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Com alga na boca

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Antonio-Alberto Cortez
Professor da UFRN/Departamento de Economia

Parece estranho o título acima. Procede. Somos bem mais acostumados a ouvir e dizer a expressão “com água na boca” quando somos condicionados por certos estímulos, principalmente alimentares, diante de um petisco, de um churrasco etc. Parte significativa da população brasileira provavelmente desconhece que as algas são muito mais importantes do que parecem. Por mares e oceanos do mundo, elas, as algas, estão presentes, em maior ou menor intensidade. Fala-se em mais de 20 mil espécies catalogadas. Aqui, comentaremos alguns aspectos gerais concernentes a aplicações deste vegetal e sua importância econômica.

Segundo Bianchini – novembro 2018, “as macroalgas são consideradas mercadorias da aquicultura com grande versatilidade, uma vez que podem ser consumidas in natura ou processadas, com seus produtos empregados para diversas finalidades: desde estabilizantes e agentes espessantes em produtos alimentícios, fármacos, cosméticos, rações e fertilizantes, até produtos biotecnológicos, como filmes biodegradáveis para substituir copos e sacolas plásticas, películas para aumentar o tempo de prateleira de frutas, e tintas anti-incrustantes para embarcações”. Embora as algas tenham as mais variadas aplicações em dezenas de ramos industriais, estas parecem que não despertaram, ainda, o interesse das agências e/ou órgãos governamentais brasileiros encarregados de fomentar as atividades produtivas, especialmente as que ocupam mão de obra e da claríssima evidência de um mercado consumidor consolidado. Chineses, coreanos, filipinos, japoneses e portugueses há séculos cultivam algas, pois muito cedo descobriram suas qualidades proteicas favoráveis à boa alimentação de humanos, de animais, e outras propriedades como fertilizante agrícola.

“A agricultura brasileira posiciona o país na quarta posição entre os consumidores de fertilizantes, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos. Enquanto o consumo desses produtos aumenta, em média, 2% ao ano no mundo, o crescimento brasileiro e de 4%. De modo inverso, a fabricação nacional tem caído nos últimos anos abrindo espaço para a entrada de mais produtos importados. Essa dependência de nutrientes estrangeiros influencia diretamente no custo da lavoura e obriga os produtores a incluir a cotação do dólar na conta de produção da safra”. (em.com.br/app/noticia/agropecuário/2016/02/22).

Rica em potássio e outros componentes químicos, as macroalgas, e aqui destacamos a Kappaphicus alvarezii, têm lugar especial, reforçamos, em países do Sudeste asiático e em Portugal, sendo bastante utilizada, por exemplo, como fertilizante agrícola e na dieta alimentar. O Brasil, país com amplos espaços vocacionados à agricultura, importa potássio do Canadá (cerca de 85%), Rússia, Belarus, Alemanha e Israel, principalmente. Desnecessário é comentar neste artigo o papel do agronegócio brasileiro. Notória é sua dimensão e o que representa junto a pauta de exportações brasileiras. Basta verificar o volume da safra de soja e o que vendemos ao exterior. Entretanto, poucos sabem, exceto os que vivem do ramo, os especialistas e os curiosos, que, por não produzirmos certos componentes básicos à fabricação de fertilizantes, entre estes o potássio, o Brasil é obrigado a adquirir a maior parte deste insumo através da importação. Somente no ano de 2017, foram importados mais de 9.600 milhões de toneladas de potássio a um custo de US$2,394 bilhões. Trata-se de uma verdadeira “sangria” que precisa ser contida ou, pelo menos, diminuída. Vários cientistas e pesquisadores, entre estes José Carlos Polidoro (Embrapa) e Maulori C. Cabral (ProAlga/UFRJ afirmam que o problema dos fertilizantes é uma questão de segurança nacional, uma vez que o grau de dependência do Brasil quanto as importações de fertilizantes supera 90%. “Este é um país que depende da agricultura, e não produzir fertilizante é um erro estratégico grande” (Polidoro – 2016).

Uma alternativa amenizadora da situação dar-se-ía mediante investimentos para produzirmos parte deste importante – potássio – aqui mesmo, em águas brasileiras. E por que não no Rio Grande do Norte? Aproveitar alguns espaços litorâneas e estuarinos, inclusive áreas de salinas e viveiros com capacidade de renovação/recirculação de água naturalmente apropriados ao cultivo algáceo. Cabral – ProAlga – UFRJ 2017, intitula dois de seus trabalhos assim: “Macroalgas como ferramentas para Sustentabilidade Ambiental e Econômica” e “Cultivo de Macroalgas com Estratégia para a Soberania Brasileira”. O “recado” está dado. É pegar ou largar. De preferência, claro, aproveitar a oportuna e não menos patriótica sugestão.

A opção pela alginocultura é, no mínimo, duplamente interessante pois, além das aplicações em segmentos industriais, agrícolas e pecuários, ocuparia centenas de famílias, ou seja, incluiria milhares de pessoas numa atividade produtiva rentável, melhorando seus rendimentos, fazendo a moeda circular, dinamizando o comércio e, consequentemente, possibilitando melhoras na condição de vida de milhares de cidadãos.

 Finalizando lembraria que componentes de algas estão no frescor dos dentifrícios que usamos ao acordar e na espuma da cerveja do final do dia. Não seria de estranhar, assim, afirmar que estamos com “alga na boca”. Literalmente.  

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