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Cultura popular em imagens

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Ramon Ribeiro
Repórter

Quando o fotógrafo Lenilton Lima começou a registrar a cultura popular de São Gonçalo do Amarante (SGA), ali por meados dos anos 90, ele praticamente era o único a fazer esse tipo de trabalho. Agora, quando tem apresentação dos grupos locais, aparece fotógrafo de tudo que é canto para clicar os brincantes da cidade. No meio deles, Lenilton continua a fazer os seus registros. Mas ele tem um diferencial. Por estar há muito tempo nisso e conhecer de perto as pessoas que mantém viva aquelas manifestações culturais centenárias, ele consegue captar com suas lentes instantes muito particulares, alguns de significado histórico, outros, de cunho pessoal.

A queima das flores do mês de maio, uma tradição do mês Mariano em São Gonçalo do Amarante, é registrado por Lenilton Lima


A queima das flores do mês de maio, uma tradição do mês Mariano em São
Gonçalo do Amarante, é registrado por Lenilton Lima

Ciente da importância dos registros de Lenilton Lima, a Fundação Cultural Dona Militana, da Prefeitura de SGA, adquiriu 30 fotografias para o acervo do Museu Shephora Bezerra. O material será apresentado ao público por meio da exposição “Um flash de memória”, montada no museu. A abertura acontece na quinta-feira (23), a partir das 9h. A mostra fica em cartaz no espaço por pelo menos um mês. A visitação é gratuita.

Estarão expostas 30 fotografias no tamanho 20×30 cm. O material não compreende um grupo específico, nem uma época, muito menos um olhar único sobre o folclore local. As fotos foram escolhidas à dedo pelo que trazem de relevante dentro da preocupação da prefeitura com a preservação de seu patrimônio cultural. Há, por exemplo, registros de mestres já falecidos, o dia a dia dos brincantes antes de uma apresentação, e até momentos simbólicos, como a passagem de gerações dentro de alguns grupos.

“No meu trabalho não mostro só os brincantes, algo que todo mundo faz. Acho importante mostrar os bastidores, a vida deles, a rotina, os artesãos confeccionando as burrinhas”, conta Lenilton. “Reuni também imagens de Sephora Bezerra ensaiando com o grupo, seu velório, o pastoril de Dona Joaquina”.

Boi de Reis
Sobre o boi de reis, Lenilton destaca as fotos que fez em uma comunidade indígena do município cujos brincantes mantém a tradição de pintar o pano com que são confeccionados os boizinhos. “Pra mim eles fazem um dos bois mais bonitos do Rio Grande do Norte. Porque eles pintam. É importante lembrar isso. Porque o boi do RN vem se descaracterizando desde os anos 70. Antes os bois eram feitos a partir dos sacos de açúcar. Eles emendavam os sacos brancos e pintava. Isso vem mudando. Tem se usado mais pano de chita”, explica o fotógrafo.

Lenilton também se mostra preocupado com a manutenção dos grupos. “Em SGA a cultura popular é muito forte, mas sabemos que é uma cultura frágil se comparada com as outras. Ela requer um cuidado diferenciado. Se você pega só o Boi de Reis, vai ver que por muito tempo ele forte forte no RN, mas porque estava ligado ao ciclo do algodão. O pessoal colhia algodão de dia e brincava à noite. Com a praga do bicudo, enfraqueceu-se também aqueles grupos”, argumenta.

O Boi de Mestre Antônio de Rosa, com  os desenhos tradicionais dos bois de antigamente


O Boi de Mestre Antônio de Rosa, com os desenhos
tradicionais dos bois de antigamente

Passagem de gerações
Para Lenilton, a foto predileta da exposição é a que fez da coroação do mestre Gláucio Teixeira, jovem que recebeu a missão de manter acesa a chama do Congos de Calçola. Ele recebeu a coroa das mãos do Mestre Sérvulo Teixeira. A cerimônia aconteceu justamente na missa de sétimo dia de Mestre Lucas, avô de Gláucio.

“Mestre Sérvulo Teixeira foi o último grande mestre de São Gonçalo do Amarante a nos deixar. Mas antes de falecer, corou Gláucio. Essa coroação foi uma das coisas mais emocionantes que já vi no município. Todo os grupos se engajaram na coroação dele, é um mestre jovem, a que a comunidade reconheceu como alguém capaz de dar continuidade ao trabalho da cultura popular. Você vê a importância daquele momento quando até o Padre Murilo, figura conhecida na cidade, se fez presente”, lembra Lenilton.

Folclore na raiz
Lenilton Lima é fotógrafo, pesquisador e produtor cultural. Seu acervo é composto por mais de 40 mil fotografias, algumas digitais, outras fotogramas. Tudo dos anos 90 até os dias atuais. Mas nem todo o material é de autoria dele. Há grande volume de fotos feitas por seu irmão, Lenilson, registros dos anos 80. E ainda tem um acervo importantíssimo que Lenilton encontrou no lixo, uma caixa cheia de fotogramas dos anos 60 e 70. “Sou muito convidado para montar exposições dentro de escolas. Já visitei mais de 80 com o meu trabalho. Também já levei minhas fotografias para expor na Europa”, diz.

De tanto pesquisar a cultura popular, acabou envolvido a tal ponto que foi fazer morada em SGA. “Nunca vim a SGA só roubar a imagem dessas pessoas, da arte que elas produzem. Eu me envolvo, vivencio o que fazem. Esse contato foi o que me fez vir morar em SGA”, conta Lenilton, que morava em Natal, no bairro de Candelária, quando começou a se aproximar da cultura popular de SGA. “Eu fotografava o grupo de Teatro Alegria Alegria. Um dos atores do grupo, o Alex Ivanovich, é de São Gonçalo. Por meio dele comecei a participar das apresentações dos grupos folclóricos.”.

Para Lenilton, a cultura popular é uma das marcas mais fortes da identidade são-gonçalense. “A cultura popular dentro do município é algo muito marcante. Quem não é brincante, é público. Ou seja, todo mundo lá conhece nossa cultura folclórica. Você vai em outros municípios, até na capital, e vê que não é do mesmo jeito”, descreve o fotógrafo. “Se a cultura popular um dia se acabar, com certeza em São Gonçalo do Amarante será o último lugar que ela vai desaparecer”.

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