quinta-feira, 18 de abril, 2024
28.1 C
Natal
quinta-feira, 18 de abril, 2024

Cristovam Buarque: “É na escola que começa a desigualdade”

- Publicidade -

A educação do Brasil está em crise. Quem aponta esse quadro de alerta é o senador e professor Cristovam Buarque. Pré candidato a presidente da República pelo PDT, o político que já ocupou o Ministério da Educação fala com propriedade do problema da educação. Para Cristovam Buarque o país apresenta um cenário contraditório na educação: na rede pública o cenário é de péssima qualidade e na rede privada o Brasil tem algumas escolas de destaque no mundo. “O berço da desigualdade está na escola”, analisa o senador. Ele defende que a responsabilidade pela educação básica passe dos municípios para o Governo Federal. Semelhante ao que ocorre na universidade pública, Cristovam Buarque acredita que a escola pública deve ser gerenciada pelas Prefeituras e financiada pelo Governo Federal.

A seguir o 3 por 4 com Cristovam Buarque.

• O Brasil vive uma crise na educação?
O Brasil hoje é um dos países mais atrasados na educação das crianças. Certamente o mais atrasado quando a gente compara com os países com a renda per capita que o país tem, o potencial que tem. É mais atrasado porque tem 1,5 milhão de crianças fora da escola. Atrasado porque apenas um terço das crianças terminam a escola. Atrasado porque tem um índice de repetência pior do que o Haiti. É atrasado porque a Unesco apontou em uma análise que o país tem o pior desempenho das habilidades tanto de Matemática como de Português. É um dos piores pelo salário dos professores, formação e qualidade dos prédios escolares. Agora o que é igualmente grave é que tudo isso é de escolas públicas. Algumas das escolas privadas, da elite rica brasileira, nós somos um dos melhores do mundo. Por um lado isso é bom, por outro mostra a desigualdade que o Brasil tem e essa desigualdade continua por toda a vida. O berço da desigualdade está na escola. É na escola que começa a desigualdade social.

• Que educação é essa que o jovem chega no ensino médio cometendo erros grosseiros de Português?
54% das crianças que estão na quarta série não sabem ler. Isso é uma média no Brasil. Mas se você pegar da Bahia para cima chega a 70%. O problema está na criança que não foi bem atendida no início, não comeu direito, não brincou com brinquedos pedagógicos, entrou tardiamente na escola (com 7 anos). Ela não vai aprender a ler antes dos 10 anos. O problema está no baixo nível de formação dos professores, na baixa dedicação dos professores, o que decorre do baixo salário, da baixa formação, está nas condições. Tem 22 mil escolas no Brasil sem banheiro. Tem escolas no Brasil com mais alunos do que cabe uma classe. Uma classe com muitos alunos não ensina bem. Muitas escolas brasileiras se transformaram em restaurantes mirins. Os alunos vão lá para receber a merenda. O professor é a chave de tudo, o professor bem remunerado, dedicado e de qualidade. Não adianta também pagar bem se ele não é formado, não tem formação boa. Essas coisas se somam: prédio é ruim, o menino não vai, o professor ganha mal, não estuda, não estuda não dá aula. É uma grande bomba e estamos cada dia mais atrás. Mesmo o pouquinho que a gente melhora, melhora tão devagar que os outros ficam distantes.

• O senhor está traçando uma realidade muito dramática. Ainda há solução?
Claro. A alternativa é descobrir que o problema existe e é nacional. O presidente da República acha que é uma questão dos prefeitos. Pela Constituição e pela Lei das Diretrizes e Bases, legalmente, educação brasileira é problema do Governo Federal. Os prefeitos são pobres e desiguais, tem prefeituras ricas e pobres. Educação é uma questão nacional. É uma preocupação federal. Por que ter auto-suficiência em petróleo é federal? Por que o banco do Brasil é federal? Educação é questão federal.

• Não seria complicado passar mais essa atribuição para o governo federal? Que papel caberia então aos prefeitos?
A responsabilidade sim, a gerência não. A universidade é federal, mas quem gerencia é o reitor. Então você diz que é nacional a responsabilidade da educação, mas a gerência é dos prefeitos. Primeiro é preciso definir metas nacionais. Por exemplo: em dez anos teremos todas as escolas em horário integral. Metas que digam toda criança tem que aprender a ler antes dos 7 anos. Metas nacionais para todo prefeito cumprir. Do jeito que existe uma Lei de Responsabilidade Fiscal, deve existir uma lei de responsabilidade educacional. Definidas essas metas para as 160 mil escolas, precisamos seguir padrões mínimos. Primeiro é pagar salários e qualificar os professores. Eles (os professores) devem ganhar o mesmo salário em qualquer lugar que for e ser escolhido por um concurso federal. Tem que ter salário federal, regras federais.  A população tem que estudar em um prédio decente, que tenha um Habite-se federal. Você não pode imaginar uma escola sem quadro negro e hoje não pode imaginar uma escola sem computador, sem televisão. E ainda precisa um padrão mínimo de conteúdo.   Ao lado de tudo isso viriam recursos federais e deixaria nas costas do prefeito o gerenciamento.

• O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aponta o Fundeb como a grande revolução da educação. O senhor acredita nisso?
Para responder basta lembra que Fernando Henrique disse o mesmo há dez anos. Ele criou o Fundef, piorou? Não. O Fundeb vai piorar? Não. Mas não vai dar salto. Não é dinheiro que falta, se chover dinheiro nos quintais das escolas vira lama. É preciso fazer com que esse dinheiro penetre. O Fundeb não trará grandes coisas, mas não vai piorar.

• E o aumento de 8 anos para 9 anos de ensino, é suficiente?
Claro. Mas não adianta nada se a escola for ruim, se o tempo não for integral. Mais uma vez é positivo, mas não vai resolver. Tem que nacionalizar. Vou propor (caso eleito presidente) para os prefeitos um pacto da união com as prefeituras e o Governo Federal dá mais verbas, mas eles assumiriam as metas. Vou propor que as prefeituras não paguem a dívida com o Governo Federal e pague a dívida com as crianças.

• Qual o efeito que o senhor vê dos programas sociais do governo federal? O objetivo deles se encerra no assistencialismo?
Quando a Bolsa Escola foi criada não era assistencialista, era um instrumento para escola. Do mesmo jeito que um professor ganha dinheiro para fazer doutorado. A mesma coisa é manter uma criança que estava trabalhando, estudando, é um investimento educacional. Mas o presidente Lula cometeu algo muito grave, foi a mudança de Bolsa Escola em Bolsa Família.

• O senhor se apresenta como pré-candidato a presidente da República em um cenário polarizado de Lula e Geraldo Alckmin. O senhor vê espaço para sua candidatura nesse cenário?
Eu vejo isso não visível, não manifestado. Há um sentimento (do povo) não manifestado que deseja sair de Lula, mas não regressar ao pré Lula. Mas esse sentimento não se manifesta porque as pessoas não estão vendo alternativa. Só estão vendo Lula e pré Lula. O hoje não tem alternativa. Quando começar o horário eleitoral, quando eu começar, Heloísa Helena, vamos começar a ter espaço.  Eu trago uma proposta diferente, uma alternativa nova. Não vai voltar ao que o PSDB fez e nem vai chegar ao que Lula está fazendo, piorada em algumas coisas e melhorada em outras.

• Como o senhor pretende fazer para mostrar que é diferente. O povo não está desiludido dessas promessas?
Primeiro mostrando minha história. Fui reitor, governador, ministro e não mudei nenhuma linha, nenhuma palavra, durante esse tempo. Eu cumpri o que prometi. Tudo que vou propor na campanha eu já executei. A diferença é que para concluir você leva muitos anos, só me deram 12 meses (tempo em que ele permaneceu no Ministério da Educação). Comecei o horário integral em 29 escolas no Brasil. Comecei a erradicação do analfabetismo. Como governador mostrei como podemos trabalhar para erradicar o trabalho infantil. É possível tirar o menino da rua. Tenho um passado de quem já ocupou cargos e não traiu nada. E outro é que o povo não pode deixar de perder a esperança. Povo sem esperança vai buscar a ditadura. Enquanto o povo votar vai ter esperança.

• Mesmo com a crise do governo, cercado de denúncias, que já duram um ano, os índices são favoráveis ao presidente Lula com bons resultados. O povo não está entendendo as denúncias ou está inocentando Lula?
O povo está achando que todos são iguais. E aí eles pensam “se todos são iguais vamos deixar o que a gente já conhece e tem cara de povo”.  O programa assistencial atende uma grande parcela do eleitorado. O rigor na economia atende o empresariado. Lula tem pacto entre a alta aristocracia econômica e a baixa plebe.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas