Oswaldo Lamartine de Faria, o sertanejo, o ambientalista, o técnico em agricultura, o professor de Botânica, o etnógrafo da admiração de Gilberto Freyre, Cascudo, José Lins do Rego, Helio Galvão e de Rachel de Queiroz (dos que vou me lembrando agora), o escritor, o poeta, o recitador, o rabiscador de desenhos, ilustrador, o bibliófilo e alfarrabista, garimpador de livros raros que sabia encontrar em sebos e livrarias por onde sempre peregrinou. Trato fidalgo e dono de uma prosa incomparável, o falar sertanejo que encanta. Rachel de Queiroz escreveu assim sobre o amigo:
“Conheci Oswaldo Lamartine quando começava a escrever o “Memorial de Maria Moura”, no início de 1990. E eis que surge aquele anjo magro, só querendo falar das coisas que ambos gostávamos – quer dizer do sertão. Hoje meu amigo, meu irmão, Oswaldo Lamartine. Acho que, no Brasil, ninguém entende mais do sertão e do Nordeste do que Oswaldo. Quanto a mim, senti-me como garimpeiro que descobre uma mina. (…) acho que só de cem em cem anos pode nascer algum brasileiro como Oswaldo. ”
A programação da Academia começa terça-feira, 19, coisa das 17 horas com uma palestra de Vicente Serejo sobre o mote “Oswaldo Lamartine intérprete do sertão”. Segue uma mesa redonda com depoimentos de Manoel Onofre Jr., Tarcísio Gurgel, João Batista Pinheiro Cabral e Abimael Silva. Na boca da noite teremos a abertura da exposição fotográfica “O voo da Acauã”, de Candinha Bezerra, e também de livros e manuscritos de Oswaldo.
No dia 3 de dezembro o palestrante será o padre e acadêmico João Medeiros Filho: “Oswaldo Lamartine – Um homem de fé”, seguida da mesa redonda “Aspectos biográficos de Oswaldo Lamartine” com depoimentos de Geraldo Queiroz, Daladier da Cunha Lima, Edgar Dantas, Marcos Lopes e Gustavo Sobral.
A segunda palestra dessa noite ficará por conta da poeta Marize Castro que falará sobre o tema “Areia sob os pés da alma: uma leitura da vida e da obra de Oswaldo Lamartine de Faria”, título de sua tese de Doutorado em Estudos de Linguagem, UFRN – 2005. Aprovada com louvor. Completam a mesa Cassiano Lamartine, filho de Oswaldo, Dácio Galvão, Clauder Arcanjo e este WM, representando Queimadas de Baixo não muito distante da Fazenda Acauã.
“Rio de Janeiro, 13/agô/1986
Prezado Woden
Estas mal traçadas são para lhe agradecer por ter acudido ao toque do meu búzio, publicando a nota que rabisquei.
Tempos desonerados esses em que a gente tem de viver o tempo todo de cilha arrochada. Quando menos se espera, lá vem um despautério desses e quem pode garantir que no amanhã um “brasilianista” ou mesmo um “jequitiranaboia” daqui, fazedor de teses de mestrado, não arrebanhe tudo o que se escreveu sem depois passar na urupemba?
Daí mandam me dizer de açudes cheios – muita água e pouca vazante; muito pasto e muito rastro; muito bicudo e pouco algodão… Que os bichos dos seus chãos estejam gordos de cabelo fino e tudo e todos com fartura de um tudo. E sob as suas telhas apojadas em sossego.
Do velho amigo-velho
Oswaldo Lamartine
E agora, sem Cascudo, a quem a gente vai perguntar as coisas?
Oswaldo”
“Agora sim – sei que inteirei três imerecidas medalhas nesse meu espichado viver.
A da Primeira Comunhão que traí e perdi pela fraqueza de não resistir aos pecados da vida.
Depois a do Atlântico, conferida ao pracinha 1918 da III Companhia de Metralhadoras do 16º RI, pelo adjutório em – do cocuruto das dunas de Ponta Negra – debicar do Africa Korps do generalíssimo Erwin Von Rommel. E se ele não quis brigar e retirou suas tropas, eu, que não sou de briga, não quis requerer a medalha.
Agora esta, que é mais uma persiga de amigos em emboscada de amizade que me fazem e eu recebo sem merecimento nem soberba, de vez que nela está a face dele. Ele que me “infuluiu” de botar no papel as coisas do meu mundo que espiava, pisava e não via…
Daí – p’ra que negar – estou de cabeça aos pés banhado de um sadio e merecido orgulho. Mesmo porque entendo que a recebo também em nome de todos os que me desasnaram de cada coisa: Mestre Pedro Ourives – o seleiro. Mestre Zé Lourenço – o fazedor de barragens. Chico Julião – o caçador de abelhas. Bonato Liberato Dantas – o pescador de açudes. E o rastejador e vaqueiro maior das ribeiras do Camaragibe – Olinto Ignacio. Nomes nunca escutados nesta Casa. Todos finados. E que Deus o tenha.
Agradecido por mim e por eles a vosmincês…”
Nota de WM: a pessoa que “infuluiu” Oswaldo e cuja face está na medalha é Câmara Cascudo.