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Descaso ou complexo de inferioridade

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Tomislav R. Femenick
Jornalista e historiador
A nossa tradição é fortemente perversa quando se trata de preservar a imagem dos nossos heróis, ou mesmo das personagens mais simples da história da nação. Poucos são aqueles que escapam desse verdadeiro patrulhamento histórico-ideológico. Nem os mais cultivados ícones da brasilidade escapam. Até Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, se não o maior, mas o mais importante líder da inconfidência mineira contra a dominação colonial portuguesa, tem sido atacado pela ira dos iconoclastas destruidores da imagem dos nossos ídolos. Em épocas recentes, já disseram que era uma figura menor, sem importância, que somente entrou no movimento pela independência da então colônia pela porta dos fundos. Contestaram sua liderança, apresentaram-no como um ignorante, um simplista de raciocínio lento, um “Zé vai com os outros”. Sempre o vimos representado com uma vasta barba, do tempo do seu cativeiro. Pois bem, até tiraram sua barba. 
Outra vítima constante dos cultores revisores da história e pregadores da “nova história” tem sido D. João VI. Se não uma figura heroica no sentido de guerreiro, pois veio para cá fugindo das tropas de Napoleão, sua atuação foi mais do que importante, foi importantíssima para o Brasil. Chegando a Salvador, decretou a abertura dos portos (atendendo a uma reivindicação dos comerciantes locais, mas se diz que foi por pressão dos ingleses), transformou a colônia em reino, fundou a Biblioteca Nacional e o primeiro Banco do Brasil, deu ares cosmopolitas à atrasada cidade do Rio de Janeiro, entre outros atos. Mesmo com esse cabedal de realizações, D. João VI somente é apresentado como uma figura caricata de comedor de frango assado. 
Deixemos as figuras emblemáticas da história nacional. Analisemos o que acontece com os ídolos do povo. Leônidas da Silva foi um dos maiores nomes do futebol brasileiro, inventor do gol de bicicleta e titular da seleção brasileira em duas Copas do Mundo. Jogou nos times do Bonsucesso (no tempo em que o Bonsucesso era sucesso), Peñarol, Vasco, Botafogo, Flamengo e, finalmente, no São Paulo, clube que defendeu por oito anos. Foi o artilheiro da copa de 1938, marcando oito gols e deu nome (sem receber royalties) a uma famosa marca de chocolate. Quando deixou de jogar passou a ser apenas mais um ex-craque. Mesmo em São Paulo, quase não era reconhecido por ninguém e andava pela cidade como se fosse mais um dos muitos cidadãos. Talvez por isso a sua mulher não quis falar com nenhum repórter no velório. Sofria do Mal de Alzheimer e de diabetes. Morreu internado em uma casa de repouso e esquecido.
Frank Sinatra, Nat King Cole, Billie Holiday, Glenn Miller, para não falar em Elvis Presley, são ídolos da música e do povo norte-americanos que ainda hoje são venerados. E aqui? Quem houve falar em Chico Alves, Orlando Silva, Emilinha Borba? Até Vinícius de Morais já está entrando na zona de esquecimento; e pouco está faltando para o Tom, o nosso querido Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, nela também entrar. E olhe que ambos, o poetinha e o maestro, são os autores de uma das canções mais interpretadas no mundo, a famosa Garota de Ipanema.
Uma nação, um povo, sem ponto de referência, sem paradigmas históricos e culturais, simplesmente passa a ser copiador da história, dos heróis e da cultura dos outros povos. No Brasil sabe-se mais sobre os peles-vermelhas do que sobre os índios nacionais; sobre Fidel Castro do que sobre Juscelino Kubitschek; vende-se mais Coca-Cola do que guaraná; diz-se “short” e não “calção”. A pergunta é: e de quem é a culpa? Dos grandes veículos de comunicação? Das escolas? Do governo? Ou de todos eles? De um hipotético complexo de inferioridade hereditário? É um tema para reflexão.
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