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Diálogos de pai e filha às vésperas da morte

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Textos: Carlos Peixoto

Um homem religioso e profundamente comprometido com a Igreja Católica, além de um intelectual respeitado, entra em coma. Durante a semana em que tem o corpo inanimado e preso aos aparelhos de uma UTI, liberta a mente e comunica-se com a filha mais velha. Envia mensagens para toda a família e para alguns amigos, dispõe sobre os próprios ritos funerários  e dá pistas sobre a transcendência da existência humana e da natureza divina.

Dito assim, pode parecer apenas mais um “enredo” na onda dos livros e filmes espíritas que têm aparecido no mercado, mas é o resumo de uma experiência concreta – pelo menos nas suas consequências – envolvendo pessoas reais e bem conhecidas do público natalense. Além disso, analisado à luz de vários estudos científicos, filosóficos e religiosos e do ponto de vista dos envolvidos, não há nada de espiritismo no episódio. Parapsicologia… é possível! Telepatia… com certeza!

O personagem central é o advogado, professor, jornalista e militante católico Otto de Brito Guerra (1912-1996) e o fenômeno transcendental referido, só agora tornado público, marcou a última semana de vida dele, em março de 1996, e as reações dos filhos à morte do pai. Na tarde do dia 09 daquele mês, durante a missa que assistia ao lado da mulher Selda na capela do Colégio Imaculada Conceição, Otto Guerra sofreu um infarto. Foi levado em coma para um hospital e assim permaneceu até a madrugada do dia 16, quando os médicos atestaram a morte.

Maria Ignez Guerra Molina, a primogênita entre os 13 filhos do casal Otto/Selda, foi quem recebeu as mensagens telepáticas do pai. Socióloga, professora da Escola Superior de Agricultora Luis de Queiroz, campus da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, católica por formação, desde o primeiro momento e até bem depois da morte do pai, resistiu à experiência. Precisou rever conceitos intelectuais, abrir-se a novas interpretações quanto a função da fé e da religiosidade, inscrever-se em um curso de psicologia transpessoal e escrever um livro para, como ela mesma define, “completar esse ciclo, fechar a gestalt”.

O livro é a Ponte para o Amor, uma publicação da própria autora (130 páginas, R$ 30,00) que será lançado na próxima quarta-feira (20), a partir das 17h30 nos salões da Escola Doméstica de Natal. Meio que temerosa das reações que pode causar ao relatar a experiência, Maria Ignez não enviou convites impressos para o lançamento. “Prefiro uma coisa mais íntima, com a família, os amigos e aqueles que conheceram papai”.

Uma outra dimensão

Para quem conheceu e lembra a trajetória do professor Otto de Brito Guerra, como humanista e figura central do movimento e no pensamento católico potiguar nas seis últimas décadas do século XX, é compreensível o temor quanto aos comentários e interpretações que possam ser dadas ao livro e a experiência narrada.

Dotado de um senso incomum de responsabilidade social, o católico Otto de Brito Guerra manteve-se a serviço da Igreja de forma inalterável ao longo da vida. Zeloso da ortodoxia, não deixava de rezar o terço todas as tardes, mas a curiosidade intelectual que o animava tanto quanto a fé cristã fez com que se abrisse para o ecumenismo. Antecipou-se à própria instituição, assumindo  posições pré-conciliares que o levaram a participar dos concílios conhecidos como Vaticano, além de ter escrito sobre ação social do catolicismo e em defesa das posições progressistas dentro da Igreja. Manteve um diálogo franco com líderes comunistas, tendo como interlocutor Luiz Maranhão, de quem era amigo. “Papai não era uma pessoa dogmática”, testemunha a filha Maria Ignez.

Preocupada em também não transmitir dogmas nem tampouco iniciar um debate sobre a necessidade de derrubá-los ou não, Maria Ignez teve o cuidado de, ao lado da narrativa sobre os diálogos mantidos com o pai em coma, expôr opiniões divergentes (mesmo dentro da família) e um resumo de indicações dos estudos científicos, filosóficos e religiosos que podem iluminar o ocorrido.

A ideia do livro, longe de pretensões doutrinárias, surgiu da monografia que fez para o curso de Psicologia Transpessoal, iniciado em 1998 como uma busca pela compreensão do que ocorreu e mantido, até hoje, como um estudo contínuo sobre a vida, o auto-conhecimento e a realização.

Nas considerações finais, Maria Ignez é clara e sucinta sobre a natureza do episódio relatado: “foi um fenômeno natural, não mágico, nem sobrenatural.” E constata: “vivi uma experiência de crescimento excepcional e muito gratificante. Agradeço a Deus e a papai, por ter podido colaborar na construção dessa PONTE PARA O AMOR.”

O que ocorreu? Uma Experiência de Quase Morte

“Experiência de Quase Morte (EQM)” ou Near Death Experience (NDE) na literatura de língua inglesa sobre o assunto. Essa é a explicação da psicologia quanto a natureza da comunicação entre pai e filha. Já quanto ao conteúdo e a forma como essa comunicação se deu, a explicação pode ser encontrada em estudos sobre Transmissão Telepática Espontânea.

Os dois fenômenos, mais relacionados à parapsicologia do que à medicina, são objetos de vários estudos em instituições universitárias ao redor do mundo. Longe das ideias mistificadoras preconcebidas pela desinformação ou mesmo alimentadas por oportunistas, a bibliografia existente mostra que eles ocorrem com uma frequência surpreendente.

A EQM está comprovada, estatisticamente, em vários milhões de casos de pessoas reanimadas, independente de idade, crenças religiosas e origens socioculturais. Em “ Ponte para o Amor”, Maria Ignez relaciona vários estudos e depoimentos, desde apontamentos da psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross, especialista nas experiências da morte entre doentes terminais, as considerações de teólogos católicos como R.J. Blank e registros históricos do fenômeno nos escritos de Cícero e na literatura medieval.

Analisando o caso específico do professor Otto de Brito Guerra, ela chega a conclusão de que “é difícil identificar exatamente se papai viveu uma EQM”. E aponta uma diferença fundamental: os estudos relatam casos que terminam com as pessoas sendo reanimadas, o que acabou não acontecendo e o óbito se seguiu ao coma. A ocorrência do fenômeno telepático, entretanto, está bem caracterizada.

A primeira “aparição” do pai na mente de Maria Ignez, como relatado no livro, se deu no dia seguinte a internação na UTI e em resposta a indagação que ela se fazia do porque Deus o deixava sofrer daquele jeito. “Ainda estou aqui porque amo muito a vocês todos. Nunca pensei que o afeto tivesse tanta força e que fosse tão difícil me desligar dele. Estou aqui só por amor! Não sofro dor físíca! Meu corpo já morreu!”.

As mensagens, sempre tranquilizadoras quanto a situação em que ele próprio se encontrava, seguiram-se de forma ininterrupta até as vésperas da morte. Maria Ignez relata que sempre estava desperta nestas ocasiões e se mantinha consciente do que ocorria ao redor. Algumas vezes, também visualizou o rosto do pai, com uma luminosidade própria, e chegou mesmo a discordar e questionar o que ocorria. Recebeu respostas bem humoradas.

Ao relatar os fenômenos aos irmãos e irmãs, recebeu crédito de uns e dúvidas de outros. O consolo maior e, talvez, a primeira certeza de que não estava “ficando louca” nem “imaginando ela mesma as mensagens que vinham do pai”, veio do então Bispo Emérito de Natal, Dom Nivaldo Monte, para quem transmitiu “um recado” do amigo Otto de Brito Guerra. “Não importa de quem é. Digamos que nós sabemos que é uma mensagem de Deus”, disse Dom Nivaldo a Ignez.

Bate-papo

» Maria Ignez – socióloga

Ao ler o livro, é possível sequenciar suas reações ao fenômeno das comunicações. Primeiro, vem o medo, depois a incompreensão e a curiosidade. Hoje, essas reações estão superadas ou atendidas?

Na medida em que eu estudei e vi o que a Igreja fala sobre isso desde São Tomaz de Aquino até autores atuais; o que a filosofia e a ciência dizem, eu entendi o que aconteceu. E quando você entende não se coloca mais o problema de acreditar ou não. A gente passa a saber que aquilo existe e como se classifica. Eu tive medo, realmente. Achei que podia estar ficando louca, mas agora sei que a telepatia existe. Eu falei mesmo com papai e cheguei a questionar ele. Eu disse: como os outros vão acreditar no que o senhor me diz, se eu mesmo não acredito. E ele me explicou: seu papel não é fazer os outros acreditarem, é só transmitir as mensagens que estou lhe passando.

São quatorze anos desde a morte do professor Otto de Brito Guerra. Porque só agora esse episódio é tornado público e o livro lançado?

Tem algumas respostas para essa pergunta. A primeira é que eu precisava saber o que era, intelectualmente, aquilo que aconteceu. Depois que eu fiquei sabendo, eu redigi o que ocorreu, o que eu sabia, como uma monografia do curso de Psicologia Transpessoal, que me ajudou a entender tudo isso, mas também como uma forma de racionalizar, de organizar dentro da minha cabeça toda aquela experiência. Havia também um problema de autoimagem. Eu fiquei um bom tempo pensando como é que eu, uma professora da USP, iria publicar uma coisa que poderia me deixar em posição ruim junto ao colegas acadêmicos. Depois, eu me aposentei é vi que esse problema de autoimagem poderia ser trabalhado. Então, decidi publicar o livro.

Isso foi decisivo para a publicação?

Não. Decisivo mesmo, para mim como pessoa, foi a intenção de fechar esse ciclo, de completar essa gestalt. E se papai tinha me dito “sua missão é comunicar”, como eu não tinha feito isso, eu acho que estava sentindo um pouco de culpa.

No texto, nota-se um certo cuidado em evitar qualquer tom de convencimento das pessoas sobre o que ocorreu. A senhora teme reações quanto ao episódio, tendo em vista que o professor Otto era um católico militante e respeitado dentro da Igreja?

 Temo sim. Outro dia eu estava conversando com uma pessoa que ouviu falar sobre o livro, mas que ainda não leu, e até mesmo pessoas que leram, mas pularam o capítulo sobre hipóteses explicativas, e todas elas disseram: “isso é um livro espírita”. Não! Não é um livro espirita. As conversas telapáticas com papai se deram enquanto ele estava vivo, estava em coma, mas estava vivo. E pelo que sei e conversei com lideranças espiritas, eles me disseram que pode ser que eu tenha uma mediunidade exacerbada, mas o que ocorreu não foi nem pode ser considerado por um fenômeno espirita. Aliás, se fosse, não deixaria de ser significativo ou válido.

Entre as mensagens do professor Otto de Brito Guerra para os filhos, a sua era “Seja menos racional, pense mais com o coração”. A senhora diria que conseguiu realizar esse desejo?

 Em uma escala de zero a dez, eu acho que consegui chegar a sete. Mas  estou me esforçando para aumentar isso.

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