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De Cruzeta a Paris

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TIPO EXPORTAÇÃO - Petrônio e Sigberto (a partir da esquerda) são os veteranos do grupo que vai viajar

Há alguns anos, a melhor opção de trabalho para jovens do interior do Nordeste era uma vaga no setor de construção civil de grandes centros urbanos do Sudeste. Quem não embarcava rumo ao sul maravilha, ficava a mercê do clima árido da região. Ver a lavoura de subsistência vingar, e conseguir espaço em alguma cerâmica das redondezas eram duas das poucas opções disponíveis. Mas em Cruzeta, município do Seridó potiguar, a música começou a mudar essa conversa no fim dos anos 1990.

Criada em 1986, a Banda de Cruzeta – ou Filarmônica 24 de Outubro – acabou se transformando em uma boa alternativa para o jovem permanecer ligado às suas raízes. Agora, prestes a completar 20 anos de história, a Banda começa a exportar seus talentos: seis instrumentistas potiguares embarcam, após o Carnaval, para uma longa temporada de dez meses pela Europa. O trombonista Petrônio Clébio e o trompetista Sigberto, de Parelhas, são os veteranos do grupo: a dupla está indo pela 2ª vez à França, onde se apresentam no picadeiro do “Cirque Roger Lanzak” – especializado em cultura brasileira.

Músicos chegam a ganhar 1,2 euros

Além de Petrônio e Sigberto, este o único que não é de Cruzeta, o sexteto ainda é formado por Hudson Sued (baixo), Sandrinho (teclado), Anchieta (bateria), Chaguinha (saxofone) – todos entre 23 e 28 anos. “Sempre tive coragem de enfrentar desafios. Superei o trauma de ter sido extraditado na primeira vez que tentei entrar na Europa, pois estava com visto de turista quando o correto deveria ser de trabalho, e dessa vez estou voltando com esposa e filha”, disse Petrônio, que irá acumular as funções de trombonista e regente da turma. Na França, os músicos chegam a ganhar  1,2 mil euros “livrados” por mês.

“Basicamente nosso repertório é composto por sambas e bossas. Isso antes do espetáculo começar. Durante as apresentações fazemos a trilha sonora de cada um dos números”, explicou o músico, que começou aprendendo a tocar flauta doce na escolinha da banda. “Não imagino onde estaria se não fosse a música. Talvez estudando agronomia ou veterinária para poder trabalhar em Cruzeta mesmo!”, supõe. Por enquanto, Clébio só fala o básico do básico de francês: “Para cumprimentar as pessoas e fazer compras”, confessa.

O baixista Hudson Sued, 24, está em sua primeira viagem, e garante que a ansiedade é maior que o medo. “Espero aprender muito por lá”, planeja o ‘quase’ jogador de futebol. Hudson aprendeu a tocar na banda baile Revelação, com o contrabaixista Francisco Duque de Boêmio, já falecido.

“Meu sonho é criar uma universidade livre de música”

No timão da banda-escola desde 1988, o maestro Humberto Dantas lembra da dificuldade dos primeiros ensaios: “Nos reuníamos em um cubículo com instrumentos antigos, mas nada tirou nossa vontade de ver o projeto crescer”, disse o regente, que na época só contava com 12 instrumentos. “Até que em 1989 a professora suíça Margaret Keller visitou Cruzeta, conheceu o trabalho da Banda e resolveu ajudar. Desde então, o grupo não parou de evoluir: hoje temos sede própria e mais de cem instrumentos”, conta Bem Bem com humildade.

Atualmente, 26 músicos que aprenderam a tocar com o maestro Bem Bem estudam na Escola de Música da UFRN: “Inclusive a primeira mulher a se formar em clarineta na história da EMUFRN, também a primeira graduada em música no Seridó, faz parte da nossa turma”, informa o maestro deixando transparecer uma pontinha de orgulho em relação à musicista e ex-aprendiz Paula Francinete Vicente. “Ela vai assumir a missão de montar uma banda na cidade de São Tomé”, adianta.

“Vejo a Banda de Cruzeta como uma gratificante missão. Para mim, as duas coisas mais importantes da vida são minha família e a banda. Meu sonho é poder criar uma universidade livre de música. Me sinto muito feliz por fazer parte de todo esse processo”, disse Bem Bem, que comemora 30 anos de carreira em 2006.

A Banda de Cruzeta já lançou 5 CDs e foi destaque durante o XVIIIº Festival de Inverno de São João Del Rey, em Minas Gerais. “Atualmente somos referência nacional, tanto de qualidade musical como de organização”, declarou o maestro, sem deixar de lembrar do apoio da Fundação José Augusto. “O banco mundial quer financiar a criação de dez bandas pelo interior do Rio Grande do Norte, e a Filarmônica 24 de Outubro servirá como modelo”, orgulha-se.

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