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Com a cara e a coragem

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EDITOR - Abimael Silva espera chegar a 500 livros lançados pelo Sebo Vermelho até o ano 2020

Em muitas histórias antigas, as famílias plantavam os umbigos das crianças que acabavam de nascer em terras férteis para que suas histórias de vida pudessem alcançar o mundo.

Entre a linha da realidade e o sonho, os livros lançados no Rio Grande do Norte estão sendo plantados por editoras alternativas que buscam na confecção de cada título, um novo horizonte.

Com poucos recursos, a poeta Marize Castro, o escritor Franklin Jorge e o sebista Abimael Silva sentiram a necessidade de montar editoras para que pudessem ter liberdade e qualidade em suas obras, livres das burocracias e imposições de órgãos públicos e, principalmente, da mão-de-ferro das editoras que visam ao comércio acima da literatura.

Una, Navegos e Sebo Vermelho são retratos da resistência e verdadeira paixão pelos livros que os movem mesmo com a indignação ao poder público.

“Somos os frutos de uma cidade sem campo editorial, de uma política cultural insensível que é soberana e não percebe a força que a literatura tem. Falta sensibilidade na utilização das Leis de incentivo, ainda somos conseqüência dessa cultura de mendigar para se fazer arte, não quero mais isso”, desabafa Marize Castro.

A editora de Marize, Una (indivisível), surgiu da vontade de publicar seus próprios livros. Como sentia dificuldade em conseguir um editor que se interessasse e também recursos e falta de apoio na cidade, a poeta amadureceu a idéia até que em 2004 conseguiu lançar o primeiro livro. “Ironicamente não foi meu, foi a obra “Armadilha de Vidro” de Diva Cunha, mas já nasceu com o sabor da esperança”, conta Marize Castro. 

Observando pelas lentes críticas esse caráter da cidade em se abastecer da superficialidade da arte, Abimael Silva resolveu construir sua própria estrada literária, editando em 1991, o primeiro dos 216 livros que estariam por vir. “Percebi desde sempre essa carência editorial na cidade e resolvi colocar a mão na massa. O primeiro livro que lancei foi  “Ecra Natalense”, do jornalista Anchieta Fernandes. Faço parte do ‘independente futebol clube’ e consigo publicar 2 livros por mês. É um campo difícil, porque livro não dá lucro no Brasil, se desse tenho certeza que existiriam mais de 10 editoras hoje em Natal”, conta Abimael.

Outro independente literário é o escritor Franklin Jorge que voltou a lançar seu selo Navegos este ano, depois de inaugurar a editora em 1994, com a publicação do livro de sua autoria “Fantasmas Cotidianos”.

 Deixando de acreditar no incentivo público, o escritor   não consegue mais visualizar o mercado literário sem a iniciativa das editoras alternativas. “Manter minha editora é um sonho velho. É difícil realizar as coisas em Natal quando não estamos no guarda chuva do oficialismo”, diz o escritor.

Para editores, falta respeito das livrarias

Outra crítica em comum dos editores alternativos é a distribuição dos livros e a abertura das livrarias. Como ainda não existe no Estado um apoio para os livros serem lançados no Brasil, os escritores ficam restritos e limitados ao espaço geográfico do grande elefante que é o RN. “Falta também as livrarias da cidade terem mais respeito com os autores, eles selecionam tudo de uma maneira terrível”, conta Abimael. O olhar de Marize também é no mesmo foco, ela acredita que as livrarias são como as rádios, aonde só entram em suas vias quem está em foco. “Sinto isso de uma maneira avassaladora, as livrarias precisam cuidar melhor dos autores do Estado, elas devem ser como berços. Algumas conseguem, outras nem isso”, diz Marize.

A realidade de quem vai lançar livro no Brasil hoje é encarar que as distribuidoras ficam com metade do valor do livro, ou seja, não retorna nada, ou quase nada para o autor.

“Mesmo com a internet, ainda é difícil chegar ao mercado nacional, esse continente literário que precisa ser explorado para nós lançarmos nossos umbigos no mundo”, finaliza Marize.

Descaso

Prova do desinteresse do poder público a que os editores se referem na reportagem é o atual estado da editora da Fundação José Augusto (gráfica Manibu), criada na década de 70. O VIVER mostrou na reportagem “Agoniza mas não morre”, publicada quinta-feira da semana passada, o descaso das autoridades com a gráfica. Além de livros empilhados e empoeirados no chão, algumas das máquinas rotativas que estão quebradas são usadas como varal. Em meio às dificuldades, ainda assim os funcionários acreditam em mudanças.

Na contramão das Leis de Incentivo

Primando pela qualidade na literatura, Abimael observa também que as Leis de Incentivo não funcionam como deveriam para contribuir com a produção literária do Estado. “Eu acho sinceramente que as leis de incentivo servem para um pequeno grupo e deixam a desejar principalmente aos escritores. É preciso criar um fundo de cultura com um conselho de qualidade. As leis hoje estão vulgarizadas e não quero precisar delas para nada, por isso acredito muito no meu caminho, essa estrada difícil, mas que é limpa e clara”, expõe o editor. 

Entrevistado recentemente pela revista nacional “Carta Capital”, o editor – que acredita que até 2020 chegará à marca dos 500 livros publicados – contou sobre o caminho tortuoso e delicioso da editoração. 

Franklin Jorge também crítica os critérios de qualidade das Leis de incentivo. Ele afirma que a produção literária do Rio Grande do Norte está no embrião da política cultural. “Não temos nenhum escritor vivo de renome nacional. Temos que fazer por si só, não temos respaldo necessário para a cultura literária, infelizmente. Tudo o que temos não tem profundidade, apenas respira na superfície da aparência. Precisamos implementar uma mentalidade profissional e cosmopolita, acredito que estamos muito perdidos no folclore, parece que tudo é lenda”, diz Franklin.

Para o escritor, a cultura literária do Rio Grande do Norte, não lança o olhar à cultura popular urbana e, assim, as discussões ficam sempre ligadas ao serviço de eventos e fogem da essência. “Estou cansado de ver projetos de eventos megalomaníacos aprovados, precisamos de algo que retorne à nossa essência, que traga mais força ao profundo da vida, à escritura de uma maneira verdadeira. Precisamos de uma revolução no pensamento para não terminamos nas vitrines fúteis da rua, onde o sentido da arte passa longe”, finaliza.

Frutos Futuros

A todo vapor, as editoras alternativas Una, Sebo Vermelho e Navegos não param de produzir. Exemplo disso é o lançamento que acontece hoje no Pavilhão de Santana, em Caicó, a partir das 20h30, do livro “Mestres do Seridó , Memórias”, editado pela Una, de Marize Castro.  Reunindo histórias da vida de ex-alunos da Escola Seridoense e da UFRN do Seridó, o livro é organizado por Ansônio Tércio Araújo, Eugênia Maria, Maria das Dores Medeiros e Muirakytan K. de Macedo.

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