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Consumo de drogas dentro da universidade preocupa

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Wagner Lopes – repórter

O músico Carlos Eduardo Fagundes, de 30 anos, teve os primeiros contatos com as drogas por volta dos 14. Ele não precisou entrar em favelas, ou se arriscar no “submundo” para conseguir manter o vício. O então estudante de uma escola particular conheceu os entorpecentes no ambiente estudantil. “Na época ainda tinha um pessoal fora do colégio, que ficava em uma lanchonete perto, fazendo o ‘avião’, mas hoje em dia eles levam a droga para dentro da escola. Eu mesmo cheguei a vender lança perfume na sala de aula.”

Em tratamento pelo quarto ano consecutivo, “Dudu”, como é conhecido, não é um caso isolado. A quantidade de jovens expostos às drogas, lícitas e ilícitas, é crescente nas escolas e o consumo nas universidades supera a média do restante da sociedade. Os especialistas apontam a prevenção como a grande arma de combate à dependência, mas a estrutura de tratamento e de repressão ainda são deficientes e muitos jovens seguem o caminho de Carlos Eduardo.

“Comecei com cigarro e álcool, mas com 14 já fumava maconha e depois fui para a cocaína, aos 18 anos, e então o ecstasy e o LSD. Isso até 2000, quando conheci o crack e cheguei ao fundo do poço”, conta o músico. O vício atrapalhou sua carreira e “Dudu” teve de deixar importantes bandas de forró e pagode do estado. Hoje ele busca apoio na comunidade terapêutica Nova Aliança, que funciona no Pium.

Carlos Eduardo lamenta a realidade atual, ainda pior que a vivida em seus tempos de estudante. “As novas gerações têm contato cada vez mais fácil com as drogas e muitas vezes a sociedade fecha os olhos para o problema. A prevenção tem que estar muito dentro das escolas”, defende. Ele lamenta que pais, muitas vezes na tentativa de proteger o filho e na busca equivocada de os afastar do tráfico, dão dinheiro aos jovens, ao invés de buscarem ajuda especializada. “Isso termina levando a gente a se matar cada vez mais.”

O coordenador da Nova Aliança, Murilo Vieira, reforça: “Fazemos entrevistas com as pessoas que chegam à comunidade e comprovamos que a grande maioria é influenciada dentro do ambiente escolar. Inclusive eu fui uma dessas.” Por volta dos 14 anos, no início dos anos 80, ele começou com o álcool, passou para a maconha e já havia chegado ao crack no final dos anos 90, quando perdeu todo o dinheiro e sua loja de bicicletas foi à falência.

Percebeu que não iria sobreviver ao vício. Sem um local adequado onde buscar ajuda, Murilo Vieira passou um mês trancado em um prédio anexo a uma igreja, para ficar distante da droga. Desde então trabalha no auxílio ao tratamento de outros dependentes e há seis anos criou a comunidade terapêutica, mantida com auxílio de famílias, amigos e do Departamento de Prevenção ao Uso de Drogas (Depad) da Secretaria de Saúde de Natal.

A maior dificuldade é evitar as recaídas. “Não existem ainda políticas públicas voltadas à inclusão e reinserção desse pessoal”, critica Murilo Vieira. A deficiência torna o tratamento ainda mais difícil. O índice de sucesso é pequeno, mas segundo ele, qualquer pessoa tirada do mundo das drogas já justifica todo o esforço. “Não chega a 10%. Quando eles passam os nove meses, que é a proposta do programa, esse índice aumenta, mas alguns abandonam antes.” Cerca de 80 pessoas estão em tratamento no Nova Aliança.

Medo da discriminação atrapalha

“A vergonha mata qualquer ser humano. Quantos convites não já fiz a pessoas que se negaram a pedir ajuda. Três funcionários da universidade, abordados por mim, tiveram vergonha de frequentar o grupo de apoio e hoje já não estão no nosso convívio, faleceram, pela simples vergonha de admitir o problema que sofriam e buscar ajuda.” O relato é do administrador do prédio da Reitoria da UFRN, que integra o Grupo de Apoio a Dependentes do Álcool (Gada). 

O servidor, que preferiu não divulgar o nome, lembra que admitir a impotência perante o álcool é um dos primeiros passos para quem quer se tratar. Com 14 anos, ele começou a tomar cerveja “socialmente” e a dependência logo chegou. Apesar de só fazer uso nos finais de semana, bebia em excesso, sem controle. “O médico me disse que se não parasse, perderia a vida, a esposa, a filha, tudo. Não cheguei ao ensino superior e dei sorte de não ter perdido o emprego e não ser internado.”

Aos 38 anos, já trabalhando na UFRN, recebeu um convite de uma assistente social para assistir a uma reunião sobre o consumo de álcool. Foi quando decidiu parar, processo que se consolidou aos 39. “Até então nada para mim dava certo. Casamento quase acabado. Muitas dívidas. Não tinha residência própria, porque a única que tinha tive de vender para pagar contas”, recorda.

O administrador hoje pensa em voltar aos estudos, fazer um curso superior, e reconquistou toda a credibilidade junto da família, amigos e colegas de trabalho. “Ninguém confiava em mim, mas agora assumo a administração do prédio da Reitoria e apoio muitos que sofrem com o problema e estavam encostados, sem credibilidade, em diversos departamentos da universidade”, compara. Ele se diz triste com o excesso de álcool nos “trotes” estudantis e o consumo desenfreado dos alunos nos bares das redondezas do campus. “A universidade precisa fazer um trabalho constante e sério. Temos problemas com funcionários e estudantes. Nunca é tarde”, conclui.

Alunos temem estigmatização de projeto

Uma praça localizada próximo às piscinas e ao “ginásio menor” da UFRN não conta com monitoramento por câmeras e, por estar em uma área erma do campus, sempre serviu de ponto para estudantes fazerem uso de maconha, longe dos olhares dos demais. Há dois anos, o circo da “Tropa Trupe Cia de Arte”, projeto de extensão da universidade que estimula a cultura circense, foi instalado no local e hoje o espaço sofre com a estigmatização.

“Não somos hipócritas de dizer que não tenha gente fumando aqui perto do circo, mas não queremos associar isso ao projeto que desenvolvemos”, enfatiza a aluna Luísa Guedes. Outro participante do projeto, Adolfo Ramos, explica que os artistas se veem obrigados a orientar, pessoalmente, as pessoas que fazem uso da droga no entorno da praça a buscarem outros locais, por respeito ao projeto.

“Infelizmente já teve até aluno que não ficou no circo porque os pais ouviram falar dessas histórias e não deixaram mais ele participar”, lamenta. Os dois lembram que não há como o Tropa Trupe ser responsabilizado pela atitude de outros estudantes da UFRN e mesmo jovens de fora ,  que vão até o local consumir entorpecentes.

Ao mesmo tempo, a estrutura não conta com a segurança necessária. Três assaltos já ocorreram nos últimos seis meses. Os participantes do projeto criticam a segurança do campus, que costuma coibir com rigor o uso de drogas, mas não evita a invasão da lona do circo por marginais. “Tem dia que a gente chega aqui e tem até camisinha jogada”, revela Adolfo Ramos.

Uma pós-graduação em prevenção

A realidade na UFRN é clara. “Não temos dados, mas temos constatação. E a nossa constatação é que existe uso de drogas no campus e é crescente. À medida que passa surgem mais usuários, o organismo deles vai se tornando tolerante, induzindo ao aumento da dose. Então aumenta o consumo e alguns partem para o contato com drogas cada vez mais pesadas”, relata o doutor em Sociologia João Dantas Pereira, do Programa de Pós-graduação de Serviço Social. 

O professor coordena a base de pesquisa “Exclusão Social, Saúde e Cidadania” e vem participando da implementação de uma pós-graduação sobre prevenção de drogas, com início das aulas previsto para agosto. “Geralmente a dependência começa com álcool, cujo consumo é aceito culturalmente e não se trata de uma droga ilícita, mas atualmente mesmo o crack já é uma realidade. Essa droga, até o final dos anos 80, era ligada a meninos de rua do Rio de Janeiro. Hoje há médicos, advogados, professores e estudantes universitários que fazem uso.”

Os colegas geralmente são os grandes incentivadores ao consumo, sobretudo entre o público jovem masculino. “É, para eles, uma forma de provar a virilidade, de que ‘está por dentro’, se não ele pode sofrer constrangimento, de que é ‘frágil’, ou ‘dominado pela mãe’, essas coisas”, lamenta João Dantas. Ele destaca que a maioria das pessoas que consomem drogas têm conhecimento de que é prejudicial à saúde, mas entre o prazer e o prejuízo acabam optando pelo primeiro, somando ainda aspectos como a curiosidade.

O professor enfatiza que o sucesso dos tratamentos dos dependentes está relacionado à vontade do próprio usuário. E a discriminação só atrapalha. “Ainda há muito preconceito da sociedade em relação ao usuário. Muitos acham que o consumo de drogas tem a ver com a moral da pessoa, a ética. Embora já tenha se visto que se trata de uma doença, não é encarada assim para a maior parte das pessoas, que ainda consideram um desvio de conduta”, indica.

O temor de ficarem estigmatizados leva os usuários a serem tratados, em sua maioria, fora do campus. Estudantes e funcionários participam de grupos que funcionam no Hospital Universitário Onofre Lopes e em outras instituições, como comunidades terapêuticas de Pernambuco, Ceará e a Nova Aliança, no Pium.

Mas a melhor saída, entende, é mesmo a prevenção e nesse sentido o pesquisador defende que a política preventiva se torne uma ação de estado, permanente, e não de governo, mudando conforme o gestor. Em meio a isso, João Dantas considera que a UFRN vem cumprindo seu papel. A universidade criou um grupo de prevenção, promove cursos de formação de multiplicadores, realiza seminários, oficinas, palestras, reuniões em escolas e desenvolve parcerias.

Até medidas simples como a melhoria da iluminação interna e o monitoramento por câmeras inibe o consumo e são elogiadas pelo professor. Já os governos precisam ser mais cobrados. “Temos de criar uma alternativa viável, credível, em relação ao tráfico e consumo de drogas, porque o espaço está cada vez mais sendo dominado pelos traficantes e o estado tem ficado um pouco ausente”, critica.

Estudante critica debate sobre as drogas

Enquanto drogas como a maconha são proibidas e seus usuários se tornam vítimas de preconceito da população e alvo da polícia, outras como o álcool seguem fazendo “estragos” com a conivência da sociedade. Esse é apenas um dos aspectos que o ex-integrante do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e militante das causas estudantis, Denis Lucas Xavier, considera que tem estado ausente dos debates.

“A discussão hoje é ainda muito simplista, quando coloca que drogas ilícitas devem ser combatidas, enquanto as lícitas não, são aceitas, está tranquilo, pode ficar à vontade”, critica o estudante.

Enquanto o debate não se ampliar, Dênis Lucas considera difícil haver avanços na política de prevenção e mesmo de convivência com os entorpecentes. “Hoje o usuário é visto sempre como um doente e até como um criminoso e não, muitas vezes, como um sujeito consciente de suas atitudes, o que pode ser um fato”, diz o aluno da UFRN.

O ex-diretor do DCE  reconhece que ainda se está longe de um consenso a respeito, por exemplo, da descriminalização da maconha e reclama que a própria universidade não tem contribuído muito na discussão. “Os debates aqui dentro também são muito superficiais.”

Mutação do tráfico é constante

Há oito anos a Polícia Militar do Rio Grande do Norte aderiu a uma ação internacional de prevenção ao consumo de entorpecentes, o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), hoje coordenado pela Companhia Independente de Prevenção ao Uso de Drogas (Cipred). Desde então vem acumulando informações a respeito do problema nas escolas e universidades de Natal e do interior.

Uma das conclusões é sobre a velocidade de mutação do mercado. “Tem hora que o problema se concentra no centro da cidade, tem hora que é dentro do ambiente escolar. Há momentos em que o consumo é nas praças. A cada ano vamos percebendo as mudanças. Quando eles sentem dificuldade, mudam o tráfico para outro lugar. Hoje, a grande preocupação é dentro da rede privada de ensino e por isso temos atuado cada vez mais, em praticamente 100% das escolas”, aponta a major Margarida Brandão, coordenadora do Proerd.

A major  lembra que o problema não se restringe às escolas das periferias e envolve cada vez mais o público feminino. “Não é novidade. Há uns três anos a participação das meninas e mulheres no aumento da violência e da criminalidade é crescente. Como eles sabem que não temos um grande efetivo de policiais femininas, traficantes deixam tudo que têm de importante com as mulheres e fica bem mais fácil para eles”, ressalta. As mulheres servem até mesmo de objeto de troca nas negociações.

A atuação dos grupos criminosos é “democrático”, distribui-se por toda a cidade. Ainda assim, uma área necessita de maior atenção. “O corredor educacional da avenida Deodoro precisa de olhar especial e é esse olhar que vai ser dado pela Ronda Escolar”, avisa. A ronda é um novo programa que tem como objetivo monitorar as áreas externas das escolas, já que o Proerd atua internamente, com ações como cursos, palestras e formação de multiplicadores. Uma nova turma de PMs está sendo formada e agora a Cipred terá um efetivo de 160 policiais para os dois programas.

“Hoje, a droga chega dentro das escolas através de alunos e também no entorno. O traficante não é mais aquela pessoa lá fora, ele está do lado da sala de seu filho, ou até dentro. Se investe cada vez mais em filmadoras, professores e supervisores atentos, funcionários dentro dos banheiros. A comunidade escolar tem ficado alerta. Por isso que há mudança constante de local, com os traficantes buscando espaços novos”, descreve.

Margarida explica que o início da adolescência, entre os 13 e 16 anos, é uma faixa de idade crítica para o surgimento do problema. “O primeiro contato acontece com 11, 12 anos e aos 13 muitos já estão envolvidos. Por isso a prevenção começa cada vez mais cedo e já temos trabalhado desde a educação infantil, para educar e orientar”, enfatiza. No sentido contrário, ela lamenta que o estímulo da mídia ao uso de drogas lícitas, como bebidas e cigarro, termina sendo porta de entrada para outros entorpecentes.

“O crack, o álcool e o cigarro são as três mais usadas pelos adolescentes. As meninas têm uma tendência forte por bebidas ‘ice’ e champagne. E o primeiro contato desses jovens é muitas vezes nas escolas e também nas festas dentro da própria família”, relata Margarida Brandão.

Prevenção é o único caminho, segundo coordenador de fórum

Prevenção não é o melhor caminho, prevenção é o único caminho. A opinião é do coordenador do Fórum Estadual Permanente de Políticas Públicas sobre Drogas, João Maria Mendonça, e resume a importância dos esforços em não permitir que crianças e jovens experimentem as drogas. “A droga está disseminada em todos os ambientes sociais e, para você ter uma ideia, 28% dos contatos dos adolescentes foram dentro da própria família e a porta de entrada é o álcool, a que traz mais problemas para a sociedade.”

Um levantamento feito em 2005, com 1.663 alunos de ensino fundamental e médio de Natal, a partir dos 12 anos de idade, constatou que 46% usaram álcool pelo menos uma vez na vida e 16,5% já consumiram algum tipo de droga ilícita. “As políticas de fiscalização e repressão são necessárias, mas não têm surtido tanto efeito. É preciso prevenir, e prevenir é você chegar 50 anos antes, ao invés de cinco minutos depois de o problema instalado.”

João Maria admite que a tendência do consumo é crescente e no ambiente escolar e universitário a situação é ainda mais grave. “Pesquisa da Secretaria Nacional de Política Antidrogas, feita em 100 universidades, com 18 mil alunos, constatou que o consumo de drogas pelos estudantes universitários é maior que na população geral. Para você ter uma ideia, 86% deles já usaram álcool pelo menos uma vez na vida, enquanto a média na sociedade é 74,5%. As drogas ilícitas foram utilizadas por 49%”, cita João Maria Mendonça.

Ele ressalta que o público universitário pertence, geralmente, a uma faixa etária vulnerável, marcado pela conquista da autonomia e a curiosidade natural da adolescência. “E o pior é que um relatório das Nações Unidas apontou uma estabilização do consumo de drogas nos países desenvolvidos, mas um crescimento nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.”

O presidente do fórum destaca que existem muitos projetos, ações e iniciativas no combate e prevenção às drogas, mas o grande gargalo é a inexistência de uma política pública sistemática, envolvendo e integrando todos os setores da sociedade, como governos, família, escola e iniciativa privada. “Precisamos da construção de uma rede social. Sozinho não vamos vencer essa luta”, resume.

Frente

O vereador Hermano Morais coordena a Frente Parlamentar Municipal em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, que reúne 128 instituições, e considera insuficiente a atual estrutura de prevenção e tratamento, diante do aumento do consumo. “Tem ganhado uma dimensão assustadora, principalmente com o surgimento mais recente do crack, que tem provocado uma verdadeira epidemia, constituindo uma ameaça à saúde da população, sobretudo da juventude”.

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