sábado, 20 de abril, 2024
24.1 C
Natal
sábado, 20 de abril, 2024

Crianças aguardam por adoção em Casas de Passagens

- Publicidade -

ADOÇÃO - Crianças alimentam sonho de vida feliz em casas de passagem

“Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família…”. Álvaro (nome fictício) é um garoto de 14 anos que pensa exatamente igual ao que preconiza o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ele sonha em ter uma casa que possa ser chamada verdadeiramente de lar, mesmo que não ofereça nenhum conforto além do carinho de familiares.

“Eu gostaria de estar em casa”, disse o menino à repórter que o enchia de perguntas difíceis de responder. “Você não gosta daqui, dessa casa tão grande e confortável?”.  Ele responde apenas que estar naquela casa ampla, sob os cuidados de educadores, porém, sem a família, “é ruim, porque bom não é”, resume. Álvaro mora na Casa de Passagem 3, abrigo mantido pela Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social que atende adolescentes que sofrem maus tratos, abandono, abuso, exploração sexual ou são usuários de drogas e estão em situação de risco.     

O garoto é rápido ante à clássica pergunta sobre qual carreira deseja seguir. “Artista plástico”. Ao desejar abraçar uma profissão de tão difícil reconhecimento no Brasil, tem-se a impressão de que o menino ainda vai se desdobrar bastante antes de conseguir caminhar com suas próprias pernas, o que será imprescindível ao completar 18 anos. Como diz a letra da música “Comida”, do grupo Titãs, Álvaro não quer só comida. Ele tem fome  de um lar. Ele tem sede de vida normal.

Segundo o ECA, que este ano completou 18 anos desde que foi sancionado, as crianças e adolescentes que se encontrarem em condições de risco e não puderem continuar no seio familiar devem receber a proteção do município. A legislação prevê que a o abrigo tem caráter transitório e deve ser utilizado apenas nas situações em que os pais não podem cumprir com o que está previsto no estatuto.

Quando o retorno à família não é possível a pessoa abrigada continua nas Casas de Passagens até ser adotada por uma família substituta (quando os pais perdem a guarda) ou atingir a maioridade. No caso do adolescente Álvaro, ele é órfão de mãe e o pai vivia nas ruas. A Semtas o incluiu em um programa de habitação popular, mas o garoto não deseja voltar para casa enquanto os dois irmãos usuários de drogas estiverem em casa. Ele nunca se envolveu com ilicitudes.

O assistente social Gilson Medeiros Costa, que cumpriu expediente como coordenador do abrigo até a semana passada, elogiou bastante o menino quando a equipe de reportagem da TN visitou a casa. “Esse rapaz é realmente um artista”, declarou. Para melhorar o ambiente da casa, os garotos que têm talento para pintura foram convidados a grafitar as paredes de seus quartos e de áreas comuns, Álvaro está no meio deles. “Nós percebíamos que os meninos pichavam as paredes e os convidamos a  expressar o que sentem através das grafitagens”.  A equipe de profissionais que trabalha na casa é composta por pedagogos, assistentes sociais, cozinheiras e educadores, que realizam um trabalho de complemento à educação que as crianças recebem na casa e promovem atividades lúdicas, educativas e de lazer, como a prática de esportes, reforço escolar e brincadeiras. O objetivo é mantê-los unidos dentro de um propósito, fazer com eles se sintam irmãos, como uma família.

Família é a principal aliada no combate à exploração sexual

“A mãe da pequena mestra não tardou a descobrir a origem daqueles presentes. Arrancou a confissão da filha mas se tornou convivente com ela”. O texto foi extraído do romance “O Dia das Moscas”, de Nei Leandro de Castro, e retrata a situação em que uma adolescente é explorada sexualmente. Abuso e exploração sexual são crimes previstos no código penal, porém, muito difíceis de combater porque parte dos casos conta com a conivência familiar.

No caso de prostituição, as meninas ajudam no sustento de casa e, quando se trata de violência sexual, as mulheres preferem esconder que suas filhas  estão sendo vítimas dentro de casa, com medo de sofrer represálias do agressor.  Para combater todo tipo de violência doméstica e exploração sexual, a Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social desenvolve vários projetos, entre eles, o Centro de Atendimento Clara Camarão (que funciona no próprio órgão), o Centro de Referência de Assistência Social, que trabalha na perspectiva de prevenção, e o Programa de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

No ano passado, o programa atendeu 126 vítimas de abuso ou exploração sexual. A secretária-adjunta Ilzamar Silva Pereira esclarece que o número de casos não reflete a realidade. “Estamos  conseguindo reverter a situação da convivência através das palestras, porque se uma adolescente passa por situação de abuso, denuncia o agressor para evitar que sua irmãzinha passe pela mesma situação”, diz.

Ela faz uma solicitação de apoio à sociedade, que muitas vezes não é sensível à causa das crianças que sofrem agressões. “As casas de passagens são criticadas porque o preconceito é muito grande. Fazem abaixo-assinado pedindo a remoção dos abrigos. Precisamos romper essas barreiras para que os programas tenham êxito em sua plenitude”.  Todas as pessoas podem contribuir no enfrentamento à violência. Através do disque-denúncia 0800-281-2600 ou se dirigindo ao conselho tutelar mais próximo de casa.  

Crianças atendidas têm histórias de vida tristes

Gilson Medeiros Costa trabalha há 14 anos com adolescentes e o fato de sair da Casa de Passagem 3 não significa que deixará de atuar na área. A convite de uma empresa, começará a fazer trabalhos preventivos com crianças e adolescentes. As dificuldades elencadas quanto ao trabalho realizado no abrigo dizem respeito ao usuários de entorpecentes, que não conseguem permanecer no abrigo porque saem em busca de drogas.

“Esse grupo é bem menor, é o pessoal que o programa Canteiros, da Semtas, geralmente recolhe nos semáforos. Não existe tratamento por intermédio de internação e essas crianças não conseguem se livrar do vício”. A Casa 3 tem capacidade de abrigar 20 pessoas, com alojamentos divididos por sexo. Algumas vezes a capacidade extrapola, principalmente porque o caráter de abrigo é transitório. No dia em que a reportagem visitou o local, 15 garotos e 10 garotas estavam abrigadas. 

Outra dificuldade apontada é com relação ao rendimento escolar, porque a maioria não consegue acompanhar o ensino. “A escola faz uma parceria com a gente, entende a situação das crianças e intensifica a questão do reforço escolar. Mas nem sempre foi assim e já houve casos de as escolas rejeitarem os meninos da casa”, declarou Gilson. Ele explicou que os casos que chegam  à Casa 3 (que atende a faixa etária  dos 12 aos 18 incompletos) são geralmente por maus tratos, negligência, drogadição, além de pessoas que sofrem abuso  ou são exploradas sexualmente.

Na Casa de Passagem 1 (0 a 6 anos), as dificuldades maiores também são relativas ao uso de drogas. A maioria dos encaminhamentos  ocorre devido a maus tratos e negligência, sendo que a origem do problema se dá porque os pais são usuários de  drogas. Devido à reincidência típica dos dependentes químicos, muitas vezes não se consegue fazer com que os abrigados voltem ao convívio familiar e a guarda é destituída. As crianças vão para adoção ou permanecem nos abrigos, transferindo-se de casa quando mudam a faixa etária. A coordenadora da Casa 1 é a assistente social Suzanny Bezerra  Cavalcante, que se sente muito gratificada por realizar esse trabalho. “É difícil porque a gente lida com com todo tipo de situação. No abrigo, tudo é mais, ou elas se expressam com mais carência ou se retraem mais”.

Quando as crianças chegam às casas, geralmente precisam de cuidados intensivos. Muitas vezes estão sem tomar banho por vários dias, têm problemas de saúde gerados pela falta de higiene e alguns casos requerem tratamentos demorados e dispendiosos. “Não temos problema com recursos humanos nem materiais, tudo o que é necessário para o bom atendimento às crianças é conseguido através da secretaria”. Casa casa de passagem representa despesa na ordem de R$ 60 mil por mês. Os abrigados recebem material escolar, roupas, medicamento, fraldas descartáveis e alimentos. Todas são bem localizadas, amplas e oferecem conforto às crianças. A secretaria disponibiliza carros.

Realidade da adoção no país ainda é delicada

A adolescente Juno engravida aos 16 anos e decide entregar seu filho para adoção. Encontra um casal disposto a ter um filho de qualquer maneira e faz a proposta irrecusável. Ao final dos nove meses, a menina entrega o bebê e cumpre o que considera um ato altruísta. A história narrada é semelhante a muitos casos que chegam à 1º Vara da Infância e Juventude, no fórum de Natal, mas se trata de um filme norte-americano que fez muito sucesso este ano nas salas de cinema.

A personagem-título não se vê na situação de mãe e resolve dar a criança. Os pais acham a idéia muito estranha mas apóiam sua atitude. A plasticidade do filme minimiza o impacto que a vida real tem, no entanto, mostra o outro lado da adoção, a felicidade que é para algumas famílias pegarem para si as crianças que não puderam ter por condições normais.

O juiz José Dantas explicou que após esgotadas  todas as formas de conciliação entre a criança abrigada e a família (que não precisa ser necessariamente os pais, outros parentes podem entrar no contexto), o juizado entra com processo de destituição do pátrio poder e disponibiliza a criança para adoção. “O primeiro passo é restabelecer o vínculo com a família biológica, na impossibilidade, nós procuramos uma guarda tutelar ou adoção”, declarou.

Como a destituição da guarda é um processo litigioso, demora-se às vezes mais de um ano para a situação ser resolvida. Enquanto isso, os abrigos que deveriam ter caráter provisório se transformam na casa dos abrigados. “Alguns estudos revelam que quanto mais tempo as crianças ficam nos  abrigos, mais danos terão sobre seu comportamento biopsicossocial”, esclarece.

Todos os casos que chegam à vara de infância são analisados por vários aspectos. Recentemente, uma adolescente abrigada teve comportamento semelhante à personagem Juno, pois estava grávida e decidiu dar a criança. O juiz a ouviu e acatou sua decisão. No momento seguinte, ela mudou de opinião porque reabilitou o contato familiar. Para deixar tudo muito bem esclarecido, o juiz marcou outra audiência.

De posse do cadastro das crianças habilitadas para doação, o juizado procura inicialmente uma família nacional. Na impossibilidade, parte-se para uma família internacional. Antes do processo ser homologado, muitos critérios são analisados para evitar que as crianças caiam nas mãos de traficantes de seres humanos ou outro tipo de criminosos.

O juiz José Dantas acrescentou que a vara de infância está desenvolvendo um projeto para promover o acompanhamento às crianças e adolescentes abrigados. “Vamos fazer com que as crianças sejam vistas a cada 15 dias. O objetivo é abrir o processo para ouvir a criança, a fim de restabelecer o direito de convivência com o pais de maneira mais rápida possível”.

Ele explicou que uma das funções da Semtas é incluir as crianças e os pais em programas sociais públicos, como forma de reverter os motivos pelos quais eles são levados para os abrigos, já que a maioria dos encaminhamentos ocorre por abandono material. “Peti, bolsa-família, programas de habitação, escolas, creches. A equipe técnica tenta todas as formas fazer a reinserção da criança com a família”.  

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas