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De volta a Natal de 68

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Ramon Ribeiro
Repórter

Um dos mais representativos nomes do teatro potiguar, com obras de alcance nacional e internacional, Racine Santos está afastado do teatro desde 2013. Está decepcionado com a dependência de incentivos públicos para o fazer teatral em detrimento da sustentabilidade via bilheteria. Ele não se empolga mais para escrever peças, mas não parou de escrever. Seu interesse agora são os romances de ficção. Em 2017 lançou “Macaíba em alvoroço”, sua estreia no gênero literário, e agora está prestes a publicar “De susto, de bala ou vício”.

O novo romance vai se passar na Natal de 1968, um ano icônico no mundo e não menos especial para Racine. Curiosamente, se em “Macaíba em Alvoroço” o autor faz um mergulho nas memórias da infância, no novo livro o mergulho é nas lembranças do tempo de juventude, quando vivia de frente para a Praça Augusto Leite, no Tirol. Foi a partir desse local que ele atravessou a década de 60, um dos períodos mais significativos de sua vida.
Dramaturgo e escritor Racine Santos faz um mergulho nas lembranças da juventude, em 1968
Dramaturgo e escritor Racine Santos faz um mergulho nas lembranças da juventude, em 1968

“Ali vivi uma fase muito importante. Foi quando voltando do Recife, depois de uma experiência cultural muito rica, eu começo no teatro”, conta Racine em entrevista à TRIBUNA DO NORTE. No teatro, ele deu seus primeiros e últimos passos como ator nessa época – a carreira foi interrompida por causa de um atropelamento na Praia de Areia Preta que o deixou com sequelas na voz. Mas se o ator Racine deixou os palcos nessa época, o dramaturgo surgiu, escrevendo as primeiras linhas de espetáculos que nas décadas seguintes entrariam para a história, como “A Farsa do Poder”, “Pedro Malazarte”, “À luz da lua, os punhais”, “Bye, Bye Natal”, dentre outros.

Hoje Racine não mora de frente para a Praça Augusto Leite, mas está ali um pouco próximo, num edifício na avenida Juvenal Lamartine, também conhecida como Beira Canal. Nesta conversa, o dramaturgo e romancista lembra várias histórias dos anos 60 em Natal, especialmente, das adjacências da Praça Augusto Leite. “Se tivesse algum espaço por ali, lançava meu livro novo por lá”, diz Racine.

Praça Augusto Leite

Cheguei na Praça Augusto Leite em 1959. A casa ficava numa trecho da avenida Campos Sales que hoje é a rua Laurentino de Morais. Passei dez anos nessa casa. Depois fui pra Potilândia. A fase na Praça Augusto Leite foi de descoberta do mundo. Saia com os amigos, íamos para os clubes, a praia. Na quadra o pessoal organizava o São João. As primeiras namoradas, tudo aconteceu naquela praça. Como era inquieto, promovia festa com o pessoal, publicava jornalzinho de bairro. A Lagoa Manoel Felipe era outro ponto de encontro da gente. Passear no domingo, ver os shows na concha acústica.

Sandoval Wanderley

Com 14 anos, fui para o Recife, para o Seminário Marista. Passei dois anos interno lá. Foi minha grande formação cultural. Me envolvi com cultura popular, conheci Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho. Vi bastante teatro. Quando volto pra Natal, me junto com o Teatro de Amadores de Natal, dirigido por Sandoval Wanderley. Comecei como ator mas também montava umas peças. Eu era muito inquieto. Lembro de encenar um espetáculo na rua João Pessoa, num terreno baldio. Foi o primeiro espetáculo de teatro de arena em Natal.

Anos 60 em Natal

Natal nos anos 60 era uma aldeia. Todo mundo se conhecia. A classe burguesa determinava os comportamentos. Eu tinha cabelo grande, levava muita vaia quando passava no Grande Ponto. A galera gritava, me chamava de viado, mulherzinha. Mas foi uma época incrível. No mundo todo. Por aqui a gente tinha um festival de Música no Palácio dos Esportes, lançamos o Poema-Processo, uma revolução estética para uma cidade acostumada com soneto e quadrinha.

Teatro na década

Nessa época tínhamos o Teatro Alberto Maranhão e o Teatrinho do Povo, hoje Sandoval Wanderley (fechado), no Alecrim. O teatrinho foi construído em 1962, por Djalma Maranhão. Que visão, né? Um teatro no Alecrim. Mas os militares fecharam em 64, sob a acusação de lugar subversivo. Então ficamos só com o TAM. Quem apresentava mais era o Meira Pires, diretor do Teatro, o Sandoval Wanderley e o Jesiel Figueiredo. Os três mantinham a pauta, com apresentações praticamente toda semana. A frequência era boa. Havia público. Jesiel vivia de teatro. Todo domingo tinha teatro infantil. Saia durante a semana nas ruas para vender ingressos, divulgar a peça.

Ditadura Militar

Em 1968, eu fazia curso técnico de mineração, na Escola Técnica do Rio Grande do Norte (hoje IFRN). Juntei uma turma pra encenar “Morte e Vida Severina”. Perto de estrear, sou chamado pela diretoria e me obrigam a parar com a montagem porque a consideravam subversiva. Quase fui suspenso. Veja só como era o clima dessa época. A gente bebia muito num bar vizinho ao CCBEU, a Palhoça. Um dia chegou um amigo anunciar que tinha acabado o namoro. A gente querendo saber o problema ele fala que não dava pra ter um relacionamento com uma garota do CCBEU. “Enquanto o Brasil estava se fodendo com a Ditadura o pessoal lá estava cantando God Bless América”, disse. Olha como era o radicalismo!

Medo na porta de casa

A coisa mais violenta que vi  foi a greve no Quartel de Polícia, na Rodrigues Alves. O exército foi acionado e cercou o quartel. Os oficiais tudo com metralhadora, fuzil. Todo mundo que morava por ali saiu de suas casas com medo que estourasse uma confusão grande. Papai levou a gente pra casa de uma tia no Alecrim. Disseram depois que o comandante do exército quando entrou no Quartel não viu rebelião, mas sim um bando de gente com fome.

Acidente de carro

Nessa época da Praça Augusto Leite, eu vivia na praia, em Areia Preta. E foi lá que sofri meu acidente. Fui atropelado em 1969. Parei de atuar por causa disso. Tive que passar um ano no Rio de Janeiro, no hospital. Eu não falava, só fazia ler e escrever. Li muito nesse período. Quando voltei à Natal escrevi minha primeira peça, “A Festa do Rei”, que foi montada nos anos 70, pelo Teatro de Amadores.

A peça mais encenada

“A Farsa do Poder”, de 78, só no TAM fez 80 espetáculos. Foi a minha peça mais apresentada. Já foi encenado do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Tem humor, denuncia o abuso de poder, a corrupção política – que ainda está em voga. Sem dúvida foi minha obra mais apresentada. “Pedro Malazarte” também foi muito encenada. Ela é toda em verso. Mas são versos tão dinâmicos que ninguém percebe. O grupo Alegria Alegria montou para teatro de rua e chegou a fazer duas mil apresentações em 10 anos. Foram para o Chile, Europa, tudo que é canto. Eles tem tudo registrado. Foi somente com “Pedro Malazarte” que tive a absoluta segurança que o meu texto de teatro funciona.

Satisfação artística

Das minha peças, a que me deu mais satisfação artística foi “À luz da lua, os punhais”. Eu vinha fazendo um tipo de teatro muito convencional. Ai eu conheço um diretor espanhol, Moncho Rodrigues, que mudou minha concepção de dramaturgia. “À luz da lua, os punhais” é o resultado dessas novas ideias. Escrevi essa peça com outra feição. Foi encenada na Espanha, Portugal. No Recife ficou muito tempo em cartaz.

Natal em cena

Das minhas peças, “Bye, Bye Natal” é a que fala mais de Natal. A história se passa no Grande Hotel, na Ribeira. Fala de um cara do interior que manda o filho estudar na capital e o filho gasta todo o dinheiro que recebe do pai farra. Estreou quando o TAM foi reinaugurado, no começo dos anos 2000. Mas a semente do texto remete há 20 anos atrás, quando aceitei a proposta do Brigadeiro Murilo Santos de montar um espetáculo sobre o fim da 2ª Guerra em Natal no teatrinho construído pelos americanos na base da aeronáutica. Pela primeira vez eu tive consciência do que é uma superprodução. A história real do Dia da Vitória em Natal conta que aviões sobrevoando a cidade soltando panfletos sobre o fim da guerra. Pois num é que na apresentação, na hora que o ator falava que os aviões sobrevoaram Natal, quatro jatos sobrevoaram o local da peça. Foi um efeito da porra! Nunca publiquei essa peça em livro.

Novo livro

Terminei agora meu segundo romance. “De susto, de bala ou vício”. O título eu tirei de um trecho de “Soy loco por ti América”, de Gil e Capinam. [o primeiro romance, “Macaíba em Alvoroço”, Racine tirou de uma música de Aldair Soares]. É uma história de amor, de um rapaz que cai na clandestinidade e quando volta, vive uma decepção amorosa. A moldura é Natal em 68, um ano que mexeu com a cabeça das pessoas. Um ano louco no mundo todo. Meu romance mostra Natal dentro desse contexto.

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