Vicente Serejo
Outro dia, lembrado daqueles anos que não voltam mais, andei aqui abrindo a velha gaveta de lembranças da Natal ainda dos seus grandes cronistas que banhavam as manhãs de domingo com a leveza da ternura humana. Por isso acabei retocando na memória o retrato de alguns personagens que cheguei a entrevistar, quando a cidade, calma e boa, era um reinado de figuras dessas que emprestam os traços do próprio rosto para a fisionomia de um lugar.
Um dia fui procurar João Alves, o fotógrafo, ali no seu estúdio da Doutor Barata, um prédio de duas ou três portas, com uma pequena vitrine na lateral exterior e outra maior, do lado de dentro. Ele ficava nos fundos, numa sala cheia de máquinas, livros e papéis. Ouviu a idéia de Sanderson e pediu que fosse, à noite, até sua casa que ficava na praia, já bem perto de Brasília Teimosa, varanda aberta para o mar e bem guardada por balaústres de madeira.
Uma conversa interessantíssima. Mostrou raridades do seu acervo, que depois enviou ao filho Fred Aires, no Rio, e deixou que levasse, por atenção a Sanderson, com autorização de publicar, a foto do então Príncipe Faisal, depois Rei Faisal, quando mandatário da Arábia Saudita. Na foto de João Alves, ele atravessa a pé a Av. Junqueira Aires, vestindo o kaftan todo branco, como um chambre, longo, e o turbante. Em plena Segunda Guerra Mundial.
Um fracasso que lembro agora foi a entrevista que Sanderson pautou com o senador Jessé Freire. Fui encontrá-lo no restaurante Panorama, em cima do cinema com esse mesmo nome, nas Rocas. Estava com amigos em torno de uma garrafa de Old Parr, inesquecível para o jovem repórter que não conhecia. Olhou e, ainda quase de costas, já desinteressado da declaração e sem leveza, rosnou: “Diga a Sanderson que desisti da entrevista”. E fui embora.
SACADA – Tomba, numa idéia toda perfeita, fundou o turismo religioso em Santa Cruz, sua terra, erguendo a imagem monumental de Santa Rita. Enriqueceu a economia do seu povo.
ABRAÇOS – Passados os dias profanos do carnaval, Dácio Galvão vai marcar a data para lançar ‘Abraços’, o livro com a correspondência de Oswaldo Lamartine para Hélio Galvão.
VERÃO – Alguém perguntou sobre o verão em Natal, com bom humor. Vai bem. Muito bem. Restaurantes ótimos, garçons solícitos, trânsito livre nas ruas. Nada de pantagruélicos.
FOG – A enseada de Jacumã viveu uma manhã cinzenta, de garoas finas. A vida, recolhida aos alpendres, foi de degustação de bons vinhos. Nunca ficou tão próxima do fog londrino.
CENA – A quem ainda se interessa pelas coisas inúteis e sem futuro que também fazem parte da vida: a primavera dos morros resiste no lilás avoengo das últimas sucupiras em flor.
AVISO – Esta coluna não noticia paixões proibidas no Litoral Norte nem em parte alguma. Todo grande amor é clandestino, nasce de súbito e às vezes passam como chuvas de verão.
JOGO – De Nino, o filósofo melancólico, acusado de ser conservador por um socialista de araque: “É menos triste que acabar sendo cão de guarda amestrado de poderoso tupiniquim”.
PIOR – Mais grave ainda é a indisponibilidade orçamentária do governo estadual para fazer concurso e preencher pelo menos uma boa parte das vagas. Compromisso de campanha, mas não é possível sem recursos financeiros e com salários atrasados, o que é ainda mais urgente.
MISTÉRIO – O que faltou, até agora, depois de tantos anos de abandono, para alevantar-se em defesa do Grande Hotel, a mesma ira que se alevantou pela demolição do Reis Magos? Terá faltado alguma coisa mais consistente e mais encantadora? Ou é velho e só demolindo?