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Cultura sofre com pandemia e classe sugere medidas para amenizar a crise

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Michelle Ferret
Repórter

Colaborou: Cinthia Lopes, Editora

Em tempos de pandemia que assola o mundo inteiro, os decretos preventivos para conter a transmissão do Covid-19, atingem diretamente a cultura. Artistas, produtores e trabalhadores da cultura de várias partes são os primeira atingidos. Cancelamento foi a palavra mais escutada a cada dia em que os cartazes subiam na imprensa ou nas redes sociais.

Henrique Fontes, ator e administrador da Casa da Ribeira, precisa lidar com falta de recursos para pagar o salário de funcionários: “Se a Casa ficar por dois meses fechada, não abre mais”

Em várias parte do Brasil, artistas e produtores culturais já sugerem medidas para que a economia não pare e eles sejam respaldados enquanto os teatros, eventos, museus, espaços públicos, bares estiverem fechados. 

Em Natal a realidade não é diferente. Mesmo com apenas um caso de contaminação comprovada, todos os eventos foram suspensos por tempo indeterminado, desde a esfera pública até a privada.

A Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro realizou no domingo uma reunião online para todo o Brasil com mais de 300 profissionais do setor e levantaram dez possíveis medidas para amenizar a crise, que podem ser aplicadas em Estados e municípios. Entre elas estãoa suspensão temporária da cobrança ou maior prazo para o pagamento de contas e taxas (como a de fornecimento de água), adiamento, parcelamentos e maiores prazos para o pagamento de impostos das empresas de produção cultural; proposta de uma linha de crédito a juros zero com os bancos federais, diálogo com as Leis de Incentivo à Cultura sobre o prazo de captação, execução, prestação de contas e comprovação de contrapartidas dos projetos incentivados que tiveram suas temporadas interrompidas; e descontingenciamento dos atuais mais de 300 milhões do Fundo Nacional de Cultura. Além de assegurar os 3% das loterias federais para o fomento imediato da cadeia produtiva do setor cultural, proposição de Emendas Parlamentares para o setor cultural e reforço do diálogo com as Comissões de Cultura (Municipal, Estadual e Federal).

Além desse levantamento, existe uma petição nacional para afastamento temporário com remuneração pelo INSS para artistas e produtores culturais que utilizam MEI, até que tudo seja retomado.

Para falar sobre o impacto na vida e nos meses que virão sem trabalho, O VIVER conversou com artistas e produtores que sofreram diretamente com a pandemia.

“O impacto é 100%”
Tatiane Fernandes,  produtora cultural e fundadora do Fórum Potiguar de Cultura, acredita que o impacto na cultura será total. “Para quem trabalha de forma independente e autônoma e também para os empresários do setor. Imagina uma folha de pagamento, mais os custos de manutenção de uma sede e as obrigações fiscais? Não há como cumprir as saídas se não há entradas”, afirma.

Ela lembra que no campo dos autônomos existe o aluguel, o supermercado, as contas de água, energia e internet, o plano de saúde (para os que conseguem ter). E lembra de áreas imediatamente impactadas  como eventos culturais e turismo.

Tatiane acredita também que o momento exige sobriedade. “É notório que o Estado terá que estabelecer as regras para que não haja demissões, para que as demandas mínimas sejam mantidas. Esse é um ótimo momento para refletirmos sobre a importância do Estado no funcionamento da cultura e da vida”.

Para ela, é imensurável o prejuízo com os eventos cancelados. “Por exemplo,  o concerto de abertura da temporada da Orquestra Sinfônica do Estado não irá acontecer no formato previsto, temos um  solista do sul já com a passagem aérea comprada, contrato junto ao Teatro Riachuelo, 24 Músicos extras que seriam contratados e não serão mais, além de 12 técnicos envolvidos que não receberão seus cachês… enfim… uma grande perda financeira”, reflete. Em contrapartida, existe a proposta de gravar o concerto da Orquestra no dia 31 de março e exibir nas plataformas como Youtube e Facebook.

Sem amparo e seguridade

César Ferrário, ator, dramaturgo e diretor, acaba de ter dois de seus projetos suspensos, sem data para acontecer. Um é o Mobydick que envolve mais de 50 trabalhadores da cultura em um edital do Sesi com montagem e temporada em São Paulo marcada para julho (foi capa do VIVER dia 05 de março). O outro é “Sementes do Meu Seridó”, quando o espetáculo iria percorrer por diferentes cidades do interior do Rio Grande do Norte.  “Assim como esses projetos, outros estão cancelados. Fico pensando como será a vida dos cenógrafos, iluminadores, motoristas de caminhão, toda a cadeia produtiva conectada, isso diz de como a gente precisa urgentemente repensar a nossa importância no país”, disse.

César acredita que  o artista deveria ter um respaldo mais concreto para essas crises. “Não vi até agora nenhuma ação proposta de seguridade para a classe artística, assim como para muitas classes. Os artistas tem instabilidade, vivemos de projetos, no cancelamento de eventos, todos ficam sem renda”. 

Ele reflete ainda sobre o contexto social atual, quando o  pensamento governamental parte de uma proposta utilitarista para o mundo. “É preciso entender que a cultura está no âmbito da subjetividade, a arte abre janelas para a esperança, para o afeto, para o acolhimento, para o amor”.

Teatro fechado e famílias sem renda
Em poucos dias, o ator e diretor Henrique Fontes teve doze apresentações da peça Jacy canceladas, o qual é diretor e dramaturgo, três cancelamentos da peça Invenção do Nordeste e o fechamento da Casa da Ribeira, o qual é o gestor. “Se não tivermos um auxílio emergencial de alguma forma e a Casa da Ribeira ficar por dois meses fechada, ela não abre mais”, enfatizou. Com seis famílias, somente na Casa da Ribeira dependentes diretamente da Casa, a paralisação das receitas é reflexo da falta de recursos de muitas pessoas para sobreviver.  “Nós não temos reservas”. Ele lembra que a situação do próprio prédio é preocupante. Quando ficou fechada por três meses, em 2013 o prejuízo foi incalculável. O sistema de som queimou, o mofo tomou conta  embaixo do carpete e a maresia corroeu parte dos equipamentos. “Se não tiver ventilando frequentemente, com manutenção e limpeza, o prédio acaba. Quando eu digo sobre a falta da receita é um conjunto de coisas que estão chegando e isso é muito sério”.

Para Henrique, o  Estado tem que funcionar como Estado, “E não como agente neoliberal privatizador que é o que vem acontecendo há muito tempo”.

Henrique acredita que é fundamental pensar em chamadas públicas ou editais emergenciais para suprir essa lacuna.  “Poderiam ter editais com  recursos liberados para este semestre e pensaríamos juntos numa contrapartida futura”, disse. 

#SAIBAMAIS#Angústia e incerteza
Yrhan Barreto e Jamilly Mendonça, compositores e músicos com agenda juntos em diferentes espaços, observam o momento com angustia. Um dos principais projetos da carreira de Yrhan  é a “Semana do Sampaio”, que aconteceria em abril e foi cancelada. Cancelada também foi a gravação do novo álbum e consecutivamente o show de lançamento. “Ainda sem saber avaliar o tamanho do prejuízo com todos os eventos cancelados, Yhhan sugere como apoio uma espécie de seguro que contemplasse um salário mínimo para poder manter a vida funcionando “durante esse momento tão difícil”. “Creio que esse posicionamento deve partir do governo, e cabe a nós lutarmos por isso”, disse.  Eles acreditam que uma medida importante do município de Natal e Parnamirim seria o pagamento urgente dos cachês de carnaval.

Sem ajuda
O músico Chico Bethoven teve todas as suas apresentações canceladas. Como empresário do ramo da música, ainda não elaborou um plano pra seguir com o negócio. Somente em sua gestão, estão 150 pessoas, entre músicos, técnicos de som e luz, produtores, designer e motoristas.  “Estou pensando como segurar a onda dos funcionários nesse período”, comentou.

Quanto as medidas a curto prazo pra ajudar do setor de produtivo da música, o importante agora seria o pagamento dos cachês. “É fundamental que a prefeitura pague sem demora os cachês do carnaval relacionados aos artistas, grupos, orquestras de frevo,  como também serviços inerentes a cadeia produtiva envolvida no carnaval. Isso seria um alento para quem realmente vive da música, pois o número de artistas e músicos contemplados nesse carnaval é muito grande”, disse.

Governo e prefeitura ainda estudam medidas
Sobre o que pode ser feito localmente, o VIVER conversou com o diretor administrativo da Fundação José Augusto, Fábio Lima que responde pela esfera estadual e com Dácio Galvão, Secretario Municipal de Cultura de Natal. Ambos aguardam medidas federais. 

Fábio Lima  acredita que é preciso cautela e diálogo. Quanto ao auxílio para os artistas,  ele aponta que a saída precisa vir do Governo Federal. “Os estados vão entrar em colapso financeiro. Estamos participando de fóruns nacionais e imbuídos de somar junto com todos os segmentos para juntar esforços. Estado nenhum consegue fazer isso sozinho. Estamos ouvindo as sugestões e percebo que todas passam pelo governo Federal. Estamos atentos, é legitima a revindicação e isso nos preocupa também”, disse.

Como primeira medida, o governo estadual liberou o pagamento dos 250 mil, parte do edital com total de 1 milhão lançado em 2019. “Criamos uma política de editais ano passado, para contemplar todos os segmentos, teatro de rua, palco, rádios comunitárias, artes visuais, nós estamos empenhados em pagar esses editais, iniciamos ontem o pagamento desses editais. Temos outros prontos que foram discutidos com os segmentos, mas em virtude dessa nova situação é pouco provável que possamos conseguir aprovar edital para esse ano”. Fábio não acredita na possibilidade de auxílios ou editais emergenciais devido à situação que se encontra o governo hoje. 

Ao terminar a entrevista, Fábio foi convocado para a uma reunião com a secretária especial da Cultura do governo Bolsonaro, Regina Duarte agendada para hoje (19), por videoconferência para tratar sobre as propostas de enfrentamento de crise. 

Município 
O secretário Dácio Galvão disse que no plano municipal será feito o possível. “O esforço será no sentido de adiarmos os eventos devido à obviedade da situação calamitosa. Portanto, é aguardar e reagendar. Se não houver saída e a opção for o cancelamento, vamos conversar com o artista ou o produtor para buscar alternativas que atendam as partes”, explica. Quanto à editais emergenciais e fundo de cultura voltado para auxílio, Dácio não observa saída de imediato. “Se não conseguirmos fazer o ciclo junino, por exemplo, o prejuízo para a economia é irremediável.

A situação sugere calma para podermos visualizar melhor o cenário e ver o que vai se desdobrar concretamente”, disse. Quanto ao pagamento dos cachês do carnaval, citado pelos entrevistados nesta reportagem, Dácio disse estar na  expectativa da arrecadação do mês corrente.  “Com base nela é que a Secretaria de Administração e Finanças define valores a repassar. Uma vez liberado procederemos imediatamente o pagamento”, finaliza.  
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