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De Eloy para Dinarte

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Woden Madruga
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Na gaveta dos papéis desarrumados encontrei esta semana uma pasta contendo cartas de Eloy de Souza para alguns políticos locais, entre eles Dinarte Mariz, José Augusto Bezerra de Medeiros e Theodorico Bezerra. São 14 cartas escritas entre os anos de 1945 e 1951, quase todas a mão, letrinha difícil de se ler até porque machucadas pelo tempo. A pasta contém ainda dois artigos seus, um deles sobre Theodorico Bezerra (“Exemplo a ser imitado”) publicado em “O Democrata”, jornal do PSD (Partido Social Democrático), edição do dia 4 de dezembro de 1947. O diretor do jornal era Veríssimo de Melo, o secretario, Joanilo de Paula Rego, e o redator-chefe, Esmeraldo Siqueira. Eloy também dirigiu “O Democrata”, assim como dirigiu “A República” por muito anos, e o jornal “Razão”, do Partido Popular, fundado pelo ex-governador José Augusto, 1933.

Esse pacote de cartas e páginas de jornais com escritos de Eloy de Souza tem ainda um exemplar do jornal “26 de Julho”, órgão (está escrito ‘orgam’) de “O Ideal da Juventude”, editado em Caicó. A edição é do dia 26 de julho de 1931, homenageando o presidente João Pessoa, da Paraíba, no aniversário de seu assassinato. Tal acervo foi me dado de presente por uma senhora seridoense, já faz um bocado de tempo. O jornal é um tabloidizinho de 27 centímetros de altura por 21 de largura com 20 páginas. É citado no Dicionário da Imprensa do Rio Grande do Norte (1909-1987), de Manoel Rodrigues de Melo, publicado pela Fundação José Augusto e Cortez Editora, em 1987, tempo em que a FJA publicava livros.

Tem lá no “26 de Julho” umas preciosidades, como o artigo/ensaio do professor Joaquim Coutinho, “Pela Instrução”, discorrendo sobre o ensino no Brasil e no Rio Grande do Norte (aqui, a partir de 1827). À época, o professor Coutinho dirigia o Grupo Escolar Senador Guerra, de Caicó, fundado em 1909 no governo de Alberto Maranhão. Era Diretor-Geral da Instrução Pública (que corresponde hoje a Secretaria Estadual de Educação e Cultura) o doutor José Augusto Bezerra de Medeiros, mais na frente governador do Estado.  Em 1948 e 1949 fui aluno do Professor Coutinho.  Ensinava Geografia no Ginásio 7 de Setembro, dirigido pelo professor Antônio Fagundes, outro educador maior.   Muita história nesses papéis. Mas vamos à carta do doutor Eloy de Souza, o jornalista, o político (deputado federal e senador por vários mandatos), o intelectual que adorava vaquejadas e viajar pelos sertões.

A que me chegou às mãos é uma cópia datilografada da carta para Dinarte Mariz e José Augusto, passada por Eloy para Theodorico Bezerra, onde, no final dela, acrescentou, à mão: “Caro Theodorico, uma parte desta carta talvez sirva para enfeitar o meu necrológio. Velho, Eloy”.

A carta
 A carta está escrita assim:
“Nova Cruz, 14/6/945
Caros Dinarte e José Augusto
Tenho refletido muito a respeito da nossa situação política no tocante, principalmente, à organização da chapa dos que nos devem representar na Câmara e no Conselho Federal. Se o interesse de todos é a vitória do pleito o meu sobreleva a qualquer outro, porque se fôssemos, por ventura derrotados ficaria privado do desejo e propósito de morrer e sepultar-me em nossa terra.

De um tal desastre não escapariam as conquistas morais e materiais realizadas pelos ancestrais num esforço consciente de perpetuidade. Tudo sossobraria; e é preciso que não sossobre. Pela amostra que aí está podemos prever o que virá depois se tal calamidade se concretizar. Assim sendo, devem vocês considerar o campo eleitoral e por indicações adequadas fortalecermos o êxito da campanha. É preciso olhar o Oeste e o Assu por circunstâncias que uma conversa pessoal melhor esclarecerá. Só não me considero inválido, porque, mercê de Deus, ainda conservo a faculdade de auto-crítica que me aconselha e determina escrever-lhes estas linhas, que espero e conto serão lidas por vocês com a devida atenção.

De meditação em meditação cheguei a convicção de que devo por ponto final na minha atividade representativa, sem prejuízo da minha colaboração propriamente partidária em tudo que se possa e deva fazer para assegurar a nossa vitória agora e depois.
Venho, pois, dizer-lhes que não sou candidato a nenhum mandato na representação nacional. Meu tempo passou. O mundo que vai nascer em nada se parece com aquele em que tenho vivido tão longamente. É possível, será bem certo, talvez, que sua organização corresponda melhor á felicidade humana. Seja, porém, como for já não tenho saúde para ajudar os gigantes que vão empreender essa construção de proporções tão vastas.

Não lhes escrevo palavras, mas sim, lhes comunico uma resolução que respeitada muito mais me solidariza com os meus amigos e os seus bons propósitos. Sinto-me no dever de acrescentar que minha deliberação foi tomada de acordo com minha mulher para quem a minha renúncia completa a harmonia da minha vida pública. Não fujo. Antes busco com a minha atitude fortalecer ainda mais minha autoridade combativa.

Abraços e saudades do velho e fiel amigo,
a) Eloy de Souza. ”

O Sertão de Eloy
Quando escreveu essa carta para Dinarte e José Augusto o doutor Eloy de Souza estava com 72 anos de idade e meio desencantado com a política.  Nascido em Recife em 4 de janeiro de 1873, menino em Macaíba, onde começou sua vida de homem público e político, integrando o grupo liderado por Pedro Velho. Eleito deputado estadual em 1895, aos 22 anos de idade. Foi o líder do Governo (Pedro Velho, governador). Com 24 anos se elegia deputado federal. Era o mais jovem parlamentar brasileiro eleito em 1897. Foi deputado federal por 6 mandatos (de 1897 até 1914, quando se elegeu senador).  No Senado, quatro mandatos:  de 1915 a 1937, quando Getúlio fechou o Congresso.

Sua atividade de político foi mais ou menos  no tempo que exerceu o jornalismo, escrevendo ainda na juventude para o jornal A República, fundada por Pedro Velho. Crônicas deliciosas juntadas em dois livros imprescindíveis em qualquer biblioteca:  Cartas de um desconhecido e Cartas de um Sertanejo. O Sertão, o mote das duas. Eloy foi um grande sertanejo. Numa Acta Diurna, publicada em março de 1941, Luís da Câmara Cascudo disse sobre Eloy de Souza:

– O sertão vive nas suas veias, com as aventuras maravilhosas de seus vaqueiros, o gemido das boiadas, o rojão das violas, o estouro das roqueiras, o rumor da apartação, o lilá das tardes quentes, quando sol desde como cedendo a melopeia ondulante do aboio.

O próprio Eloy, em seu livro de Memórias, fala da “Força Atávica do Sertão”:

– O sertão e a vida das fazendas me atraíam por uma força atávica incoercível. Fui na juventude vaqueiro amador e como vaqueiro esportivo corri todos os riscos dos profissionais da vaqueirice. Derrubei gado no pátio das nossas fazendas e das fazendas alheias. Corri no mato com o mesmo afã e o mesmo impulso destemido”.

Eloy de Souza faleceu em Natal no dia 7 de outubro de 1959, aos 86 anos. Foi imortal da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, ocupando a cadeira 15, cujo patrono é Pedro Velho, seu padrinho político. Sucedeu ao poeta Antônio Pinto de Medeiros. O atual ocupante é o poeta Lívio Medeiros.

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