos indivíduos e não simplesmente restringir a um número pequeno de pessoas nas universidades. Ciência no Brasil precisa ser feita em todos os ambientes possíveis e não só nas universidades públicas.

O projeto de educação científica realizado aqui é uma semente disso?

Sem dúvida. É algo que estamos tentando levar para o Brasil inteiro porque desde o início a intenção era massificar a idéia por todo o país.

O senhor costuma conversar com todos os alunos das escolas de educação científica em Natal. Como é essa conversa? Qual o feedback das crianças?

Eu tento passar que o cientista é uma pessoa normal, uma pessoa como eles, com uma história de vida como qualquer outra pessoa e que faz ciência por prazer. Eu tenho interesse em falar, gosto de falar sobre essas coisas e tento criar com essa aula um diálogo, de maneira que eles possam se expressar também, dar opinião, comentar sobre o tipo de ciência que eu faço, as coisas de neurociência que eu me interesso. É um espaço para perguntar também o que eles sonham fazer na vida, qual o caminho que eles querem trilhar.

Diante de toda essa questão da democratização que o senhor fala, é uma atuação diferente do que o Brasil está acostumado e esperar de um cientista. Como é a recepção das pessoas a isso?

Não é costume mesmo. As pessoas da sociedade, a grande maioria, apóia. Acho que alguns cientistas ainda têm uma certa resistência porque não estão acostumados ou acham que não é esse o papel de um cientista. Mas essa é uma questão pessoal deles.

Na opinião do senhor, por outro lado, esse é o papel fundamental do cientista?

Eu acho que é um papel fundamental porque boa parte do que nós fazemos é com dinheiro da sociedade. Então, a sociedade tem o direito de entende melhor  o que faz um cientista, como trabalha, etc. E não tem nenhum segredo ou mistério. Nós precisamos desmistificar esse posição, porque fazendo isso nós aproximamos a sociedade e a sociedade passa a ver com melhores olhos a atividade de um cientista.

O senhor acha que a sua visão de mundo, de tentar contribuir com o país, tem uma relação com  o fato de ter precisado sair do Brasil para fazer ciência?

Da minha parte, sem dúvidas. Esse foi um dos sentimentos que motivou voltar para o Brasil e iniciar os projetos em Natal. Amanhã eu dou uma aula na USP (Universidade de São Paulo), onde eu me formei, o que também me traz uma sensação muito boa. Depois de 32 anos, é muito bom.

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