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Cultura na encruzilhada fiscal

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Yuno Silva – Repórter

A arte e a cultura tem o poder de transformar a realidade, por mais dura e complicada que ela seja, e quando os resultados são obtidos a curto prazo essa capacidade torna-se ainda mais evidente. Esse é o caso do projeto Transforme-se, criado em 2005 para ressocializar mulheres apenadas no sistema carcerário a partir de capacitação nas áreas de moda e artesanato. Apesar dos benefícios sociais, acumulados com o trabalho desenvolvido dentro da ala feminina da Penitenciária Dr. João Chaves, zona Norte da capital, o projeto corre o risco de ser descontinuado por uma divergência na interpretação da lei fiscal.

Viabilizado através da Lei Câmara Cascudo, o Transforme-se teve a renovação do incentivo suspensa no mês de agosto devido a não aprovação da prestação de contas referente ao período 2010/2011: enquanto a Fundação José Augusto questiona falta de recolhimento dos tributos previdenciários e fiscais (INSS e IR), a coordenação do projeto contesta tal exigência alegando não haver necessidade quando as relações de prestação de serviço são firmadas entre pessoas físicas – a suposta pendência previdenciária gira em torno de R$ 15 mil reais.

Desde o ano passado (2011/2012) o Transforme-se passou a utilizar o CNPJ do Instituto Fal, e todos os recolhimentos estão sendo feitos como pessoa jurídica como manda o figurino.

Independente de quem está com a razão, o impasse acarretou a paralisação das atividades com as detentas do regime fechado – apenas as atividades externas continuam em funcionamento. “Só não parou definitivamente por termos algumas voluntárias trabalhando”, disse a produtora Ana Patrícia Sousa e Silva. O projeto custa pouco mais de R$ 100 mil e atende cerca de 120 mulheres dos sistemas fechado e semiaberto.

As reeducandas criam bolsas, ecobags, cintos e acessórios, e toda a produção da grife é comercializada em lojas e feiras de artesanato. Além da renda obtida com as vendas ser revertida para as próprias mulheres, a participação delas no projeto também contribui para a remissão da pena.

A preocupação de Ana Patrícia é que, para garantir recursos do período 2012/2013 e manter a continuidade do projeto, a questão fiscal precisa ser resolvida até o início da próxima semana. “Estou tentando resolver esse problema desde agosto. Já atendi todas as diligências solicitadas, estive na Receita Federal com o contador da FJA em busca de orientação, e pelo fomos informados que estamos fazendo tudo certo, conforme determina a lei”, garante a produtora. Ela diz que todos os anos, desde 2005, faz a captação, presta contas e reapresenta a proposta para a edição seguinte.

Produtora questiona o conflito de análises
Ana Patrícia questiona a contratação, pela Fundação José Augusto, de um escritório de contabilidade externo, e reclama a falta de sensibilidade diante dos resultados conquistados. “A pessoa que nos atendeu na Receita Federal disse que a exigência do contador contratado pela FJA está equivocada, que são poucas as exceções para pessoa física recolher imposto de outra pessoa física, por exemplo quem contrata empregada doméstica e trabalhador da construção civil”.  Ela ressalta que o Transforme-se lida com mulheres que estão presas, que precisam de algo concreto para conseguir a reabilitação social. “O projeto, que tem apoio da Sejuc e conquistou credibilidade perante a sociedade, está conseguindo propiciar essa transformação pessoal”, reforça. Para a produtora, chega a ser irresponsabilidade uma instituição (a FJA)  dificultar a continuidade de uma iniciativa que beneficia o próprio Estado, no caso o sistema carcerário coordenado pela Secretaria de Justiça (Sejuc).
Conchita Danielle, no Transforme-se de 2008: desfile no Natal Fashion Week e criação de ecobags
O funcionamento da loja Transforme-se, que funciona no Complexo Cultural da UERN na zona Norte, ao lado da Penitenciária, está irregular por falta de remuneração das monitoras e professoras. “Nem todas podem ser voluntárias”, admite. “Nem quero pensar na reprovação do projeto. Se hoje sou uma pessoas respeitada, reintegrada, é graça a esse trabalho. No começo queria apenas a redução da pena, hoje é minha vida”.

A vice-diretora da Complexo Penal Feminino Dr. João Chaves, Ivanilma Carla Silva, reforça: “Contribui muito com a reinserção social, há uma mudança de comportamento, na criação de valores”, analisa.

Escritório foi contratado para avaliar prestação de contas
Isaura Rosado, secretária Extraordinária Estadual de Cultura, informou que havia outros projetos com esse mesmo problema. “Desde que a Lei CC foi criada, há mais de dez anos, nunca haviam avaliado as prestações de contas. Como os servidores da FJA estavam sobrecarregados contratei os serviços de um escritório externo”, justificou. Isaura aponta algumas discordâncias entre o entendimento dos proponentes de projetos e o contador. 
“Solicitei pareceres da Controladoria do Estado, do INSS e da receita Federal, mas ainda não obtive retorno”, avisou.
A secretária observou que os recursos utilizados no financiamento desses projetos não são de pessoas físicas, e “sim públicos, é dinheiro da renúncia fiscal do Estado, por isso essa interpretação divergente”. 
Ela garante que em nenhum momento quis prejudicar a continuidade do projeto Transforme-se, “mas como houve a contestação quanto ao recolhimento do imposto, então faz-se necessário um esclarecimento formal”.
Vale registrar que Isaura Rosado disse ser cliente da grife Transforme-se: “já comprei muita bolsa delas, colares, são produtos de ótima qualidade e irei dar como presente de Natal. Além de ser bom e bonito, tem o lado social que é muito importante”, avaliou.
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