Por Jotabê Medeiros
David Robert Jones, cidadão britânico nascido no dia 8 de janeiro de 1947 em Londres, acaba de completar seus 60 anos. Ninguém zombou com tanta propriedade da falácia do tempo e do envelhecimento como esse homem de olhos de duas cores, que o mundo se acostumou a conhecer como David Bowie – o sobrenome foi emprestado da marca de uma faca de caça famosa, e o motivo foi para não haver confusão com o cantor dos Monkees, Davy Jones.
Certamente, nenhum artista na história da música pop teve tanto cuidado com a abordagem visual de um show como David Bowie. Teatralidade que deu um novo sentido e direção à música pop e ao rock. “Eis aqui a Segunda Grande Coisa, atrás apenas só de Deus”, anunciou o DJ inglês Kenneth Everett no Royal Festival Hall, em 8 de julho de 1972.
Em seguida, entrou no palco um sujeito de cabelo alaranjado eriçado, uma roupa espacial verde e vermelha, uma echarpe vermelha e botas com salto plataforma. “Hello!”, disse a criatura. “Eu sou Ziggy Stardust e eles são The Spiders from Mars.”
Bowie tinha 25 anos àquela altura, e numa época em que a imagem clássica de um rock star era um sujeito de jeans, jaqueta de couro e roupas negras, ele instaurava a era do glam-rock. Sua postura andrógina também seria o pavio de uma explosão comportamental. O show, concebido como uma opereta, uma espécie de antídoto para a ressaca hippie, trazia Bowie para o time dos protagonistas da música popular mundial.
Naquela noite em Londres, Lou Reed, que era convidado de Bowie, cantou três canções do Velvet Underground no palco, e engajou-se de corpo e alma naquele insight do colega. Já no dia 16 de julho, recebendo um batalhão de repórteres americanos no Hotel Dorchester, em Londres, Reed e Bowie ajudaram a chacoalhar ainda mais o cartesianismo das platéias. Num dado momento, enquanto Bowie falava com alguns repórteres, Reed interrompeu a própria entrevista, caminhou até ele e deu-lhe um beijo na boca.
David Bowie tornou-se o homem de mil faces, o homem que nunca parava sua metamorfose pública: antes do messias alienígena, tinha encarnado o Major Tom de Space Oddity; em seguida, veio “O Grande Duque Branco” (que ele encarnou em Station to Station, 1976), e depois o cadavérico “Alladin Sane”, e Bowie passou a forçar um trânsito entre a música pop e as outras artes que surpreendia a cada novo movimento.
Ele foi o narrador de “Pedro e O Lobo”, de Prokofiev, gravação da Philadelphia Orchestra, e atuou com Marlene Dietrich e Kim Novack no filme “Just a Gigolo”, em 1977. Depois, surgiu no teatro como “O Homem Elefante”, em 1980, nos palcos da Broadway. Fez música para a trilha sonora de “Christiane F, Drogada e Prostituída”. Depois, surgiu na versão de Baal, de Brecht, na produção para a TV britânica BBC.
Ele tirara sua visualidade de uma sólida formação em artes, que adquirira cursando o experimental Beckenham Arts Lab em 1969 e um pouco antes na trupe do mímico Lindsay Kemp. Mas David Bowie tinha ainda mais estofo, além de sua atração pelas artes visuais: tinha uma honesta paixão intelectual que o fazia passear pela obra e pelas vidas de gente como Brecht, Burroughs e Jean Genet. Foi casado com Angela Barnett, com quem teve Zowie, em 1971, e da qual divorciou-se em 1980. Em 1992, casou-se com a supermodel somali Iman.
Bowie fez e ajudou a fazer. Produziu discos seminais de Lou Reed, como “Transformer” e seu taciturno hit “Walk on the Wild Side”, e também produziu “Iggy Pop” e “The Stooges”, em discos como “Raw Power”, “The Idiot” e “Lust for Life”, revitalizando a carreira do desgraçado Iguana do rock, avô do punk. Em 1977, depois de tirar Iggy das ruas de Los Angeles, ele excursionou pela Europa fazendo as vezes de seu pianista de turnê.
Como não poderia deixar de ser, seus 60 anos estão sendo comemorados em todo o mundo, do Bowiefest de Sheffield (Inglaterra) ao Bassano del Grappa (Itália) e o clube ACID in Shinjuku, de Tóquio (Japão). Nessa última cidade, o evento Let’s Celebrate David Bowie’s Kanreki explica da seguinte maneira a festança: “O povo japonês celebra costumeiramente nossos 60 anos mais glamourosamente que o usual, porque a idade significa algo especial em nossa cultura. É uma idade que chamamos de Kanreki, que significa ‘retorno ao ciclo original’. De acordo com a tradição chinesa, o ciclo sexagenário começa no ano do nascimento e termina nos 60 anos, e aí se inicia tudo de novo.”