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Depois do Fim do Mundo

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Pablo Capistrano www.pablocapistrano.com.br

Assisti a um documentário sobre o Código da Bíblia. Na verdade peguei só a última parte, mas, pelo que eu entendi, parece que alguém andou combinando alguma coisa no texto da Torah e descobrindo algumas mensagens sobre um apocalipse nuclear. A Torah é um livro tão fascinante quanto o idioma em que foi escrito, o Hebraico anterior a reforma massorética. Uma língua sem vogais e no qual as letras têm representações numéricas. Hoje a idéia de uma hecatombe nuclear volta à moda. Esse era um fantasma recorrente de quem passou a infância vivendo o começo dos anos oitenta como eu. Atualmente, com esse conflito de culturas, envolvendo oriente e ocidente, assistimos ao retorno do espectro. Temos inúmeros canditados a besta do apocalipse. Komehini já teve seu tempo. Kadafi também. Agora é o presidente do Irã. Eu particularmente não sei se o mundo vai acabar em fogo, gelo ou num lamento entediado. Nem sei se a tal hecatombe vai vir, mas, se ela vier, eu quero dar a minha sugestão de trilha sonora.

Trata-se, na minha concepção, de um dos melhores discos de música eletrônica já composto. Chama-se Radio-Activity e é de 1975. A projeto é do Kraftwerk, grupo alemão que está no centro da música contemporânea. O disco é maravilhoso. Melancólico e irônico, a começar pelo trocadilho do título. Os ruídos de um contador Geiger abrem a obra, anunciando que o clima esfriou no meio de um mudo desolado pela radiação. Só as máquinas e os rádios continuam funcionando. Só a voz metálica dos robôs suporta o vazio humano de um mundo sem nenhum filho de Adão para contar a história. Mensagens de socorro, sinais de colapso parecem ecoar do disco o tempo todo, como se R. Hütter e F. Schneider, compositores da maioria das músicas, estivessem modelando o som. Partindo-o, estendendo-o numa utilização de recursos eletrônicos poucas vezes vista. Um verso em inglês, com uma rima besta, se repete como uma cantilena triste para o derradeiro entardecer da humanidade: “Radio-activity/ This is the end for you and me”. Esse é o som que abre o disco. Mas, interessante mesmo, é a última música: “Ohm sweet ohm”. Uma referência curiosa e cheia de ironia ao “Home sweet home”. O novo lar é radioativo. Cheio dessa força oculta da natureza que o homem aprendeu a controlar antes que pudesse aprender a controlar a si mesmo. Uma melodia preguiçosa começa a crescer sob o pano de fundo de uma repetição em voz eletrônica do título da música. Ela se repete como um giro de uma roda gigante vazia. Um giro que começa lento e vai acelerando à medida que o andamento de uma percussão eletrônica, que mais parece o barulho de um escapamento de ar comprimido, vai ganhando corpo. Como se a esperança de um mundo vazio de humanos pudesse compor uma última sinfonia de uma terra devastada. Uma ode a alegria de uma civilização que se consumiu depressa demais e acabou ruindo sobre o peso de suas próprias incapacidades.

Acho definitivamente glorioso viver numa época como a nossa. Essa falta de esperança no futuro, essa falta de segurança na ordem natural das coisas, essa descrença absoluta nas possibilidades da razão humana são o material perfeito para qualquer artista apocalíptico. O retorno do pesadelo nuclear, que agora aparece diluído no espectro do terrorismo, bem que pode não dar em nada. Mas se ajudar a produzir mais discos como o Radio-Activity já vai ter cumprido bem sua função. No mais, se a besta do apocalipse não aparecer por esses dias, ao menos vamos continuar caminhando por essa vida, no meio dessa civilização tão estranha e sem porteira. Mas, caso ela venha, cavalgando sua ogiva nuclear, vai restar ao menos um consolo: o bom de se morrer no fim do mundo é que você não fica com aquela sensação idiota de ter perdido o melhor da festa. Até porque, não vai ter mais festa, só a trilha sonora ecoando num salão vazio.

No tempo dos auditórios

Valério MesquitaEscritor

A fase áurea dos programas de auditório no Brasil vai dos anos trinta aos sessenta. Vivia-se o período do rádio e das novelas radiofônicas. A televisão ainda não havia pintado no pedaço. Menino nos anos cinqüenta acompanhava pelo rádio, à bateria, os programas de César de Alencar, o humorístico “Edifício balança mais não cai”, entre outros, transmitidos do Rio de Janeiro pelas emissoras Nacional, Tupi, Mayring Veiga, etc. Em Natal, pontificavam as rádios Poti, Nordeste, Rural e os arautos do palco eram Genar Wanderley, Vanildo Nunes, Gutemberg Marinho de Carvalho, Edmilson Andrade, Ivan Lima (doublé de locutor esportivo e animador), e outros, também famosos, mas traídos pela minha memória indigente.

Todavia, eu desejo mesmo me deter em Macaíba. Concebo que os programas de auditório alcançaram a sua plenitude mesmo, de 1950 em diante, até o seu declínio por volta de metade da década de sessenta. O primeiro show de auditório que conheci na terra do “pisa na fulo”  foi “Miscelânea de atrações”, apresentado, durante anos por Manoel Firmino de Medeiros, Jorge de Papo, Gutemberg Marinho de Carvalho e Rui Marciano. As atrações conhecidas era Nestor Lima ao violão, Chicó do cavaquinho e “Vovô Julinho”, um velhinho simpático que cantava para delírio da garotada “A bomba”, cujo esforço para produzir a explosão ao final da música lhe custava alguns desconfortos intestinais. Havia ainda, Diógenes Correia de Almeida que imitava o tenor Vicente Celestino interpretando “O ébrio”. Não era fora de propósito que o Diógenes possuía um depósito de aguardente, bem em frente ao cinema de Ranilson Costa, local das animadas domingueiras. Não posso deixar de mencionar outros astros da constelação musical da cidade como Belchior do banjo, Banga da bateria, Neif Nasser do sax, Pereira do piston, Geraldo Paixão do contra-baixo, Rey do trombone de vara e sem a vara os trombonistas Ronaldo e Bodete. E para concluir o famoso cast (desculpem a má palavra), integravam ainda a miscelânea de talentos os músicos: Cícero Galante (sax alto), Sargento Edivan (sax) irmão de Dozinho que sempre aparecia nas matinês, Perequeté, o rei do tarol, além de Sebastião Melo e seu violão boêmio e carpidor. Havia sorteio de prêmios, concurso de calouros e, aqui ou acolá “presenças destacadas” de astros de sucesso nacional do quilate de Jackson do Pandeiro que bebeu várias meiotas de cana na bodega de seu Alfredo de Almeida, sob os meus olhares atônitos.

Ainda vi desfilar em programas pilotados pelo vigário local padre Alcides Pereira os seguintes artistas famosos diretamente do seu Cine Clube Paroquial: Alcides Gerardi, Núbia Lafaiete. Na era do Pax Club, lembro-me de Nelson Gonçalves. E, para não esquecer, o velho Luiz Gonzaga, em 1972, no governo de Cortez Pereira, que esteve em nossa casa e de lá foi realizar um show no Parque Governador José Varela. O foco dessas relembranças foi o achado de um autógrafo do cantor Cauby Peixoto, concedido em 1955 na calçada do Cine Rex, por interferência do saudoso Gutemberg. Achei outros papéis gastos e amarelecidos que o tempo dissolveu, menos a cor da memória dessa época de ouro. Tempo bom da brilhantina Glostora.

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