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Com o pé no chão e a cabeça no futuro

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Ricardo Araújo
repórter

Numa cruzada contra o analfabetismo, os acampamentos escolares iam aonde os analfabetos estavam. Em cada  canto de praia, em cada favela. Naquela época, início dos anos 60,  a disputa nas ruas da capital não era entre gangues, como ocorre hoje em dia, e sim pelo menor índice de analfabetos. Com faixas estendidas de um canto a outro das ruas e vielas, a população vibrava a cada novo alfabetizado. Como se a vitória de um, fizesse parte do esforço de cada morador. Sim, era esta a Natal governada pelo prefeito Djalma Maranhão. Sob palhoças erguidas no chão arenoso dos bairros periféricos, nas ruas de barro, crianças eram alfabetizadas. Afinal de contas, “De Pé no Chão, Também se Aprende a Ler”.
Djalma Maranhão morreu no axílio, em Montevidéu, em 1971
Nos meados dos anos 50, Djalma Maranhão foi nomeado pelo então governador do Estado, Dinarte Mariz, prefeito de Natal. Em 1960, aos 45 anos,  foi eleito o primeiro prefeito da capital através do voto direto.  Em 1964, com o golpe militar, Djalma é preso e levado ao Quartel General por ter sido contrário aos ideais militares da época. Na Guarnição, o coronel Mendonça Lima o ofereceu liberdade em troca da renúncia ao cargo de prefeito. Djalma não aceitou e foi encaminhado à prisão. Passou pelas celas de Fernando de Noronha e, depois, em Recife. No mesmo ano, pediu exílio político e foi levado para Montevidéu.

Maranhão não dispôs do tempo que desejava para governar a capital e realizar todos os projetos que trazia consigo. Entretanto, ele dispôs do tempo necessário para mudar a história de vida de milhares de potiguares que até hoje o relembram saudosos e com um respeito dispensado a poucas figuras da história deste país. “Djalma é uma pessoa que nós poderíamos chamar de intelectual orgânico. Ele pensava no bem comum, na política voltada a quem mais precisava: os pobres”, ressalta o pesquisador Roberto Monte.

O nome de Djalma Maranhão pode ser considerado sinônimo de uma campanha que marcou o  Rio Grande do Norte, principalmente Natal, nos anos obscuros da Ditadura Militar.  Nas palhoças, uma equipe de professores com recursos mínimos, conseguiu alfabetizar cerca de 25 mil crianças. Era, acima de tudo, um processo de inclusão social. Diante das mais diversas dificuldades, além da situação miserável da maioria da população natalense, as escolas iam até os alunos. Uma espécie de processo inverso à realidade atual.

Além de aprender a ler e a escrever, as crianças dividiam momentos de lazer e se alimentavam de frutos da terra, de legumes e verduras plantadas em hortas administradas por eles próprios. Além das crianças, adolescentes e adultos também tinham a oportunidade de estudar. Em locais fechados, ou até mesmo nas palhoças, em horários diferenciados. Djalma Maranhão foi vanguardista no que hoje foi batizado de Ensino de Jovens e Adultos (EJA).

“A influência maior de Djalma foi na inovação e na honestidade. Dentro do contexto da pobreza, ele foi o melhor prefeito que Natal já teve”, afirmou o presidente da Associação dos Anistiados Políticos, Mery Medeiros. Assim como Mery, Djalma também foi preso político. Exilado em Montevidéu, segundo escritos de Moacyr de Góes e Darcy Ribeiro, ele enfrentou os anos mais tristes de sua vida.

Longe da mulher, Dária, e do filho único, Marcos, ele tentava matar as saudades da cidade natal enviando cartas. Numa tentativa desesperada, segundo relato de Roberto Monte, Djalma ligou o rádio na capital uruguaia na esperança de ouvir alguma AM natalense.

Djalma faleceu de insuficiência cardíaca, aos 56 anos, no dia 30 de julho de 1971 em Montevidéu. Para Darcy Ribeiro, ele morreu de saudades, de banzo. Assim como os negros africanos extraídos da sua terra natal.

Veja vídeo da Campanha de “Pé no Chão Também se Aprender a Ler no site: www.tribunadonorte.com.br

“Meu crime foi alfabetizar 25 mil crianças”

 Numa das mensagens enviada ao povo brasileiro enquanto estava exilado, Djalma faz uma análise sobre o que poderia ter sido seu erro. “Meu crime maior foi alfabetizar 25 mil crianças, na pioneira campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”. De acordo com a carta, a campanha foi reconhecida pela UNESCO como válida para as regiões subdesenvolvidas do mundo. 

“Djalma era um homem comprometido com a educação, com a saúda do povo pobre. Foi este seu grande diferencial. Sentimos falta disso”, alega Mery Medeiros. Segundo Mery, a ideia de montar palhoças para alfabetizar a massa de miseráveis que habitava a Natal dos anos 60, surgiu numa reunião comunitária nas Rocas. Sem dinheiro para subsidiar construções de alvenaria, foi esta a saída adotada pelo então prefeito.

Segundo Mery, Djalma não foi vanguardista apenas na forma de priorizar a educação pública, mas também na transparência com os gastos públicos. “Quando ele calçava uma rua, saía de casa em casa prestando contas. Ele era transparente”, destacou.

Em termos estatísticos (e quando a população de Natal era de 160.000 mil habitantes), em três anos, De Pé no Chão alcançou uma matrícula acumulada de 34 mil alunos. Além disso, foi criado um centro de formação de professores que desdobrou-se na campanha “De Pé no Chão também se Aprende uma Profissão”.

 Para Fernando Tovar, militante da campanha de Djalma à Prefeitura de Natal, o ex-prefeito jamais negou trabalho. “Era incrível. Eu era adolescente e me sentia fascinado por aquele homem que queria mudar a realidade de muitas crianças”, afirmou. Para quem conheceu Djalma Maranhão, ele era um exemplo de sensibilidade humana, honestidade e, acima de tudo, coerência.

Projeto foi uma política educacional

 A lembrança que mais permanece na memória popular do povo norte-riograndense é a campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”. Campanha esta criada por Djalma maranhão cujo objetivo era lutar para a erradicação do analfabetismo.

A Campanha foi além de uma proposta alfabetizadora e alcançou o nível de uma política educacional. Além de estar aliada à revalorização da cultura e dos autos populares e iniciação profissional. Como prefeito, Djalma Maranhão, fez com que a escola pública municipal fosse fruto de duas vertentes: o saber acadêmico, historicamente acumulado, de seus professores e técnicos, e as propostas do movimento popular vitorioso das eleições de 1960.

Em Natal, foram criados 120 Comitês Nacionalistas que continuaram funcionando após a posse, em novembro. Esta especificidade da escola municipal nesse momento, em Natal, faz emergir no ensino oficial do município a Educação Popular.

De Pé no Chão venceu desafios comuns à escola brasileira: onde não havia escolas de alvenaria, construiu Acampamentos Escolares; como não havia professores diplomados, qualificou os seus próprios recursos humanos; sem material didático, redigiu seus próprios textos educacionais; a sala de aula jamais foi largada à própria sorte: o acompanhamento técnico-pedagógico se fez na proporção de um supervisor para cada vinte professores.

Serviço

Quem desejar contribuir com material histórico para o acervo sobre Djalma Maranhão, poderá entrar em contato com Roberto Monte.

Fone: 3221 5932 / 3201 4359

e-mail: [email protected]

Site: www.dhnet.org.br/educar/penochao

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