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Cuba

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Dácio Galvão
[Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e secretário de Cultura de Natal ]
Visitamos um catador de lixo a beira de completar 80 anos, cego sem aposentadoria dormindo em lugar insalubre e… sendo parceiro de jornadas pontuais nosso espanto foi de lamento e tristeza. A recepção de comoção e de alegria. Pantico é guardião de saberes. Mestre em feitiçaria. Catimbozeiro por opção na acepção antropológica proposta por Câmara Cascudo no ensaio Meleagro.
A partir de suas informações que registramos células rítmicas euro-afro-indígenas. Impregnadas nas linhas da Jurema Sagrada.
 Cânticos sobrecarregados de oralidades. De poéticas interlocutoras do mundo de espíritos encantados. No Brasil, predomina no Sudeste a influência africana. No Nordeste, na Bahia e Maranhão idem. Na região Norte, matrizes indígenas consolidam a pajelança.
 Estudiosos apontam que no RN o poder de orixás e de santos católicos são reconhecidos cedendo na catimbozice para referências comuns de “mestres desmaterializados”: Mestre Pai Joaquim, Mestra Benedita… Nos apropriamos de duas linhas juremeiras colhidas de Pantico, interpretadas na voz consagradíssima da cantora Mônica Salmaso. Encetamos arranjos afros percussivos advindas da genialidade criativa do saudoso parceiro Naná Vasconcelos. Juntos fizemos a poemúsica “Tamatião” pássaro-símbolo dos manguezais.
Uma das Linhas de Catimbó disponíveis nas plataformas digitais: “Eu te abalo o galho da Jurema / Eu te abalo galho por galho / Tenha cuidado na semente da Jurema / Ai meu mestre / que ela é verde / Se balança mais não cai.” 
Há tempos nos conhecemos. No Terreiro, no Munim, incorporava espíritos, rodopiava sobre o próprio corpo, soltava pólvora pela boca incendiando-a com a chama do candeeiro, riscava no chão a estrela de Salomão, falava coisas e…
Há quem identifique certo charlatanismo em mestres catimbozeiros. Mário de Andrade que visitou João e Manoel, em Natal, 1928, teve essa impressão quando tentava “fechar o corpo impuríssimo” na última sexta-feira do ano: “Acredito que o João era sincero. Manuel não. Um farsante de marca maior, charlatão cabotino pararaca” … 
Quando da nossa recente visita a Pantico entoamos uma das linhas que ele ecoava quando em transe: “Mandei selar meu cavalo / Para Ogum viajar / Jurema, Juremeira / Ele vai e torna a voltar”. Ouviu. Acocorado se apoiou num cajado. Levantou abriu um sorriso.  Emocionado, e dos olhos cegos caíram lágrimas.
Essa figura humana do bem, pai-de-terreiro, cuba ou feiticeiro tem um baú de poesias mnemônicas guardados em arquétipos resultantes do inconsciente coletivo constante em diásporas ancestrais. Levará tudo consigo. Ignorado social e espiritualmente. Seu canto está na introdução do registro que fez Salmaso, evocando: “Mestre Carlos é bom mestre / Que trabalhou sem se ensinar / Passou três dias caídos / Debaixo do juremá / Quando ele se levantou / Foi mestre pra trabalhar / Oi!”
Mestre Carlos, ‘um dos mestres mais importantes dos catimbós nordestinos’ foi decantado nos versos modernistas do poeta pernambucano Ascenso Ferreira, ‘numa das mais bonitas poesias dele’ afirma o autor do Turista Aprendiz. 
A Banda Didá, de mulheres negras baianas, gravou a faixa CUBA homenageando Pantico. Está disponibilizada nos aplicativos de músicas compondo acervo sonroro-cartográfico do Projeto Nação Potiguar. Há um mini-doc sobre o mestre no Museu Municipal Djalma Maranhão. Vale conferir. 
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