quinta-feira, 28 de março, 2024
33.1 C
Natal
quinta-feira, 28 de março, 2024

De ler e escrever

- Publicidade -

Cláudio Emerenciano [Professor da UFRN]

A aventura de ler e escrever. A arte da comunicação entre as pessoas, não somente por linguagem oral, remonta aos tempos mais antigos e distantes da humanidade. Quando o homem conferiu o caráter de perenidade aos seus registros e palavras, sonhos e esperanças, alegrias e sofrimentos, perplexidades e sentimentos, percepções e ilusões, contradições e circunstâncias, buscas e avanços, através de símbolos, sinais, pinturas ou linguagem escrita se transmitiram indefinidamente. Irreversivelmente evidenciaram-se vínculos entre passado, presente e futuro. Eis o percurso que projeta o homem no infinito: Yuri Gararin foi ao espaço e disse que a Terra é azul; enquanto americanos, na Lua, deixaram mensagens de fé, paz e esperança. Ali a humanidade começou a libertar-se de antigos medos e tabus. Não se falava mais em limites terrestres. Buscava-se detectar e desbravar – previra o Padre Pierre Teilhard de Chardin – “o lugar do homem no universo”. As novas tecnologias, que emergem da informática e da cibernética, da internet e seus derivados, não são fins em si mesmos. São instrumentos para ampliar a comunicação e a difusão da cultura. Ampliam a percepção em todos os sentidos. O ato de ler e escrever jamais será revogado, substituído ou esquecido: é legado da civilização. É o passo que liberta o homem da ignorância. É marcha inevitável da humanidade por sua destinação.

Um dos escritores que escreveram mais compulsivamente foi Honoré de Balzac, o pai do romance moderno. Sua “Comédia Humana”, editada no Brasil em dezoito volumes pela Editora Globo (Porto Alegre), teve como um dos seus tradutores Paulo Rónai, autor de uma das melhores introduções à obra em todo mundo. Balzac criou nos romances, novelas e contos que a compõem, aproximadamente 13000 (treze mil) personagens. André Maurois descreveu sua obsessão pela forma, condicionando-o a reescrever textos inúmeras vezes. Eis o ponto de equilíbrio para quem escreve: harmonizar a forma com o conteúdo. A forma é a estética da arte de escrever. Umberto Eco disse que a forma, no âmbito da ficção (romance, conto e novela), da poesia, do ensaio e da crônica, precisa compatibilizar-se com os padrões da linguagem de sua época. Assim Albert Camus, ao verter para o francês e editar “Vidas Secas” e “São Bernardo” de Graciliano Ramos, em 1943, considerou-o um dos maiores estetas da arte de escrever no século XX. Opinião depois compartilhada por André Gide. Em Graciliano a forma concisa, precisa, curta, torna o texto tão admirável quanto uma escultura clássica. Nada lhe pode substituir ou acrescentar. É irreversível.

Escrevo desde a infância. Lembro-me das primeiras cartas. Mas as redações literárias e as dissertações de História no Colégio Marista foram minhas primeiras ousadias. Depois o jornalismo. Posteriormente editoriais e artigos sobre questões locais, nacionais e internacionais. Sempre tive uma preocupação com a forma. Tentar escrever de forma simples, clara. Mário de Andrade tinha razão quando dizia que a arte de escrever não pode violentar a maneira das pessoas pensar e falar. Isso não implica em transgredir regras gramaticais. A simplicidade e a clareza não inibem o pensamento. Tornam-no suave, conferindo-lhe beleza e até ritmo poético. O texto deve ser – dizia Stendhal (Henry-Marie Beyle) – semelhante a uma sinfonia: harmônica, suave e precisa. Encanta, enleia, envolve e incorpora o leitor ao seu conteúdo. Até quando suscita avaliações diversas e antagônicas. Agripino Grieco foi um crítico mordaz, irônico, cáustico, arrebatado e às vezes vulgar. Mas reconhecia quando o texto criticado revelava uma característica: despertar o interesse do leitor que lhe era adverso. Agripino concebeu obra admirável e original, reveladora do seu humanismo e do seu fascinante estilo de escrever: “São Francisco de Assis e a poesia cristã”. Da mesma dimensão que “São Francisco de Assis” de Chesterton.

Na juventude li toda a obra de William Shakespeare. Periódicamente releio algumas de minha preferência: Júlio César, Romeu e Julieta, Otelo, o mouro de Veneza, Timon de Atenas, Rei Lear, Hamlet, Macbeth, Antonio e Cleópatra. Sigmund Freud disse que todas as variáveis da condição humana estão reveladas e devassadas na obra de Shakespeare. Ninguém até hoje o superou. A literatura universal sofre sua influência. O teatro nem se fala. Também o cinema. Inclusive no Japão e na Rússia. Leon Trotski verteu para o russo Eça de Queiroz. Assim o apresentou: “É um autor shakespereano”. Releio periodicamente Eça de Queiroz, Machado de Assis, Flaubert, Dickens, Dostoiévski, Tolstói, Hemingway, Anatole France, García Márquez, Graciliano, José Lins do Rego, Walter Scott, Aldous Huxley, Somerset Maugham, Vargas Llosa, Camus, André Maurois, Saint-Exupéry, Simenon, Agatha Christie, Raymond Chandler e Érico Veríssimo. Inimitáveis e atemporais.      

 Escrevo semanalmente nesta TN. Geralmente dois dias antes de escrever escolho o assunto e, aqui e ali, penso sobre o que externar. Confesso que a militância no jornalismo, mesmo episódica e circunstancial, concorreu sensivelmente para o meu estilo. Mas o estilo nunca estará definido. É uma busca inacabada e obsessivamente almejada. Algo semelhante ao milenar conto chinês de interminável jogo de xadrez. Surpreendente em cada lance. Emocionante e enigmático. Revelador em cada fase de percepção da vida como os contos de mistério de Agatha Christie e Arthur Conan Doyle. Aliciante e inebriante como a poesia de Neruda, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira. Original como as crônicas de Rubem Braga, José Lins do Rego, Fernando Sabino, Antônio Maria e Nelson Rodrigues. Minhas novas leituras e releituras são fontes de inspiração e reavaliação. Eis o itinerário do escritor: nunca sofrear ou inibir o estilo. Inová-lo e atualizá-lo sem fim…  

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas