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Da cozinha da aldeia para o mundo

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Ramon Ribeiro
Repórter

Em tempos de busca por uma cozinha autêntica, faz todo sentido estudar a fundo o que os índios, das mais diversas tribos brasileiras, tem a ensinar sobre alimentação. Nesse contexto, o trabalho de Kalymaracaya Mendes Nogueira se torna fundamental. Primeira chef indígena do país, ela une ingredientes e processos aprendidos em sua tribo Terena (Mato Grosso do Sul) à conceitos da gastronomia universal. Com a missão de valorizar a comida de sua tribo, ela viaja o país ministrando palestras e cursos. É com esse objetivo que Kalymaracaya pisa em solo potiguar para participar do Festival Cultural e Gastronômico da Pipa, que acontece de 22 a 30 de setembro, com programação gratuita.

Nascida em Bananal-MS, Kalymaracaya formou-se em turismo e gastronomia.  Ela pesquisa valorização dos produtos nativos, como as pimentas crioulas das índias Terena, além de preparar pratos tradicionais em releituras, como o Hi-Hi

Nascida em Bananal-MS, Kalymaracaya formou-se em turismo e
gastronomia. Ela pesquisa valorização dos produtos nativos, como as
pimentas crioulas das índias Terena, além de preparar pratos
tradicionais em releituras, como o Hi-Hi

No evento a índia vai ministrar a oficina “Nossa tribo, nossos valores, nossa comida”, marcada para dia 30, às 20h. “Farei uma aula show em que explico a gastronomia indígena Terena e mostro suas influências na sociedade dos purutuye (brancos)”, conta a chef, nascida na aldeia Bananal, em Aquidauana (MS). “Falarei não apenas da comida, mas de um povo que há anos vive no Brasil e infelizmente a maioria da população desconhece suas línguas, artesanatos, cultura, gastronomia”.

Kalymaracaya saiu ainda bebê da Bananal para ir morar na capital Campo Grande. Mas não é porque saiu tão cedo da aldeia que suas raízes indígenas desapareceram. Muito pelo contrário. Sempre preocupada em valorizar sua cultura nativa, ela encontrou na comida o caminho para representar sua tribo. Foi observando a mãe e a avó à beira do fogão que pegou gosto pela gastronomia. Fez cursos de turismo e gastronomia e decidiu levar para seus pratos os ingredientes e processos de sua tribo. Sua mãe, de início, não acreditou que a culinária Terena fosse ter boa receptividade entre os brancos, no entanto, ao ver a repercussão que os pratos da filha tem obtido, percebeu que há pessoas interessados na comida nativa.

Banana e pimentas
Em seus pratos, Kalymaracaya une o tradicional ao contemporâneo, por meio de receitas ancestrais dos Terenas, associados a complementos com toques sofisticados. Como exemplo ela cita o hî-hî: espécie de bolinho de mandioca manteiga/aipim/xupu, envolto em folha de bananeira e cozido em água, sem créscimo de açúcar nem de sal. “Nesta receita apresento o hî-hî tradicional juntamente com uma proteína, aí eu já dou um toque contemporâneo, juntando o tradicional com um sabor especial”, explica.

Kalymaracaya lembra de pratos populares nas mesas brasileiras que tem origem indígena, como a moqueca, farofa, tacacá, tapioca, bijou, pirão, porco/frango na lata, mingau, paçoca de carne (antes usavam de caça). Sobre a possibilidade de existir no Brasil uma cozinha equilibrada entre culturas gastronômicas estrangeiras e nacional, ela acredita que a caminhada é longa.

“Tenho a missão de perpetuar a gastronomia indígena brasileira em todo o território nacional, mas sou apenas uma chef indígena. O movimento é lento, o governo não apoia muito esses tipos de iniciativas. Mas eu luto com todas as forças para fazer a diferença e fazer com que o exterior nos olhe como uma gastronomia forte”, argumenta.

Para ela, há várias diferenças entre o modo como os índios e os brancos olham a comida. “A comida é algo sagrado para os índios. Por isso respeitamos muito a mãe terra, porque é dela que precisamos para sobreviver”, afirma a chef, que atua dentro do movimento mundial do Slow Food. “O indígena é considerado o maior ambientalista do mundo porque, se for preciso, morremos pela natureza”.

Segundo Kalymaracaya, seu trabalho de valorização da gastronomia indígena passa também pela preocupação de evitar com que a cultura gastronômica familiar se perca. Ela reconhece que as novas gerações não tem a mesma relação com a comida que tinha seus antepassados. “Isso é muito triste porque se esses jovens não quiserem aprender nossos pratos típicos, a nossa cultura vai se perder! E um povo sem identidade não é feliz”, afirma. É por isso que escolas e festivais gastronômicos se tornam fundamentais.

A além dos pratos, a chef também tem um preocupação em preservar ingredientes nativos. Tanto que já desenvolveu pesquisas com pimentas crioulas das índias Terena, por meio do Instituto Paulo Machado. “Foi um projeto chamado #AlegriaDoGosto, que pesquisou e plantou sementes de pimenta crioulas (dedo de moça, malagueta, Cumari, bodinha, combari, aji). A intenção era incentivar as pessoas a pesquisar sobre as primeiras, fazendo cruza de sementes e formando   novas espécies”, descreve. Ela também lembra de muitos outros ingredientes ainda pouco aproveitados nas cozinhas. “Frutas silvestres: araticum, veludinho, amora silvestre, melão croá, taioba, trevo e sua raiz, caruru. E insetos: formiga tanajura, bicho da Bocaiúva”.

Kalymaracaya também é secretária do Conselho Comunitário Urbano Indígena de Campo Grande (MS). Paralelo as aulas show e cursos ministrados pelo Brasil, a chef também tem unido recursos para um sonho antigo: abrir um restaurante com temática indígena.

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