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‘Defendo o SUS universal e sem terceirizações’

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Um dos três votos potiguares no Senado, Paulo Davim (PV) falou à TRIBUNA DO NORTE sobre a Emenda 29 que promete ser um alento para a área da Saúde no Brasil. Disse ser contrário à criação de um novo imposto aos moldes da extinta CPMF, mas defendeu a tributação em produtos como o cigarro e a bebida. Ele entende também que a União deva destinar 10% do que arrecada ao SUS. Nesta entrevista, o senador afirmou que não concorda com modelos de gestão com um pé na terceirização, como é o caso das Organizações Sociais, adotado pela Prefeitura de Natal. Sobre política disse que encerra a vida eletiva no Senado e que o PV deverá analisar o tempo oportuno para se pronunciar sobre reeleição ou não de Micarla de Sousa.
Paulo Davim, Senador
O Congresso discute com mais afinco a Emenda 29 — que define os percentuais a serem aplicados na Saúde, pela União, Estados e municípios — e já há uma polêmica em torno do percentual a ser aplicado pelo Governo Federal. Qual a opinião do senhor?

Nós (da Frente Parlamentar da Saúde do Senado e entidades médicas do País) estivemos no Palácio do Planalto, com Ideli (Salvatti, ministra das Relações Institucionais), com o senador José Sarney e fomos lá defender os 10% (para a União destinar à Saúde). Nós fomos tentar convencer o governo a aceitar essa proposta que é de Tião Viana [senador do PT]. Só que lá na Câmara se votou um outro texto. O governo, por sua vez, sugeriu lá na Câmara a CSS (Contribuição Social para a Saúde). O texto foi aprovado, tiraram a CSS e mandaram de volta para o Senado. Então ou a gente aprova o texto que vem da Câmara ou aprova o original. O que veio da Câmara tirou a base de cálculo da CSS, ou seja, fica uma coisa solta. A gente precisa dizer qual fonte vai financiar os percentuais estabelecidos na Emenda 29.

Há também um debate em torno da volta de um imposto nos moldes da CPMF para financiamento da Saúde…

Eu me posiciono contrário à criação do imposto generalizado, seja ele a CSS ou qualquer outro que venha a substituir a antiga CPMF. Agora eu defendo a criação de impostos específicos para produtos. Por exemplo, eu defendo o imposto do cigarro, porque essa é uma substância que faz mal ao corpo e ao erário. Ele traz malefícios para as duas coisas. Eu defendo a tributação da bebida também. Já tem projetos meus tramitando no Senado e destinando 15% das multas de trânsito para a Saúde. O SUS (Sistema Único de Saúde) do Brasil gastou em 2010 mais de 200 milhões só com internação de acidentados de trânsito. Nenhum centavo das multas é destinado à Saúde, por isso eu acho justo que 15% das multas sejam destinadas à Saúde. No caso do cigarro, o Brasil gastou no ano passado mais de 300 milhões com os doentes provenientes do uso do cigarro e o País vende um dos cigarros mais baratos do mundo. A OMS [Organização Mundial de Saúde] orienta que uma das medidas para diminuir o tabagismo do mundo é elevar o preço do produto, então eu defendo isso aí. A grosso modo se nós fizermos os cálculos – embora aleatórios e sem precisão matemática, mas por aproximação – a tributação do cigarro e da bebida poderia gerar para a Saúde aproximadamente 15 bilhões.

Essa proposta seria suficiente para substituir os valores gerados pela CPMF?

A CSS que o governo propôs de 0,1% daria 10  bilhões. Com esses impostos alternativos, nós superaríamos essa marca. O ministro [Alexandre Padilha] disse que a Saúde para funcionar a contento precisa de 45 bilhões. A CSS por si só gera 10  bilhões, portanto, para chegar nessa cifra vai precisar de fontes alternativas. E aí eu defendo, além dessas aí, que os prêmios das loterias não reclamados, que é inclusive objeto de um projeto meu, também em tramitação no Senado, sejam destinados à Saúde. Só o ano passado foi da ordem de 170 milhões. Eu defendo também a tributação das motos. No preço das motos existe já um valor destinado para a Saúde. Eu defendo isso porque motocicleta corresponde a um terço da frota do país, entretanto, eles chegam a mais de 60% de solicitações de seguros de acidentes. Está mais do que comprovado que quem tem moto se acidenta mais. Eu também defendo que o governo estabeleça definitivamente uma tributação dos royalties do pré-sal para a Saúde. Existe essa briga fraticida entre os estados, mas seria mais fácil o governo – evidentemente contemplando os Estados – destinar um percentual para a Saúde.

O que acontece que a Emenda 29 se movimenta no Congresso Nacional a passos de tartaruga, mesmo sendo considerada vital para a saúde pública do país?

Nós temos uma expectativa muito boa, até porque o presidente Sarney, na visita que fizemos lá, se comprometeu em dar celeridade. Só que nós vamos votar ou um texto ou outro. E aí tudo que eu falei de fontes alternativas foi uma solicitação nossa lá, eu fiz questão de pedir na Secretaria Executiva da Presidência da República, que o governo sentasse com os líderes, com a área econômica, com a área de Saúde Pública, com os mais diversos setores da sociedade, para fazer uma discussão no sentido de estabelecer as fontes financiadoras do sistema. Se não houver essa discussão, a gente vai aprovar a Emenda 29 e não vai ter a fonte para financiar. Será inócua.

O senhor faz parte desse grupo que defende a criação de uma nova constituinte como mecanismo para se realizar as reformas necessárias no país?

Eu acho que o Brasil precisa de reformas, isso é claro. Nós precisamos de uma reforma tributária urgente porque caso contrário os municípios vão morrer de inanição. Há uma concentração de recursos na União. De tudo que é arrecadado, 56% fica com a União, 27% nos estados e algo em torno de 16,17% vai para os municípios. E cabe ao município oferecer as principais e mais urgentes necessidades ao cidadão. Entretanto, recebem poucos recursos. A maioria dessas cidades precisam complementar os programas do Governo Federal. Um exemplo é o PFS [Programa Saúde da Família], no qual o município tem que entrar com algum recurso. Então a reforma tributária é importante para dividir de maneira mais equânime esse bolo tributário. E tem também a reforma política, que é necessária até porque é um anseio da sociedade brasileira.

O senhor acha que uma nova constituinte seria um impulso?

Não. Eu acho que a gente pode discutir essa reforma política sem passar necessariamente por uma constituinte. Eu não vejo necessidade disso. Precisa é dar celeridade aos projetos. A nossa democracia está cada vez mais se consolida, mas traz vícios do passado, defeitos que a gente precisa corrigir. A questão partidária, essa grade eleitoral, enfim, tem muitas coisas que a gente precisa resolver. Até porque a gente precisa resgatar a imagem do político que anda muito chamuscada. A sociedade não pensa e não pondera os seus conceitos sobre o Congresso Nacional, os legislativos de maneira geral. A sociedade é intolerante e isso é muito ruim. Eu acho que por pior que seja a atividade política em um país, ela é necessária. E a sociedade tem que pensar antes de atirar pedra nos Legislativos, no Executivo. Ela precisa pensar porque se não existir Legislativo, se não existir o Congresso, as Assembleias e as Câmaras, nós vamos viver em um regime totalitário. E o Brasil já teve essa experiência, que foi uma experiência que marcou muito. A nossa democracia repousa em cima de três poderes autônomos, que são importantes, têm defeitos e qualidades. Precisamos buscar o aprimoramento. Então o Congresso precisa fazer esse esforço de melhorar cada vez mais o seu trabalho e a sociedade precisa também compartilhar dessa responsabilidade na construção e fortalecimento dos poderes que são o sustentáculo da democracia.

Ainda não bateu o desânimo ver que questões políticas no Congresso muitas vezes atropelam a resolução de problemas essenciais para a sociedade?

Eu não fui ainda tocado pelo desânimo. Até porque eu fiquei satisfeito em algumas matérias que eu tinha vontade de votar, como por exemplo a matéria da Embrapa, a da Bolsa Verde que foi aprovada ontem (quarta-feira). Algumas coisas muito importantes para o Brasil, eu tive oportunidade de votar e isso é um alento. Os debates são interessantes lá e eu estou motivado. Enquanto eu estiver lá – sei que isso é transitório e passageiro – vou me dedicar muito e dar minha contribuição para melhorar, sobretudo na área da Saúde que é uma bandeira que eu trago sempre. Até por obrigação de ofício, de como médico tentar dar uma contribuição lá no Legislativo, na câmara alta do país, para melhorar a Saúde.

Como é que o senhor vê as gestões do Governo do Estado e da Prefeitura do Natal, principalmente no que diz respeito à área da Saúde?

Há alguns anos eu tinha um conceito que hoje eu vejo que ele mudou. Eu achava que as soluções para a Saúde estariam no Município ou no Estado. Hoje eu vejo que não. Quando você se debruça com a pequenez de recursos destinados à Saúde, vê que é muito difícil arranjar solução no Estado e muito menos no município. Infelizmente no Brasil só se destina 4% do PIB [Produto Interno Bruto] para a Saúde. Nós investimos 42% menos do que a Argentina gasta com a Saúde Pública. Nós podemos dar o mesmo exemplo com o Chile, Uruguai, Portugal, Espanha. Gastamos per capita/ano em torno de 460 dólares, enquanto Portugal gasta de 1.500 dólares, Argentina 560 dólares. Então esses sinalizadores demonstram claramente que o sistema de Saúde no Brasil passa por um problema de anemia aguda. Ou se injeta recursos ou nós não vamos ter a saúde que a gente deseja.

O senhor acredita que o nó tem que ser desatado pela União?

Sim. E você pode me perguntar: “Quer dizer que o problema de saúde pública resume-se à financiamento?”. Claro que não. Esse é o maior problema. Agora nós temos também um problema de gestão, que deve ser profissionalizada. Tem que haver austeridade nos recursos públicos e nós sabemos que os desvios são enormes. Eu apresentei um projeto de lei no Senado que transforma em crime hediondo todos os desvios de recursos e patrimônios da Saúde. A gente precisa combater a corrupção no Brasil, que é uma epidemia que envergonha todos nós, de uma forma muito firme. Então a Saúde Pública tem muitos problemas, mas eu ressalto esses três – a gestão, o financiamento e o desvio de recursos.

A prefeita Micarla de Sousa, que é do seu partido, vem sendo criticada por optar por uma gestão terceirizada em detrimento do SUS. O que o senhor acha disso?

Todas as vezes que você está diante de um problema, quando não enxerga saída sempre aparecem soluções outras que não correspondem bem ao desejo do sistema. Os municípios vivem uma realidade em que o gestor (secretário) recebe menos do que os servidores que são pagos pelo Governo Federal (médicos e enfermeiros de PSF’s, por exemplo). Desse jeito quem vai para a gestão da Saúde? Termina se colocando pessoas que não tenham competência técnica para gerir a Saúde. Aí quando existe uma reunião para discutir o sistema desloca a enfermeira, o médico, o dentista para participar da reunião porque o secretário não é habilitado para isso [o senador esclareceu que fala hipoteticamente e não especificamente sobre Natal], aí termina a população ficando sem esses profissionais. Ou seja, está desordenado o sistema e aí nessa confusão toda aparecem as soluções, entre aspas, milagrosas, as soluções terceirizadas, que eu me oponho. Eu defendo o SUS, que acho o melhor já concebido no mundo. Mas aí quando estamos vivendo essa crise sem precedentes o gestor é obrigado a fazer alguma coisa. É pressão da população, de todos os lados. Então surge essas soluções que não são as ideais, mas o fato é que a população que está com o filho doente não quer saber se a solução é adequada ou não, se está depondo contra a implantação do sistema ou não, ela quer se atendida. Então esse problema é que termina de certa forma comprometendo a implementação do sistema. Mas o ideal é sim um SUS forte, único, universal, puro-sangue, sem terceirizações. Esse é o ideal, o que eu busco e defendo.

A terceirização era a única saída para Natal?

Não é só Natal. Isso acontece em várias capitais e cidades brasileiras. Todas elas estão passando por essa dificuldade da falta de recursos. A situação é muito séria. Não tem cabimento esse aporte de recursos destinados à Saúde.

Os médicos já anunciam uma greve para a próxima semana por reivindicarem a implantação de ganhos salariais…

Até onde eu estou sabendo, esse é um indicativo de greve. Mas eu tomei conhecimento que o governo havia efetuado a incorporação prometida. Eu soube que esse foi um indicativo e haverá uma reunião na próxima segunda-feira.

O senhor defende a reeleição da prefeita Micarla de Sousa?

Eu sou partidário e o meu partido é quem vai decidir. Confesso que não conversei com a prefeita a respeito desse tema até porque nós estamos fazendo agora as convenções, as reuniões e eu acho que haverá a ocasião de se avaliar, se ponderar, mas o momento agora é fortalecer o partido e depois ver. Tudo vai depender do momento. Você sabe que o resultado de uma partida pode ser mudado no último minuto do jogo. Da mesma forma é a política.

O senhor ainda tem pretensões de candidatura?

Não. Cada vez mais eu sinto uma vontade enorme de cumprir o meu trabalho no Senado e voltar para minhas atividades médicas.

O senhor pretende continuar fazendo política?

Para fazer política não necessariamente tem que estar em um mandato. Há outras trincheiras nas quais você pode trabalhar. Mas toda vez que eu digo isso me arrependo porque é igual carro num atoleiro, toda vez que faço força me atolo mais ainda. No entanto eu pretendo ver se esse carro sai do atoleiro. Eu quero cumprir esse mandato com muito esmero, dedicação e substituir a altura o nosso ministro [da Previdência, Garibaldi Alves], que faz um belíssimo trabalho no Ministério.

Como tem sido conciliar a carreira de médico, em Natal, e o Senado, em Brasília?

Quando fico em Natal às sextas e segundas-feiras, estou atendendo. E aos sábados pela manhã, antes das minhas obrigações políticas, eu venho para a clínica, onde fico até o meio-dia. Depois eu viajo, faço minha agenda no interior ou em Natal. Somente no domingo eu preservo com a família.

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