Merval Pereira
O PT mais uma vez dá uma demonstração clara de que é democrático só quando a maioria está a seu favor. Ao anunciar que boicotará a posse do presidente eleito Jair Bolsonaro, repete comportamento antidemocrático que já virou rotina na sua atuação parlamentar.
Mesma atitude que o PSDB tomou contra a eleição de Dilma Rousseff, que o PT tratou como sendo um golpe antidemocrático. Desta vez, fez pior. Tentou impedir que seu adversário disputasse o segundo turno. O processo ainda está em andamento, e o terceiro turno foi aberto mesmo antes de o segundo se realizar, o que é espantoso mesmo para padrões petistas.
A história da Constituição de 1988 é interessante. Os petistas dizem que a acusação de que não assinaram a nova Carta é mentirosa, e tecnicamente têm razão. Mas a negativa é um truque banal, assinaram porque eram obrigados regimentalmente, já que participaram de sua confecção. Mas quando tiveram a opção de não participar da cerimônia de homologação, assim o fizeram, para demonstrar repúdio ao que classificavam de uma Constituição feita pela direita.
Logo a Constituição Cidadã, vista pelo Centrão como inviabilizadora do governo brasileiro, como definiu o então presidente José Sarney. Muitas promessas, poucas obrigações, uma Constituição populista de cunho esquerdista, como criticavam à época os do Centrão.
Agora, mais uma vez, se escoram em uma muleta linguística para justificar o boicote antidemocrático. Dizem que acatam o resultado das eleições, embora alcançado por meios ilegais, e não comparecem à posse para demonstrar que a resistência já começou.
Ora, a democracia pressupõe o revezamento de poder, e não aceitá-lo corresponde a colocar em questão essa possibilidade, transformá-la não em uma opção legítima da maioria do eleitorado, mas consequência de abusos ilegais que a desacreditam.
Além do mais, se o processo no TSE está em andamento, há demonstração clara de que consideram que a eleição de Bolsonaro foi fraudada, e buscam na Justiça Eleitoral a reparação do dano. Alegar que o boicote é contra o pensamento retrógrado de Bolsonaro, suas declarações misóginas e preconceituosas, é tentar uma justificativa que mascare a decisão antidemocrática.
Comparecessem à cerimonia com cartazes de protesto, marcassem suas posições – o PT e o PSOL, que também aderiu – na luta política, não na negação da alternância no poder. Instalado o novo governo, a oposição terá todas as condições de tentar até mesmo obstruir as votações que interessem ao governo, se mantiverem a postura de ser contra tudo o que o governo que o derrotou propõe, e não por convicção.
Lembro bem quando o deputado João Paulo Cunha virou presidente da Câmara, no início do primeiro governo Lula, e coordenou a aprovação da continuidade da reforma da Previdência iniciada no governo Fernando Henrique, contra o que o PT sempre lutou. Perguntei qual a razão da mudança, e ele foi curto e direto: “Luta política”.
Quando o presidente do PSDB e candidato derrotado na eleição de 2014, senador Aécio Neves, entrou com uma ação no TSE para impugnar a chapa vencedora por abuso de poder econômico, o PT gritou que era golpe. Ainda mais depois que o próprio Aécio disse que tomou essa atitude “só para encher o saco”.
Sem explicitar, é o que o PT está fazendo agora. Se era golpe antes, é golpe agora também. Em circunstâncias muito piores, pois Fernando Haddad foi derrotado por larga margem de votos, enquanto o PSDB perdeu por diferença ínfima. E a ação do PT foi feita ainda no primeiro turno, o que introduziu na disputa do segundo um elemento desestabilizador.