Tádzio França
Repórter
Jornalista, escritor, advogado, e imortal. O natalense Murilo Melo Filho faleceu na manhã de quarta-feira, no Rio de Janeiro, aos 91 anos. A saúde estava abalada há quatro anos, desde que sofreu um AVC. Ele foi um dos três potiguares a ocupar cadeira na centenária Academia Brasileira de Letras, e fez parte do primeiro time do jornalismo nacional durante a segunda metade do século passado. Esteve presente em vários momentos importantes da política e história de sua época. Murilo também fazia parte da academia de letras potiguar, e sua pessoa põe o estado no mapa de referências em jornalismo e cultura nacionais.
Murilo Melo Filho nasceu no bairro da Ribeira, em Natal, no ano de 1928. Deixou a capital potiguar aos 18 anos, mas deu os primeiros passos no jornalismo por aqui mesmo, ainda adolescente. Com 15 anos começou a trabalhar no jornal A Ordem, na Rua Dr. Barata. Em seguida foi para o Diário de Natal, com Djalma Maranhão, onde fazia resumos dos jogos brasileiros nos domingos que ouvia no rádio. Já no A República, teve Câmara Cascudo entre os colegas. Nesse jornal, escrevia telegramas sobre a Segunda Guerra, baseados no noticiário do rádio. Muitas vezes escreveu toda a primeira capa da publicação.
Após passar pelos jornais natalenses mais importantes, Murilo fez as malas e foi para o Rio de Janeiro. O objetivo era estudar Direito, mas o vício nas redações não deixou o natalense deixar a oportunidade passar: foi atrás dos 30 jornais diários que a capital tinha na época. “Ofereci-me em todos eles, para saberem se eu prestava ou não”, declarou. O único que lhe deu a chance foi o Correio da Noite, jornal do Cardeal Dom Jaime Câmara. Em 1950 foi convidado por Carlos Lacerda para trabalhar em seu recém lançado Tribuna da Imprensa.
A escalada ao primeiro time do jornalismo nacional e, principalmente, a chegada ao território pelo qual ficou famoso, o jornalismo político, se deu na década de 60, quando foi convidado por Juscelino Kubitschek a acompanhá-lo pela primeira vez à futura capital do país, Brasília, que na época ainda era um canteiro de obras. Dois filhos do jornalista nasceram lá, e a estadia foi bem difícil. Acabou por se tornar professor de jornalismo na Universidade de Brasília, ao lado de Oscar Niemeyer e Darcy Ribeiro.
Já bastante aclimatado no meio jornalístico e político, Murilo acompanhou a viagem de Jânio Quadros a Cuba. Após a renúncia de Jânio, o jornalista teve uma fase bastante ativa de viagens pelo exterior. Foi 18 vezes à Europa, 15 vezes aos Estados Unidos, cinco vezes a países vizinhos da América do Sul, quatro vezes à África e três à Ásia. O jornalismo político deu acesso a reis, rainhas, príncipes, ditadores, primeiros-ministros, presidentes da república, chefes de Estado e de governo. Todos devidamente entrevistados pelo natalense.
As viagens jornalísticas internacionais de Murilo incluíram ainda João Goulart aos Estados Unidos, México e Chile; João Figueiredo à Alemanha e ao Japão; José Sarney a Portugal, Estados Unidos e Rússia; e Fernando Henrique Cardoso à Itália e à Espanha. O potiguar também cobriu a Guerra do Vietnã duas vezes (em 1967 e 1973) e foi o primeiro jornalista brasileiro a cobrir a guerra do Camboja. Foi também membro do conselho administrativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e membro da União Brasileira de Escritores (UBE).
Letras
Murilo levou sua escrita afiada e elegante para além das páginas dos jornais e revistas, e também chegou aos livros. Em 1972 recebeu um Prêmio Jabuti na categoria de melhor ensaio/estudos literários por “O Milagre Brasileiro” (Ed. Bloch). Destacam-se ainda em sua bibliografia, “O Brasileiro Ruy Barbosa”, “História do gás: do Rio de Janeiro ao Brasil”, “Memória Viva”, e “Crônicas políticas do Rio de Janeiro”. Esteve também presente em vários compilações de textos, inclusive “Reportagens que abalaram o Brasil”, ao lado de nomes como Joel Silveira, Carlos Lacerda, Otto Lara Resende, Samuel Wainer, Francisco de Assis Barbosa, entre outros.
A presença no cenário literário o levou às academias de letras. Na ABL, foi nomeado em 1999, sexto ocupante da Cadeira nº 20, sucedendo a Aurélio de Lyra Tavares. Foi o terceiro potiguar a fazer parte da instituição; antes dele vieram Rodolfo Garcia, escritor de Ceará-Mirim, e depois o historiador Peregrino Júnior. Murilo chegou a ser diretor da Biblioteca Rodolfo Garcia, que leva o nome de seu conterrâneo. Também foi tesoureiro e segundo secretário da ABL.
Na Academia Norte-Riograndense de Letras Murilo Melo Filho era considerado um “embaixador potiguar na cultura brasileira”, segundo Diógenes da Cunha Lima, atual presidente da instituição. “Durante certo tempo ele foi o principal jornalista político do Brasil. Em todos os setores da vida foi um homem notável”, afirma. Além das letras e da advocacia, Diógenens conta que havia em comum também a amizade verdadeira. “Ela costumava passar o verão em Cotovelo, e foi numa dessas que afirmou me considerar um irmão, e queria que eu o considerasse assim também”, conta.
Diógenes comenta que, além dos feitos profissionais de Murilo, as qualidades de caráter também eram sempre exaltadas entre os conterrâneos. “Ele entrevistou presidentes e reis, mas era capaz de cumprir coisas como a promessa de construir uma igreja em Natal. E levantou uma na zona norte. Quebrou barreiras também, ao ser o único não-judeu a dirigir a editora Bloch, da revista Manchete. Era um homem dedicado e sério em tudo que fazia”.
O jornalista Vicente Serejo acredita que a atuação de Murilo na imprensa será seu maior legado para as novas gerações. “Ele foi um absoluto vitorioso no jornalismo. A coluna dele na revista Manchete, Posto de Escuta, era uma das mais lidas no país, e fez dele referência no segmento. Ter essa referência de um nome potiguar é muito importante”, diz.
O advogado e escritor Lívio Oliveira, também integrante da academia potiguar, admira Murilo por ter sido um grande memorialista afeito à história e aos fatos. “Ele tinha muito estilo ao escrever e respeito pela palavra, e isso é fundamental para o texto de qualidade”, afirma. Lívio conta que esteve presencialmente com Murilo poucas vezes, sempre em eventos literários, e que nesses encontros se destacava sua cortesia, simpatia e inteligência. Entre suas obras favoritas, ele recomenda “Os senhores da palavra”, uma reunião de perfis de imortais, e o livro sobre Ruy Barbosa. “Fica para nós a honra de tê-lo tido como imortal do Brasil e do RN. Vai ser muito difícil substituí-lo”, conclui.