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Cocos

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Dácio Galvão
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Numa certa manhã nos juntamos todos. Oswaldo Lamartine, Vicente Serejo e Candinha Bezerra. Em pauta a gravação de uns cantares de cocos que amolecia a dura lida dos cossacos levantando compactas paredes de açudes. Em tempos idos, Lamartine os havia coletado no seu país, no seu mundo imaterial e afetivo, o Sertão do Seridó. De chofre desentranhou da memória e pasmem, cantou. Cantando e ritmando os compassos com os dedos. Gravamos em MD ou em mini-disco compacto. Oswaldo não se entusiasmava para fazer registros do tipo.

Reprodução

Xilografia, O sol quente e o mandacaru

Perguntamos qual era a modalidade do coco. Se registrara algum de seu livros e mais o contexto da cantoria, etc. Ao que respondeu, vem na transcrição: “ – Esses dois cocos que sei muito pouco deles eram cantados na construção do açude do Itans, em Caicó, em 1932. O pessoal que trabalhava na pedra cantava um coco de trabalho que diziam eles que eram para a pedra ficar mais maneira, mais leve. Naturalmente porque dava ritmo ao esforço que eles faziam e era um coco mais ou menos assim: “Ô maia, seu maia (estalo do dedo médio com o polegar) / Ô maia, maiador, vamo maiá! / Seu maia. (estalo) / Vamo maiá! (estalo) / Seguindo a marcha do tempo (estalo) É rodapé (estalo), cama-de-vento (estalo), é ferro novo de engomar (estalo). / Seu maia.” A explicação vinha em seguida:

-Esse “maia” e essa castanhola (estalo) que eu dei era a pancada da marreta no aço (palavra inaudível). No outro lado tinha os cassacos que trabalhavam com a terra, os paleadores, os cavadores que também tinham seu canto de trabalho. Aí eles usavam o tamanqueiro cujos versos eram muito tirados daquele célebre desafio, antológico desafio daquele “Pelado” (agora a esclerose não me deixa lembrar o nome). Que diz: “- Tirador! / – Oi! tamanqueiro digo a tu quem sou”

O coro respondia: “- Eu quero um par! / Que é para não fazer vergonha ao povo. / Quero um par / Teu suor só me fede à urubu novo. / Quero um par! / Tua barba raspada dá veneno. / Quero um par! / Oi! Me parece que aqui dentro desse salão. / Eu quero um par! / Uma ticaca assanhada fede menos / – Oi! tamanqueiro / Eu quero um par! / Eu quero um par! / Êêê!  eu quero um par de tamanca pra dançar.”

Nesse ponto Oswaldo esclarece a apropriação dos trabalhadores/ cantadores de nova estrofe. Observa ele com peculiar propriedade: – Aí entrava os versos de Raimundo Pelado. “ Chegando no porto de Alagoas / Na presença de mais de mil pessoas / Entre botes, navios e canoas / No navio alemão eu me encontrei”.

E arremata, enfatizando: – Isso é muito conhecido! Onde tem aquele: Entre o sétimo túnel da rocinha.

E novamente o maior sertanólogo do Brasil, assim nomeado por Raquel de Queiroz em dedicatória no livro Memorial de Maria Moura, dispara seu repertório de cocos. E relembra o tal coco do “…túnel da  rocinha”: O trem da Serra descia em desfilada / Com o tom (inaudível) / Dei na retaguarda rebolei todo o trem fora da linha  / Mas atendendo aos amigos que adivinham / O que por certo não podia ter demora / Meu cardeiro eu fiz uma escora, fiz uma alavanca de dois pendão de milho / Novamente botei o trem no trilho / E o maquinista apitou e foi simbora”.

Se pode imaginar a composição de turmas de trabalhadores no sol a pino. Semiárido quente sem umidade e seco de chuvas. Suados canalizando vigor para a produção gerar o resultado esperado. Os cantares atenuavam os trabalhos extenuantes. O etnólogo acentua as turmas na divisão dos trabalhos e finaliza, como era do seu charme, propagando a modéstia na auto-ironia:

– Isso é da turma que trabalhava na terra, os paleadores, os cavadores. Os paleadores que disse que com a pá cavam a terra e jogam dentro das casas”. Ambos os cocos estão no meu livro “Caça no Sertão do Seridó”. Agora, a música, eu não respondo por ela por que eu não consigo distinguir o hino nacional, só quando eles dão aqueles acordes finais.”

A resposta do coro ao tirador de coco, na voz de Oswaldo Lamartine, foi mixada no final da faixa “Malhador” (Carlos Zens-Jubileu Filho-Dácio Galvão) do CD Poemúsicas, interpretada pelo artista pernambucano Silvério Pessoa, disponibilizado em todas as plataformas digitais.

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