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Conforto pela arte

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Em 2015, uma cena comovente circulou pela imprensa mundial: um serviço de assistência médica holandês levou uma senhora em estado terminal para uma visita privada ao Rijksmuseum, em Amsterdã, onde ela pôde realizar seu último desejo: apreciar de perto um famoso autorretrato de Rembrandt. Recentemente, o mestre holandês foi o centro de uma nova ação na cidade. Desta vez, para contornar as restrições do momento, foi o próprio museu que fez circular, entre trinta casas de repouso da região, uma reprodução em tamanho real da pintura A Ronda Noturna, tida como uma das grandes realizações do Barroco europeu.

As belas obras do Museu Kunsthistorisches, em Viena, na Áustria podem ser visitadas por todos em um tour virtual gratuito
No início da pandemia, em março, o Museu de Belas Artes de Boston compartilhou em suas redes sociais uma delicada pintura de autoria do americano Edward Hopper (1882-1967), em que uma mulher, de costas para o espectador, observa a rua através de uma janela. A postagem vinha acompanhada da seguinte mensagem: “Hopper é o poeta inesperado do nosso momento. Sabemos o que é ser aquela figura sentada, olhar pela janela para os telhados vazios do outro lado da rua. Há solidão e isolamento em Room in Brooklin, mas também há esperança. Hopper sugere toda uma promessa de primavera: sol entrando pelas janelas, um buquê de flores frescas, novas possibilidades ao virar da esquina”.

O que esses relatos, que envolvem legados artísticos tão distintos, têm a nos dizer? Talvez a principal resposta seja a de que a arte pode ser uma importante fonte de consolo para enfrentarmos momentos de crise. Não se trata de reduzi-la a uma lógica meramente utilitária, mas de ampliar as suas possibilidades, para melhor lidarmos, como nos exemplos acima, com questões como a proximidade da morte, a solidão ou a falta de respostas para o futuro.

O museu “Tate Britain”, em Londres, chama atenção pelas obras e pela arquitetura

No livro Arte Como Terapia (lançado no Brasil pela editora Intrínseca), os filósofos contemporâneos Alain de Botton e John Armstrong aprofundam-se ainda mais nessa questão. Os autores defendem a ideia da arte como ferramenta terapêutica, que pode nos ajudar a enfrentar angústias e dilemas cotidianos. A publicação originou uma plataforma, na qual o usuário seleciona o seu problema específico e, a partir de então tem acesso a obras de arte que, ao serem apreciadas com um texto de apoio, buscam ajudá-lo a compreender seu sofrimento.

Essa possibilidade de usar a imaginação para visualizar algo novo ou interpretar uma situação sob um ponto de vista diferente tem relação com a descrição que o historiador britânico Simon Schama faz em seu livro O Poder da Arte (Companhia das Letras). Nele, o autor lembra a capacidade que certas obras têm de causar na audiência uma “surpresa perturbadora”, substituindo o que há de conhecido no mundo visível por uma nova realidade “que é toda dela”. Não é de hoje, assim, que as pessoas recorrem à arte em busca de consolo. Ao longo dos séculos, os próprios artistas incorporaram em suas produções as angústias vivenciadas em seus contextos históricos.

A historiadora da arte Laura Ferrazza usa como exemplo um artista do século 17, o pintor flamengo Antoon Van Dyck (1599-1641), que precisou ficar em quarentena na Itália. Logo após a sua chegada em Palermo, onde passaria uma temporada, a cidade foi tomada pela peste. Van Dyck isolou-se em seu ateliê, onde passou a pintar obras bem diferentes dos retratos da aristocracia a que estava habituado. O resultado foi uma série de quadros dedicados a Santa Rosália, padroeira da cidade. “Ele nunca tinha feito quadros religiosos, mas aquilo talvez fosse uma forma de falar em esperança”, avalia.

O museu The Metropolitan Art, em Nova Iorque possui muitas imagens em 360 graus

Laura ressalta que o interessante dessa relação com a arte é que mesmo quando um espectador não é religioso, por exemplo, ele pode apreciar as qualidades de uma obra sacra. “É possível olhar para homens e mulheres de outros tempos, em contextos difíceis como o nosso, e sentir uma identificação. Esse caráter atemporal é o mais importante da arte.”

Como ela explica, as imagens carregam a marca do contexto em que foram produzidas, mas também “projeções do futuro”. Isso explica por que as pessoas podem ter diferentes interpretações a respeito de uma mesma criação. “Existe uma ideia de que, quando você olha para uma obra, ela também te olha. Há uma troca entre a obra e o observador. Ela mexe em coisas próprias de cada pessoa, com conhecimentos até mesmo inconscientes.”

Como forma de estimular essa troca, diferentes iniciativas têm apostado em levar arte para dentro dos hospitais. Foi o caso da Galleria Continua, de atuação internacional, que tinha planos de inaugurar em agosto as atividades de sua filial brasileira no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Acabou, no entanto, adiantando parte de seus trabalhos. Em abril, seu espaço foi transformado em uma espécie de almoxarifado do hospital de campanha adaptado ali pela Prefeitura. “Quando vi a logística, pensei: ‘vamos dar uma força para os médicos'”, conta Akio Aoki, sócio e diretor da operação da galeria no Brasil.

“Todos precisavam retirar o uniforme e os EPIs aqui; tinha, inclusive, uma máquina de ponto na porta da galeria”, diz Aoki. Nesse ambiente de fluxo intenso, os profissionais da saúde ganharam a oportunidade de deixar de lado o estresse por um momento e assistir a vídeos produzidos por artistas contemporâneos como Jonathas de Andrade, Lia Chaia, Gisela Motta e Leandro Lima. “Cada um vê a arte de uma forma, não existe um roteiro programado, e é por isso que é uma experiência individual que traz um benefício único.”

Não surpreende, assim, que um recente levantamento virtual realizado pelo Masp tenha revelado o anseio do público em voltar aos museus. Realizado com 1.363 pessoas que compraram ingressos ao menos uma vez em 2019 – ano em que o museu bateu recorde de público com a mostra sobre Tarsila do Amaral -, o estudo revela uma maior predisposição, quando a quarentena acabar, para visitas a museus e instituições culturais (38%) do que a bares e restaurantes (25%), por exemplo.

Enquanto o fim da pandemia ainda é incerto, a instituição busca amenizar a distância com atividades online. Toda semana, um artista do acervo é escolhido como tema da ação #maspdesenhosemcasa, em que o público é convidado a compartilhar a própria versão de uma obra. Outros museus pelo mundo têm apostado também nesse tipo de iniciativa. Afinal, com o distanciamento social, as pessoas têm passado mais tempo na internet – uma possibilidade inexistente para a humanidade durante outras crises de saúde na história.
ARTE ONLINE
Confira as dicas:
Smart History
O canal do YouTube aposta em vídeos de 5 a 10 minutos de duração com explicações didáticas sobre a história da arte. Os conteúdos são em inglês, mas muitos têm legenda: youtube. com/smarthistoryvideos.

Google Arts & Culture
Fruto de parceria do Google com diversos museus do mundo, a plataforma, que pode ser acessada pela internet (artsandculture.google.com) ou pelo app de mesmo nome, permite que o usuário navegue por coleções por meio da tecnologia de Street View. Entre as opções no Brasil está o Museu Nacional, no Rio – antes do incêndio.

The Great Gallery Tours
Com o fechamento dos museus pelo mundo, o historiador britânico Simon Schama propôs um tour virtual por instituições como a Courtauld Gallery (Londres), o Rijksmuseum (Amsterdã), o Museu do Prado (Madri) e o Whitney Museum (Nova York), destacando preciosidades de seus acervos. Os episódios, em inglês, estão disponíveis no site da BBC Radio 4.

Marco Mansi
Em sua página do Instagram, o jornalista e historiador da arte italiano Marco Mansi faz uma seleção criteriosa e propõe um grande mosaico de imagens inspiradoras para a rotina dos seguidores, entre reproduções de pinturas e fotografias dedicadas à arquitetura.

Vivi eu Vi
De forma bastante descontraída, a brasileira Vivi Villanova mantém o canal do YouTube ViviEuVi, no qual revela curiosidades sobre os artistas e suas obras. Ela publica novos vídeos sempre às segundas e sextas-feiras.

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