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Clima impõe ritmo lento às transformações do NE

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Técnicas como a utilização de dessalinizadores, a filtração domiciliar, a moringa e a utilização de Aguapé são utilizadas para suprimento de populações rurais difusas“Apesar dos inequívocos avanços que a nova política de recursos hídricos traz ao país, há um imenso trabalho a ser realizado para a concretização de boas práticas, principalmente de gestão hídrica. Também é necessário promover a integração das políticas regionais, tanto dos recursos hídricos como de outros campos, como o de transportes, da agricultura irrigada, do uso e ocupação de solos”. A afirmação é da engenheira civil Margarida Regueira da Costa, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. De acordo com a pesquisadora, “em complemento aos processos usuais de tratamento de água clássicos, utilizados principalmente pelas companhias de saneamento, diversas técnicas como a utilização de dessalinizadores, a filtração domiciliar, a moringa e a utilização de Aguapé (Eichornia crassipes) são utilizadas no Nordeste principalmente para suprimento de populações rurais difusas”. Margarida Regueira da Costa é graduada, mestre e doutora em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, com a tese Sustentabilidade hídrica e qualidade das águas: avaliação das estratégias de convivência com o semiárido. É também especialista em saúde pública pela Universidade de Ribeirão Preto – Unaerp. Atualmente trabalha na Superintendência Regional de Recife do Serviço Geológico do Brasil. Confira a entrevista.

Quais são os maiores desafios quanto ao acesso e à gestão da água no semiárido?

A região semiárida brasileira tem sido caracterizada, desde o início de sua história, pelos problemas relacionados à seca, onde sua fragilidade tornou-se explícita de forma dramática com a grande estiagem de 1877-1879, resultando na mortalidade de quase metade da população dos sertões (a maior do século XIX, a qual causou a morte de aproximadamente 5% da população brasileira), transformando o Nordeste do Brasil numa região problemática quanto à disponibilidade hídrica. A partir de então houve um acréscimo significativo da infraestrutura hidráulica e ainda do conhecimento do regime climático e hidrológico do semiárido brasileiro. Todavia, a região ainda apresenta muitas vulnerabilidades caracterizadas pela variabilidade do clima e agravada pelas características geológicas locais, compostas geralmente por solos pouco espessos e rochas do embasamento cristalino, que diminuem o potencial armazenador para formarem reservas subterrâneas, por dificultarem parcial ou totalmente a infiltração das águas, restringirem as descargas subterrâneas e limitarem o desenvolvimento da vegetação.

Como assim?

Os solos pouco espessos com pouca ou nenhuma vegetação (caatinga e cerrado) e com o uso inadequado agravam os picos de cheias por causa da sua incapacidade de reter a água da chuva, fazendo com que ela escoe rapidamente para os rios e outros corpos d’água. Essa junção de elementos climáticos adversos produz uma improdutividade quase generalizada. Ademais, a evaporação potencial é muito intensa durante todo ano, particularmente durante a estação úmida. Os componentes de evaporação após as chuvas são maiores do que aqueles provenientes do escoamento superficial e infiltração subterrânea, configurando taxas negativas no balanço hídrico da região. Trata-se, portanto, de uma área vulnerável, em que a sazonalidade interanual das chuvas pode acarretar condições extremas, caracterizando períodos críticos de seca responsáveis pelo êxodo de parte da população. Outro fator a se considerar é que, além da existência de um cenário climático difícil, persiste ainda o elevado contingente populacional disperso na região semiárida. Como último fator apresentado, tem-se que no meio rural ou em pequenos núcleos da região habitam, atualmente, cerca de 30% dos seus quase 48 milhões de habitantes, com amplo predomínio dos estratos inferiores com renda per capita baixa. Cabe ressaltar que esse contingente rural situa-se bem acima da média nacional, hoje com taxa de urbanização de 81%, e, principalmente, dos números da região Sudeste, na qual a população rural não chega a 10 % (Banco Mundial, 2003).

É possível falar em sustentabilidade hídrica no semiárido?

A estratégia de desenvolvimento sustentável da região semiárida do Brasil está estruturada a partir das evidências de que, diante da heterogeneidade no que se referem aos recursos naturais, humanos e materiais, bem como das atividades econômicas, as ações têm que ser distintas. Assim sendo, para vencer os desafios, a estratégia tem que atender a dois tipos de exigências: progredir para o desenvolvimento e as melhores maneiras da convivência com a semiaridez, onde a base dos recursos naturais e do meio ambiente possam ser usados de tal maneira que a produtividade seja capaz de atender às necessidades, preferencialmente crescendo ao logo do tempo. Portanto, as diversas formas de uso da terra e da água devem obedecer ao princípio de que a utilização desses recursos não deve exceder a capacidade de renovação. A estratégia de desenvolvimento deve também prever iniciativas capazes de contribuir para a transformação e o fortalecimento da economia.

Quais iniciativas devem ser adotadas?

A estratégia de convivência deve envolver iniciativas de atendimento imediato às populações mais pobres, apresentando como características fundamentais o sentido e a oportunidade compatíveis com as possibilidades do local. Na prática, significa articular a participação dos setores governamental, privado e não governamental na execução dos Programas de Gestão. Reforça-se ainda que as soluções para os problemas do semiárido precisam ser concebidas, programadas e executadas na perspectiva do desenvolvimento para a “convivência com as secas e a semiaridez”. Um ponto importante é que as transformações requeridas para o desenvolvimento não podem ser implementadas com rapidez. Sua concretização depende da adequação e da continuidade no tempo e no espaço. Exige, além disso, participação e negociação entre os diferentes agentes do desenvolvimento. A contribuição do setor público é fundamental, mas é necessário considerar que já se conta com um setor privado dotado de capacidade para investir, através de organizações sociais estruturadas em função dos problemas e possibilidades dessa região. Em relação à sustentabilidade hídrica, é possível sim haver e também fixar o homem ao campo, inclusive nos pequenos núcleos populacionais, porém ainda existe deficiência na gestão da infraestrutura para abastecer as populações das cidades (perdas elevadas nos sistemas de distribuição) e das comunidades dispersas tanto nos sistemas coletivos como poços e dessalinizadores, como nos sistemas unifamiliares como cisternas (grande parte dos mais de dois mil dessalinizadores instalados no semiárido que se encontram parados e diversos poços abandonados).

O que deve ser feito?

Apesar dos inequívocos avanços que a nova política de recursos hídricos traz ao país, há um imenso trabalho a ser realizado para a concretização de boas práticas, principalmente de gestão hídrica. Também é necessário promover a integração das políticas regionais, tanto dos recursos hídricos como de outros campos, como o de transportes, da agricultura irrigada, do uso e ocupação de solos. Ações como a transposição das águas do rio São Francisco dependem fundamentalmente do amadurecimento e da integração das políticas públicas.

No que se refere à implantação de soluções apropriadas para o semiárido, é essencial que os investimentos sejam feitos com a participação das comunidades para haver a apropriação por parte dos usuários. O trabalho de esclarecimento e capacitação para o manejo adequado é condição essencial para o sucesso dos empreendimentos. O P1MC (Programa um milhão de cisternas) é um bom exemplo dessa articulação. Ainda assim nota-se que os cuidados recomendados para o manejo das cisternas não são seguidos pela maioria das famílias.

Qual é a qualidade da água do semiárido brasileiro?

Em se tratando da captação da água superficial, a questão de sua qualidade na maioria dos reservatórios é um problema sério, embora os indicadores globais pareçam razoáveis. A presença das cianobactérias em grande parte dos reservatórios analisados é o maior problema para seu uso no abastecimento de água. Com relação à captação de água subterrânea, verifica-se que parcela expressiva da região semiárida está sobre o embasamento rochoso (rochas cristalinas), condicionando os poços a limitações tais como: baixas vazões de produção e teores significativos de sais dissolvidos que limitam a forma de uso dessas águas, além do alto índice de poços secos (CPRM, 2005). As formações sedimentares encontram-se na forma de manchas difusas, mas têm sido crescentemente aproveitadas para abastecimento de cidades devido à maior capacidade de produção de água e com boa qualidade, embora se encontrem sob os pacotes sedimentares em profundidades mais elevadas.

Por razões técnicas e econômicas procura-se atender às pequenas comunidades na zona rural com os sistemas simplificados. A diferença em relação aos sistemas convencionais reside basicamente no tratamento de água mais simples, normalmente cloração na distribuição, que geralmente se restringe à entrega da água em chafarizes e na operação, usualmente a cargo dos próprios beneficiários.

Quais são as tecnologias apropriadas para garantir o acesso à água aos moradores do semiárido?

Dois fatores devem ser levados em conta: o primeiro está relacionado ao tamanho da região, que alcança quase um milhão de quilômetros quadrados, superior ao território de muitos países do mundo; e o segundo está associado à presença de uma expressiva população, onde no meio rural ou em pequenos núcleos da região habitam, atualmente, cerca de 30 % da população, possuindo uma renda per capita baixa. Uma outra questão a se considerar é a definição do tipo de sistema a ser implantado em cada localidade ou da tecnologia apropriada, que depende de fatores tais como: condições locais; aspectos sociais das populações beneficiadas; a existência de fontes hídricas; e de parâmetros como qualidade das águas, topografia, distribuição geográfica dos consumidores e alcance do atendimento pretendido. Assim, em relação aos sistemas convencionais, existem os de captação de água superficial e os de captação de água subterrânea, descritos a seguir.

E os sistemas convencionais de captação de água superficial?

A acumulação da água em açudes para posterior utilização em exploração agrícola nas regiões áridas e semiáridas é uma técnica que tem sido usada há muitos séculos, desde o ano 950 a.C. Na região Nordeste os primeiros açudes foram construídos na implantação dos engenhos na Zona da Mata para desviar as águas dos riachos que forneciam energia hidráulica aos moinhos. Posteriormente foram adotados em toda a região, em virtude da presença do escudo cristalino(rochas cristalinas) que aflora em grande parte da superfície, proporcionando escoamentos superficiais maiores do que a porção da água que se infiltra. Porém, apesar da técnica ter sido difundida com a colonização do sertão, foi nas secas de 1925, 1922 e 1940 que ocorreu o momento da expansão desse tipo de estrutura hídrica, onde foram construídos pequenos e grandes reservatórios.

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