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Conto e romance na literatura potiguar

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Hoje vou comentar dois gêneros diferentes amplamente praticados enter os jovens escritores potiguares: o conto e o romance. O primeiro é este É Preciso Ter Sorte Quando se Está em Guerra (Jovens Escribas, 110 páginas), de Pablo Capistrano. São três contos em que o autor dá uma geral nos medos, desejos e imaginário de sua geração, uma geração que ficou meio perdida entre os filhos da Contracultura e os modernos Yuppies da era dos computadores.

O primeiro conto trata da delicada questão do eu. Aquele momento em que você se olha no espelho e vê um estranho à sua frente. Pablo Capistrano tem formação de filósofo e uma extensa leitura que vai das Histórias em Quadrinhos aos mais sofisticados autores da literatura moderna. Ele pega esse manancial de conhecimento e adiciona cultura pop com todos os seus ingredientes: rock, bebidas, drogas, existencialismo e o escambau. Tudo isso vai para uma coqueteleira intelectual que ele chacoalha e serve sem gelo para o leitor.

O segundo conto lembra certa música da banda Smashing Pumpkins que fala de adolescentes e suas estripulias. Funciona como uma espécie de acerto de contas entre o autor e a geração que viveu os anos 90 do século passado (não faz muito tempo). Para quem viveu o período, o conto funciona como uma espécie de diário de qualquer um. É só ir identificando as pistas e vestindo a carapuça. Tem outra coisa, o estilo de Pablo lembra uma conversa de bar. Ele vai cercando o leitor com aquela conversa, enredando aos poucos, adiando o desfecho até que, sem perceber, você está hipnotizado pela narrativa, encantado com as referências literárias, musicais, enfim, culturais, digamos assim. Se você nunca escutou Pearl Jam, esqueça, não precisa ler este livro.

O terceiro conto segue a mesma linha, com o atrativo adiconal de que se parece bastante com aquelas narrativas dos beatniks, sabe, bebida, vida vagabunda, metafísica, o amargo charme de ser sempre outsider, mas é também uma ficção científica. O incrível dilema de quem prende a glande no zíper da calça durante uma hecatombre cósmica.  Não vou contar o resto para que vocês, queridos leitores e leitoras, não percam o sabor da leitura.

Olha se existe uma coisa difícil de fazer é ler autores que conhecemos muito de perto.  Pablo Capistrano é amigo de meu filho mais velho e de vez em quando aparecia lá em casa para um bom papo. Qualquer leitura que eu faço de seus textos, sempre são acompanhadas por essa sensação de estranhamento. De que eu já sei o que ele vai dizer a seguir.  Mesmo assim, gosto muito de ler o que ele escreve. Muito talentoso e muito lúcido.

Densidade e lembranças

O romance Lítio (Jovens Escribas, 339 páginas), de Patrício Jr., requer fôlego para a leitura. À primeira vista, o catatau assusta, mas se o leitor embarcar nessa conversa de um cara com sua analista, não vai querer sair antes da última página. O livro de Patrício Jr. é denso, repleto de lembranças e com um toque de humor que caracteriza o narrador de ponta a ponta.  O cara anuncia que vai cometer suicídio e a analista quer saber o motivo. A partir daí não posso contar muito para não entregar tudo ao leitor, mas garanto que será uma louca viagem.

Aqui vamos encontrar um escritor que vem da mesma geração do autor comentado acima. A geração que viu o cantor da banda Nirvana, um galego chamado Kurt Coubain, meter uma bala na cabeça quando estava no auge do sucesso. Patrício Jr. conhece bem sua geração e sabe descascar a cebola que todos são camada por camada. Para isso ele lança mão de uma narrativa caudalosa. Sendo da geração que cresceu junto com os computadores, essa geração que gosta de ler textos curtos e de forma rápida, fica difícil entender porque ele escolheu esse tipo de narrativa longa.

No final do livro, olhando a orelha da contracapa, obtenho uma pista. Ele diz que escreve compulsivamente. E escreve mesmo. São mais de 300 páginas de um sujeito pensando sua existência e entregando de mão beijada para o leitor todas as suas inquietações. Mas percebi algo. O narrador analisa tudo do ponto de vista de um sujeito comum, nunca se lançando a profundidades filosóficas. Se isso é um defeito do livro, não saberei dizer aqui. Gostaria que o próprio leitor tirasse suas conclusões.

Na segunda parte do romance surge a mulher, outra personagem que tem um desejo estranho: cometer incesto com o irmão. Aí o leitor que se segure na cadeira, porque o que vem não é muito palatável para quem acha que todo livro é para seu conforto espiritual. Nada recomendável para quem se excita com o pornô soft da moda. O narrador pega pesado nas descrições de sexo, drogas e rock’n roll, bem ao gosto da já citada geração. Esse livro rende um bom filme, pode ter certeza. 

Bem, aqui estão dois bons exemplos do que estão produzindo nossos jovens escritores.  É uma literatura que explode na vista dos críticos brasileiros que continuam adorando suas vacas sagradas. Nada que é produzido fora do eixo Rio-São Paulo-Minas-Rio Grande do Sul tem o menor valor para eles. No entanto, a literatura potiguar segue em frente, ignorando as barreiras do mundo real. Nunca se criou tanto, nunca se escreveu tanto, nunca se lançou tantos livros como agora. Olhe ao redor, leia as notícias nos jornais locais.

Pablo Capistrano e Patrício Jr. são apenas dois exemplos mais visíveis, mas tem muito mais gente produzindo igual a eles. Jovens, criativos, indiferentes à crítica especializada. Os festivais literários que acontecem anualmente em Natal bem que poderiam servir de elo entre a nossa literatura e a literatura que se faz no resto do Brasil.

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