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“Criatividade é a base de tudo”

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Renata Moura – Repórter de economia

Uma mistura de música, dança, teatro e arte, movida por aproximadamente 5 mil funcionários – entre eles cerca de 1.200 artistas – de 50 diferentes nacionalidades. No meio dessa trupe, uma canadense do alto de seus 50 e poucos anos, apaixonada por dois elementos que considera básicos no mundo corporativo: criatividade e inovação. Numa definição simplista, é assim que poderiam ser “traduzidos” o Cirque du Soleil, uma das mais rentáveis empresas de entretenimento do mundo, e a diretora de Criação da companhia, Lyn Heward que, esta semana, dedicou 40 minutos de sua agenda para bater um papo, por telefone, com a TRIBUNA DO NORTE. Na entrevista, ela falou sobre tomada de riscos, sobre a importância da criatividade e dos processos de recrutamento e de treinamento de talentos. Também deu um recado a Natal: Os líderes da cidade vão ter de inspirar o povo para se certificar de que vão apoiar a Copa de 2014. No Cirque du Soleil, Lyn é produtora executiva de projetos especiais e membro da equipe criativa do Vancouver 2010 “Organização de Comitê Olímpico”. Ela é autora do livro “The Spark”, a  reinvenção do espetáculo, em que partilha suas experiências no Cirque.  Experiências que também deverá compartilhar em Natal no dia 21, no Fórum Internacional de Gestão, Estratégia e Inovação, que será realizado no Centro de Convenções  (http://www.foruminternacionaldenatal.com.br).

Confira:

Os circos ficaram famosos oferecendo ao público shows mais simples, incluindo elementos como mágicos, palhaços e animais selvagens. Eram como um produto tradicional e bem sucedido que já havia encantado os consumidores. Até que surgiu o Cirque du Soleil. Por que a companhia decidiu mudar a famosa fórmula do circo?

Primeiro de tudo é preciso entender as origens do Cirque du Soleil. As origens do Cirque não estão no circo. Estão em apresentações de rua. A origem está no lugar de onde as pessoas vieram. O Cirque du Soleil começou com artistas de rua e não com artistas de circo. O nome do circo foi criado nessa época, mas desde o início da empresa a questão não era tanto mudar o circo. Mas construir um híbrido na área de entretenimento, que reunisse pessoas provenientes de shows de rua, de trupes acrobáticas, como há na China e na Rússia, por exemplo, de esportes, do teatro, da música, da dança. O Cirque du Soleil não teve a intenção de ser um circo tradicional. Eu acho que o nome da companhia confunde as pessoas, mas enfim, desde sua origem o Cirque tem sido multidisciplinar.

De qualquer forma, é possível dizer que o Cirque reinventou um negócio ou não?

Sim. Você pode dizer que o Cirque não apenas reinventou um negócio, mas que está continuamente reinventando este tipo de negócio de entretenimento. Isso tem acontecido ao longo dos 26 anos de história da companhia, em que estamos continuamente tentando reinventar o negócio de entretenimento ao vivo. Mas isso não foi algo que aconteceu imediatamente. É algo que vem evoluindo gradualmente ao  longo dos anos.

Quais são as maiores dificuldades nesse processo de reinvenção?

Puxa vida.. antes de tudo, esta é a minha reflexão pessoal sobre isso, e eu estive pensando sobre isso por muito tempo. Existem duas coisas que Cirque reinventou: uma é como se abordar o conteúdo do espetáculo em si. Por exemplo, tomar uma decisão concreta de ter sempre música ao vivo nos shows. O circo tradicional pode, nos velhos tempos, ter tido pequenas bandas tocando, mas nos anos 70 e 80, músicas gravadas passaram a ser cada vez mais usadas nos espetáculos. Cirque tomou uma posição em que disse que não iria incluir apenas os dançarinos, e os palhaços, e os personagens, e os atos diferentes, e os acrobatas no espetáculo, mas também outros elementos das artes dentro do circo. Um deles, foi a execução ao vivo da música e a criação da sua própria música, de música original. E não usar a música que já existia em outro lugar. Essa é uma área em que eu acho que o Cirque tem sido muito, muito consistente e progressivo. É em como aborda a relevância da música ao vivo no show, e o fato de que, claro, com exceção do show dos Beatles, do Elvis, a música sempre ter sido criada especificamente para os shows do Cirque du Soleil. Esse é um exemplo de como nós mudamos a maneira de abordar o real conteúdo do show. E você pode olhá-lo de outros pontos de vista, fazendo um show que está na água. Como o show, provavelmente o nosso mais famoso show, que é chamado “Amor em Las Vegas”. Tradicionalmente, no circo do mundo não há água, não há piscina. Fomos capazes de ter elementos de mergulho, de nado sincronizado, uma variedade de outras áreas que normalmente não se vê explorada no âmbito do circo puro. Cada um dos shows que nós fizemos nos últimos 26 anos deu um grande passo à frente em termos de conteúdo. Outra coisa que posso destacar é que, quando começamos, começamos debaixo de uma grande tenda. Mas chegamos a um ponto no início de 1990 em que percebemos que há pelo menos dois tipos diferentes de mercado para os nossos shows. Um tipo de mercado é como o que fazemos no Brasil, no Canadá, nos EUA ou na Europa, onde levamos a nossa tenda, que é como uma casca de tartaruga, e nos movemos de uma cidade para outra a fim de mostrar a nossa performance ao povo daquela cidade. Em outras palavras, às famílias que estão morando na cidade. E então, em 1990, percebemos que existe um outro tipo de mercado, o que chamamos hoje de “mercado de destino”, como Las Vegas, como Orlando, como Macau (Na China), como Tóquio, onde as pessoas virão de todo o mundo para tirar férias. Então nós dissemos, nós podemos levar nossa tenda, nós podemos levar nosso show para cidades em todo o mundo, e as pessoas das cidades virão ver nossos shows sob a tenda. Quando vamos para Las Vegas, Orlando, sabemos que são destinos turísticos, para onde as famílias viajam e querem se divertir por 2, 3 ou mais dias. Então, essa mudança no que chamamos o recipiente também é importante. Ainda temos as grandes tendas. Agora, a fim de atingir os mercados as vezes com populações menores, estamos apresentando nosso show em arenas esportivas. Construções já existentes, que usamos por 2,3,4 ou 5 dias. Nos apresentamos para muita gente, talvez 5 mil ou 10 mil pessoas, em um mercado menor e isso é que é menos oneroso para nós, sair em turnê dessa maneira, do que trazer a nossa tenda, e percorrer o continente, montá-la com 40 vans que se deslocam. Nós, do Cirque du Soleil, estamos constantemente nos concentrando em como diversificar o conteúdo do recipiente.

Ainda falando sobre reinvenção, sobre inovação, em português há uma expressão que, traduzida livremente, quer dizer que não se mexe em time que está ganhando. Esse é o pensamento de muitas companhias. Por que há esse medo, se é que há medo, de mudança? Por que as empresas estão com medo de inovar?

Bem, eu realmente me refiro a isto quando eu falo. É um risco. É um risco de negócio. Mas, mais uma vez, o Cirque fez uma escolha cuidadosa, quando a empresa foi iniciada. No final dos anos 1990, estávamos em uma situação em que nós tivemos a oportunidade de produzir muitos shows – muito rapidamente. E assim dissemos: “agora vamos correr alguns riscos. Vamos sair e encontrar pessoas com as quais gostaríamos de trabalhar, mas com quem nunca trabalhamos antes”.  Tomando os riscos de trazer, por exemplo, as pessoas novas para a empresa para trabalhar conosco, estamos correndo um risco, mas é um risco que é apoiado por uma estrutura sólida dentro da organização. Nós estamos aprendendo com eles e eles estão aprendendo conosco. Então há uma troca acontecendo. Essa é a cultura criativa da organização. É um risco. Mas você deve aprender a suportar o risco, e como suportar a tomada de riscos.

Há um fórmula para inovar?

 No circo, eu diria que nós temos um processo básico de criação. Nós temos um processo concreto. Criamos coisas novas. E esse processo tem evoluído ao longo da história da empresa. Isso é normal. E foi muito simples no começo, quando havia talvez 70 pessoas na empresa. Mas existem agora mais de 5000 pessoas na empresa. Então, nós temos um processo criativo, que é sólido, mas que deve ser maleável com as pessoas que trazemos para criar nossos novos shows. Temos um processo que apoia criatividade e inovação na empresa. Isso é o que eu falo na minha apresentação. O que é esse processo.

Ser uma empresa criativa é essencial em qualquer ramo de negócio?

Sim. No livro (The Spark) eu falo sobre as sete portas para a criatividade. Então eu começo, literalmente, a partir do indivíduo, depois através da equipe, através de desafios externos, que são opostos, porque a criatividade também não ocorre apenas internamente. A  criatividade vem do mundo que nos rodeia a não apenas de dentro da organização.  Nós não criamos – é uma expressão em Inglês que vai fazer você rir – não criamos, olhando para nosso umbigo. Criamos, absorvendo tudo o que está acontecendo no mundo ao nosso redor. Isso inclui as diferenças culturais, as expectativas dos consumidores, os desafios mundiais, como o 11 de setembro, como o tsunami, em 2004. Todos esses eventos e todas as coisas que estão acontecendo fora da organização, assim como as que estão acontecendo dentro da organização se tornam uma força motriz. Restrições, como os orçamentos e prazos também são catalisadores criativos. As pessoas podem dizer, “oh, não, não pode haver dinheiro suficiente”. Mas algumas restrições, como ter um orçamento, torna-se um catalisador criativo. Isso nos leva a ser mais produtivos. Eu também falo sobre arriscar, tanto no âmbito individual quanto no empresarial, pois no Cirque fazemos as duas coisas. Pedimos as pessoas que assumam riscos. Mas também estamos a correr riscos como uma empresa, cada vez que abrimos um novo show. Com certeza uma das coisas mais importantes para mim é como você garantir que todos dentro de sua organização sintam a sua própria criatividade, sintam que podem compartilhar suas idéias dentro da organização. Isso começa com um presidente, um diretor, um chefe que tem a mente aberta. O Cirque está constantemente ouvindo as pessoas que estão trabalhando em torno dele e certificando-se de que se boas ideias surgem, essas boas ideias entrarão no processo.

Que resultados uma empresa com a mente aberta, uma companhia com a mente aberta, podem esperar? Que resultados é possível alcançar, por exemplo, ouvindo o que os funcionários têm a dizer?

Não se trata apenas de ouvir o que eles têm a dizer. Mas de por em prática boas ideias. Você tem que lembrar que uma boa ideia pode surgir de qualquer lugar dentro da companhia. Você tem que ter os sensores ligados na empresa, para poder ver estas coisas, descobrir o que são boas ideias e o quanto a companhia quer apoiar a evolução dessas ideias.

Uma coisa que impressiona no Cirque du Soleil é o número de artistas e o fato de muitos deles serem de nacionalidades diferentes. São pessoas diferentes que caminham, no entanto m, na mesma direção para que a companhia atinja boas performances. Um dos maiores desafios existentes no mercado, e no Nordeste do Brasil não é diferente, é desenvolver e recrutar talentos de maneira que atinjam boas performances. Sem isso, as empresas enfrentam dificuldades para crescer com mais rapidez. O que poderíamos dizer a essas companhias? Como elas podem recrutar e desenvolver essas pessoas para que se tornem melhores dia após dia?

Há dois processos distintos nesse ponto. Um é o processo de “casting”, ou o que nós chamamos de processo de recrutamento. O outro é o processo de treinamento, ou o que chamamos de transformação criativa no Cirque. A primeira coisa que elas (as companhias) têm que fazer é avaliar a eficiência de seu processo de recrutamento. O Cirque du Soleil recruta seus artistas no mundo todo. Isso tem sido extremamente caro, porque significa fazer muitas viagens, a Nova Zelândia, a Austrália, a América do Sul, a Rússia, etc. Temos usado também, recursos como vídeos, através do uso de um sistema informatizado de recrutamento estratégico. Então, você tem que ter um processo de recrutamento contínuo e a empresa tem de dedicar – Eu odeio dizer isso – algum dinheiro para esse processo. O recrutamento também tem de ser interno, o que significa estar constantemente avaliando e conhecendo os funcionários, que você já tem, melhor. Para descobrir quais são os seus talentos. Às vezes, nós contratamos uma pessoa por uma razão, mas ela acaba por ser boa, talvez, em outra coisa.  É preciso fazer crescer o talento dentro da empresa, o que significa conhecer os seus funcionários muito melhor do que você provavelmente fez quando os contratou. Não são todas as empresas que querem investir dessa maneira, mas nós investimos muito em treinamento. Antes de um artista ser colocado em um show, ele vai ficar ao redor de seis meses a um ano e meio em treinamento em nosso estúdio em Montreal. Então, nós identificamos o talento de antemão. E há um investimento significativo na formação ou transformação.

Natal será umas das sedes na Copa do Mundo de futebol em 2014, no Brasil. Considerando sua experiência na organização de jogos olímpicos, que tipos de desafios poderíamos dizer que a cidade tem pela frente?

A única coisa que posso dizer a partir de minhas experiências passadas é que, em qualquer cidade ou área em que uma Olimpíada, por exemplo, está sendo realizada, é preciso certificar-se de que você tem o apoio da população local para a organização, porque você não pode fazer o evento sem essas pessoas. O bem mais importante que você tem, é assegurar que você consiga o apoio da comunidade local. E que eles compreendam as obrigações de ser um anfitrião para o mundo, a partir de diferentes perspectivas. Perspectiva cultural, do ponto de vista organizacional, a partir de quanto vai custar a construção de novas instalações. A população local tem que apoiar o que você está fazendo. Essa é a minha maior mensagem. E eu sempre serei a favor de que é de grande importância, sejam os Jogos Olímpicos, ou qualquer outra coisa, ter certeza de que você tem o apoio do povo, que vai ter que ajudá-lo a executar esses jogos. O apoio e a criatividade humana são a base de tudo o que fazemos. Assim, os líderes da cidade vão ter de inspirar o povo de Natal para se certificar de que eles vão apoiar a circulação de tantos jogadores de futebol, e tantas pessoas vindas de todo o mundo. E isso significa no negócio hoteleiro, no setor de alimentação, significa que… Quando você organiza um evento como esse, você deve sempre começar com o pé direito. E começar com o pé direito é ter essas pessoas ao seu lado.

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