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“Conluio institucionalizado”

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Erick Wilson Pereira
Professor de Direito da UFRN
À medida que diálogos obtidos na operação Spoofing da Polícia Federal vão sendo vazados, mais estarrecidos e incrédulos ficamos quanto aos meios utilizados pelos mais notórios cruzados da guerra santa anticorrupção deflagrada pela Lava-Jato. 
O que se constata das relações fisiológicas entre magistrado e procuradores é que, na frenética busca por resultados, os meios foram vilipendiados, e, com eles, infringidas as regras do devido processo legal. Para observadores atentos e primevos da operação, a exemplo do ministro Celso de Mello, oito anos atrás a realidade já revelava um magistrado “travestido de verdadeiro investigador” praticando atividades inerentes ao Ministério Público, pondo em xeque “o direito fundamental, de qualquer pessoa, independentemente da natureza do delito que lhe haja sido imputado, de ser julgada por um juiz ou por um tribunal imparcial”.
Para além dos motivos que, segundo a acusação, teriam concorrido para o desmonte da operação– proibição da prisão após julgamento da segunda instância, transferência para a Justiça Eleitoral dos casos de corrupção política, limites legislativos impostos à colaboração premiada, redistribuição dos casos e integração das forças-tarefas ao Gaeco –, os diálogos da Vaza-Jato também demonstram que, diferentemente da italiana “Mãos Limpas”, não se pode imputar a ruína da maior operação deflagrada contra a corrupção no país a uma previsível reação política às investigações, ou a um sistema de Justiça criminal imperfeito e repleto de lacunas favoráveis às mudanças. Aqui, o hiperativismo judicial infringiu os deveres institucionais, corrompeu o devido processo legal, rechaçou a ampla defesa e cultivou a deslealdade processual.
A questão não se refere a negar ou mesmo duvidar da ocorrência dos crimes investigados e imputados pela Lava-Jato, mas ao fato de que o direito à ampla defesa foi claramente transgredido, resultando em julgamentos injustos amparados em ajustes prévios e atuação coordenada entre procuradores e magistrado; ausência de paridade de armas entre defesa e acusação; seletividade das provas e parcialidade na condução das investigações; estratégias probatórias obscuras e obtenção ilegal de provas no exterior; interpretação flexível e manipulação espúria de princípios e normas processuais penais; negação sistemática de providências essenciais para o regular exercício da ampla defesa; delações direcionadas e “encorajadas” pelas prisões cautelares abusivas. Previsível que tal jogo de cartas marcadas também impressionasse pela celeridade processual, sincronia entre hipóteses acusatórias e sentenças condenatórias, e aplausos de uma mídia justiceira.    
A legislação brasileira, apesar da proibição do uso de provas obtidas de forma ilícita, abriga janelas que permitem o uso de tal material quando benéfico ao acusado. Caso seja demonstrada a autenticidade das mensagens trocadas entre procuradores e juiz, abre-se a porta para a anulação do processo penal, no rastro da famigerada operação Castelo de Areia – a nulidade absoluta vicia o processo cuja prolação de sentenças é feita por um magistrado que viola o princípio da imparcialidade, tornando-o suspeito. 
À perda da imparcialidade do juiz natural do processo agrega-se o desvio de finalidade funcional e a movimentação adulterada da máquina estatal que ferem o interesse dos réus e a própria ordem pública. Tais ilícitos não só desaguam em crimes de abuso de autoridade para procuradores e magistrado, mas produzem consequências nefastas para todos, pois promovem a insegurança jurídica, a instabilidade institucional e o descrédito do Judiciário perante a sociedade. 
Não é por falta de motivos que ministros do Supremo Tribunal Federal preconizam uma espécie de “refundação” do Poder Judiciário brasileiro para que fatos semelhantes não voltem a ocorrer, ao tempo em que observam que o “conluio institucionalizado” e coordenado, protagonizado pelos procuradores da Lava-Jato, pelo então juiz Moro e membros da Polícia e da Receita Federal, se deu sob os olhos do TRF-4, e com a eventual chancela de parte do Poder Judiciário. Exemplo do quanto nossas instituições são frágeis.
É mais que tempo de se debater a importância da vinculação dos princípios e regras constitucionais e infraconstitucionais, o papel do magistrado no processo penal em um Estado democrático de direito e o quanto tal papel impacta no nosso sistema acusatório. Os fins perseguidos, por mais elevados, jamais deveriam justificar o uso de meios cerceadores do direito de defesa ou de situações de se colocar alguém acima da lei e decidir quando e em que contextos ela vale ou não. Todos perdem – culpados e inocentes – quando as regras do jogo democrático são quebradas, quando precedentes criados fragilizam a cidadania e erodem pilares do Estado democrático de direito, cuja face repressora não é regra, mas exceção.
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