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Comprovando-se Freud?(2)

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Dr. Jorge Boucinhas
Médico  e  Professor

Volta-se hoje a Freud e aos atuais estudos neurofisiológicos que estão a lançar novas luzes sobre muitas de suas idéias.  Afora o anteriormente mencionado, elas igualmente estão a reaparecer como referências teóricas no que tange aos modernos estudos sobre sono e sonhos.  A teoria freudiana dos sonhos, supondo que são uma forma de visualizar desejos inconscientes, foi abalada quando da descoberta, há mais de meio século, da estreita associação do fenômeno REM (estado do sono em que se processam movimentos rápidos dos olhos) com o momento de sonhar.  Como conseqüência dela em duas décadas a visão psicanalítica das atividades oníricas perdeu praticamente toda confiabilidade, processo consolidado quando deoutra importamte descoberta, a de que um neuromodulador, a acetilcolina,controlava o ciclo sono/sonho. A fase REM era produzida automaticamente, mais ou menos a cada hora e meia, por mediação de substâncias químicas cerebrais que não entravam na regulação do tônus emocional.  Isto levou à inferência de que os sonhos não teriam significado e seriam tão somente histórias elaboradas subconscientemente para tentar reorganizar a atividade consciente elicitada quando dos acontecimentos do dia a dia.

Novos estudos, porém, têm mostrado que o sono REM e o sonho são entidades separáveis controladas de maneiras distintas conquanto interrelacionadas.  O sonho é formado em estruturas dos circuitos instintivo-motivacionais do cérebro anterior.  E tal encontro originou novas teorias sobre o estado onírico, das quais muitas reforçam os conceitos emitidos pelo criador da Psicanálise, que lhes dava um conteúdo emocional.

Freud foi mais longe ainda.  Para ele, não somente grande parte da atividade mental é inconsciente e vive em negação, mas a parte reprimida do inconsciente opera de acordo com um princípio diferente do “princípio de realidade” e da linearidade temporal que governa o ego consciente. Esse tipo de pensamento inconsciente está ligado ao desejo e ignora tanto as leis da lógica quanto o tempo.  Caso estivesse ele certo, danos a estruturas inibidoras do cerebrais liberariam processos cerebrias irracionais, ligados ao desejo. Curiosamente é o que se observa em indivíduos com lesões em áreas límbicas frontais, que controlam aspectos essenciais da autoconsciência.  Os atingidos apresentam a chamada Síndrome de Korsakoff, em não percebem que têm perda de memória e preenchem as lacunas com fatos imaginários, fabulações.  Nos portadores da Síndrome o que é esquecido é substituído por idéias ou lembranças fantasiadas.  Mais interessante: não surgem de forma aleatória.  Tem-se verificado que obedecem ao “Princípio do Prazer” referido por Freud, o qual seria fundamental para o funcionamento inconsciente.  Tais fabulações pura e simplesmente reconstroem a realidade como os pacientes gostariam que fosse. 

Se Freud argumentou que o princípio do prazer exprimia impulsos primitivos, hoje acredita-se que os mecanismos instintivos que regem a motivação humana são ainda mais primitivos do que imaginava ele.  Os sistemas básicos de controle emocional são iguais em todos os mamíferos, e no nível profundo de organização psíquica chamado id, a anatomia e a química funcionais encefálicas não seriam muito diferentes nos seres humanos e nos animais selvagens ou domésticos.

Claro fique que nem todos neurocientistas estão acordes quanto ao real significado de fatos que reforçam o edifício teórico freudiano.  Alguns não aceitam sequer a confirmação parcial de alguns conceitos fundamentais de Freud, e, pior, exigem seu completo olvido.  Por outro lado, tampouco os psicanalistas mais antigos concordam de ver sua “ciência” sujeitada ao escrutínio biológico e científico.  Verdade que já se mencionou, no Artigo anterior, o esforço de síntese propugnado pela Neuro-Psychoanalysis e até há quem refira não ser questão de provar se Freud estava certo ou errado, mas de ver até que ponto se pode ajudar a terminar sua obra.  Se isso puder ser concretizado, se novos parâmetros intelectuais puderem ser estabelecidos, virará passado o tempo em que se tinha de optar entre terapia analítica (ou quaisquer outras terapias que o amanhã reserve) e medicamentos psicofarmacológicos, surgirão tempos novos em que a conexão entre química cerebral e história de vida estará bem definida e poder-se-á prometer assistência psicológico-psiquiátrica integrada e eficaz. 

Quaisquer que sejam as terapias que o amanhã traga, os pacientes só poderão lucrar caso se consiga um entendimento melhor do funcionamento cerebral, e na medida em que os neurocientistas se voltem mais e mais para as questões profundas da Psicologia, no caso em questão das idéias base da Psicanálise, é gratificante perceber que pode-se ensaiar construir sobre alicerces já edificados ao invés de partir do nada. 

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