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“Colocar mais imposto não é solução”

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Renata Moura – Editora de Economia

A economia brasileira registrou um crescimento de 0,2% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao trimestre anterior. O desempenho, considerado “decepcionante” pela força sindical e “fraco”, por entidades ligadas à indústria e ao comércio, foi revelado na última sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dá mostras de que a economia dificilmente vai reagir este ano. Para o economista e consultor Ricardo Amorim, o crescimento deverá ficar na casa dos 2%, um ritmo que exige cautela do consumidor, que deve resistir às tentações de consumo, observa. Em passagem por Natal esta semana, onde ministrou palestra sobre os rumos da economia na 16ª Conferência Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais, da Unale, Amorim reforçou, em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, que embora o cenário conspire em favor da gastança, com juros em queda e redução de impostos, é preciso analisar que o mercado de trabalho não vai bem e que o momento da economia é de desaceleração. “O momento é de cautela e não de ser agressivo. É preciso evitar o endividamento”, diz. Ele também criticou ações “protecionistas” do governo, que tem apostado em medidas que encarecem os produtos importados, na tentativa de dar aos nacionais condições de competir em pé de igualdade. Para Amorim, a estratégia não ataca os problemas certos. E o consumidor é quem está arcando com as consequências disso. Confira os principais trechos da entrevista:
Colocar mais imposto não é solução
No final do ano passado, durante o seminário Motores do Desenvolvimento, da TRIBUNA DO NORTE, você estimou que o país deveria crescer no máximo 1% este ano. Essa projeção está mantida?

O mais provável é que o crescimento seja  muito baixo.  Ligeiramente inferior ou superior a 1%. Mas certamente não vai ser os 4,5% que o governo ainda fala que vai crescer. Não vai chegar nem perto disso. O que diria é que na melhor das hipóteses, se a crise na Europa não piorar, o que é muito improvável, o crescimento deve ficar na faixa de 2 e alguma coisa. O grande ponto é que nós estamos passando por um momento em que o mundo inteiro está desacelerando e o Brasil tende a desacelerar também. Estamos vendo uma desaceleração global, com impactos importantes também no Brasil.

O governo tem anunciado estímulos para alguns setores específicos. Nem isso vai ajudar o Brasil a crescer mais?

 Isso vai reduzir o impacto negativo no Brasil, mas não vai impedir que seja negativamente impactado. Até porque essas medidas tem um problema sério: estão lidando apenas com os setores mais negativamente impactados.  O que isso significa para mim é que o governo está reagindo  nos setores que já tem mais problemas e que acabam tendo menos capacidade de reação. O que a gente está fazendo é pegar quem já está muito doente para tratar. Se a gente tivesse prevenido isso, a história seria um pouco diferente. O que seria ter prevenido antes: Há dois anos, quando a situação estava melhor, em 2010, o Brasil teve a maior taxa de crescimento em 1/4 de século. Cresceu quase 8%. Naquele momento a gente tinha que ter cortado gasto público pesadamente, o que abriria espaço agora para uma redução generalizada de impostos e não para alguns setores específicos.

O governo não preveniu. E agora age pontualmente. Haveria alguma estratégia para estimular toda a economia e não apenas alguns setores agora que o problema está posto?

Agora o que eu diria é que a estratégia ou a falta dela é reagir. Como a gente não agiu, pela falta do plano A, o plano B é, a medida que os problemas vão surgindo, atacá-los pontualmente. A essas alturas é meio inevitável. A estratégia que evitaria isso passaria pelo seguinte: reduzir o custo do setor público. Com a redução de gasto público teria sobrado dinheiro para redução de impostos, isso tornaria o produto brasileiro mais competitivo, ajudaria toda a economia, teria sobrado espaço para mais investimentos em infraestrutura. A infraestrutura melhor reduz mais uma vez o custo do produto. Uma taxa de juros mais baixa teria atraído menos dólares para o Brasil nos últimos anos. O dólar que chegou a R$ 1,50 não teria caído tanto. Tem uma série de coisas que teriam sido mais positivas. Mas a gente está no campo do se, porque isso não aconteceu.

Você diz que aumentar o imposto sobre importados cria um país mais caro e  não mais rico. Mas o governo, quando aumentou o IPI, disse que fortaleceria a indústria nacional. Qual o lado positivo e o negativo dessas ações chamadas por muitos de “protecionistas”?

Ações protecionistas fazem o seguinte: favorecem as empresas  e penalizam o consumidor. O produto chegava a R$ 10 e forçava o empresário daqui a vender por R$ 1a. Na hora em que você coloca um imposto maior no importado e ele chega aqui a R$ 12, o empresário brasileiro pode aumentar o preço dele para R$ 12 . A rentabilidade do brasileiro aumenta. Isso ajuda a indústria nacional mas tem dois impactos negativos: o consumidor vai pagar mais caro e tinha gente que podia comprar a R$ 10 e não pode comprar R$ 12. Então você tem uma queda na demanda final porque o preço ficou mais alto. Quando o preço sobe de R$ 10 para R$ 12 a inflação aumenta. Quando a inflação aumenta o Banco Central tem que responder com uma taxa de juros mais elevada  e uma taxa de juros mais elevada significa menos crédito e menos venda também. Então, primeiro, quem paga a conta dessa medida protecionista é o consumidor. E segundo, mesmo o empresário que inicialmente é beneficiado a  médio e  longo prazo acaba tendo impacto negativo. É por isso que a medida não tem que ser aumento do imposto do importado tem que ser diminuição do imposto do produto nacional.

Foi um tipo no pé que o governo deu?

Mais do que um tiro no pé foi uma mostra de desespero. Foi uma mostra de que não agiu antes para evitar que os problemas acontecessem. E aí ele teve que tomar uma medida de curto prazo que, como eu dizia, até tem um impacto favorável de curto prazo para a indústria, mas de médio e longo prazo o impacto não é favorável. Pelo contrário.

E a redução do IPI para veículos nacionais, anunciada recentemente. Como você avalia?

A redução para veículos nacionais eu veria com bons olhos não fossem dois fatores. O primeiro  e mais sério: a redução foi não só temporária, mas de muito curto prazo. Eles reduziram o IPI por mais três meses. Nenhum empresário toma uma decisão de investimento baseado em três meses. Ninguém vai montar uma fábrica nova, ou vai contratar gente por uma decisão de três meses. Isso não só, no mínimo, teria que ter um prazo mais longo, mas idealmente teria que ser uma medida permanente. Segundo, junto com a redução do IPI, teve um encarecimento do importado. Estou completamente em desacordo com essa parte porque quem vai pagar a conta disso é quem compra um carro. Colocar mais imposto não é solução.

Agora o governo reduziu o IPI, há uma onda de redução das taxas de juros. O cenário todo diz ao consumidor que compre. Quais são os riscos disso?

Eu diria ao consumidor, no curto prazo: cautela. Não se endivide. Porque a perspectiva para os próximos meses ou talvez um, dois trimestres, é mais negativa. O que isso significa na prática: a gente já vem assistindo a uma desaceleração da economia brasileira, a uma queda no ritmo de geração de emprego e é provável que a situação nos próximos meses seja menos favorável. Exatamente porque  a situação nos próximos anos, ao contrário, deve ser muito favorável, não tem por que você passar por uma situação que pode te colocar, por exemplo, assumindo uma dívida muito grande, que você tenha dificuldade de pagar. Com as taxas brasileiras essas dívidas crescem exponencialmente. O momento é de cautela e não de ser mais agressivo.

O governo diz que não enxerga risco de inadimplência e endividamento, porque com os juros mais baixos a parcela fica menor. É grande o risco de inadimplência ou não?

Acho que a gente precisa separar duas coisas. A inadimplência no Brasil já vem crescendo e vai continuar a  crescer por conta dessa desaceleração econômica. Isso é uma coisa. Isso inclusive explica porque o crédito aqui (no Brasil) vai crescer menos. Os bancos vendo a inadimplência crescendo reduzem a oferta de crédito. Agora, isso não significa que a gente vai ter a explosão de uma bolha de crédito no Brasil. Aí eu concordo com o ponto do governo. Por que não significa: Primeiro, porque mesmo com o crescimento de inadimplência no Brasil, esse crescimento é significativo, mas muito menor do que está acontecendo em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, a inadimplência de imóveis aumentou de 2007 para cá em 400%. no Brasil aumentou 50%, 60%. Segundo: o total de crédito no Brasil ainda é muito pequeno. Então mesmo que haja um aumento de inadimplência, isso não vai causar perdas bancárias brutais que possam gerar um problema financeiro. Acho que o momento é da cautela e a gente vai ter céu de brigadeiro mais para frente.

Como você enxerga a onda de redução de juros e o embate do governo com os bancos privados?

A redução da taxa de juros eu vejo como positiva. Ela (A Selic, que foi reduzida de 9% ao ano para 8,5% ao ano na semana passada) chegou ao nível mais baixo da história do país. Especificamente a questão dos bancos, eu vejo com preocupação. Primeiro: eu sou favorável que haja a maior competição possível em qualquer setor. Porque isso ajuda a reduzir os custos para o consumidor. Isso vale para os bancos. O preço do dinheiro é exatamente a taxa de juros. Quanto mais competição você tem, melhor. Agora, quando o governo tenta na marra usar os bancos estatais para reduzirem isso mais do que a inadimplência elevada permitiria, você está criando um risco fiscal.  Essa é a primeira preocupação que eu tenho. A segunda é: o Brasil tem a taxa de imposto sobre o setor financeiro mais alta do mundo, tem a taxa básica mais alta do mundo, tem a  taxa de depósitos compulsórios, que é a parte do dinheiro que os bancos não podem emprestar, porque tem que depositar no Banco Central, mais elevada do mundo. Então não tem jeito: a taxa ao consumidor vai ser  a mais elevada do mundo, façam os bancos públicos o que fizerem. O que a gente precisa criar são as condições para que as taxas baixem. Sou favorável que elas caiam. Mas não é na marra que isso vaia acontecer. Isso eu acho que gera mais risco do que solução.

Falando ainda em juros, com a  Selic em queda, a poupança mudou, vai render menos. Muitos analistas dizem que o poupador foi penalizado. Como você enxerga isso?

Ao contrário. Ainda bem que mudaram a  regra da poupança porque se não a taxa de juros nossa não cairia. Taxas de juros mais baixas, entre outras coisas, vão ajudar num processo que já vem acontecendo no Brasil, de desconcentração de renda.

O que trava o crescimento do Brasil hoje?

Há vários fatores. Primeiro é carga tributária mais elevada que nos outros, com serviços piores. A gente paga imposto de país risco e recebe serviço público de país pobre. Esse é o primeiro fator que limita o nosso crescimento. Segundo é a má qualidade da educação. Se você tem mão de obra menos qualificada, você vai crescer menos, vai ser menos rico. Terceiro: toda a burocracia do país. Quarto: a questão dos juros. Precisamos criar condições para os juros caírem. Porque se não você tem menos investimentos, menos consumo e  menos crescimento.

Quando virá a recuperação do país e o que vai puxar essa recuperação?

Eu acho que da mesma forma que em setembro de 2008 veio um choque externo muito grande, com a crise financeira global, e o PIB brasileiro caiu bastante, e já começou a entrar numa rota de recuperação no segundo semestre de 2009. Em 2010 foi o maior crescimento que o país já teve, puxado por setores que dependem de crédito, porque o governo dá estímulos. Esses mesmos setores que sentem um pouco mais vão puxar o crescimento depois. O setor imobiliário, o setor automotivo e os setores de consumo doméstico  em geral. Varejo e serviços devem ter um desempenho mais forte. A indústria e o setor de agronegócio inicialmente sentem mais com a  crise. Quando a crise externa passar a gente deve ver uma recuperação forte do agronegócio e a indústria deve ter uma recuperação mais contida, mais lenta. Da mesma forma que em 2009,  2010.

2013 é o ano da recuperação…
Não tenho dúvida. E 2014 também terá crescimento forte porque haverá a Copa do Mundo para estimular a atividade econômica.

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