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DIAS-PINO

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Dácio Galvão
O Brasil perdeu recentemente dois artistas cujas obras e trajetórias teem legitimações internacionais. Falamos do paraibano Antonio Dias e do carioca, filho de pai anarquista, Wlademir Dias-Pino. Calibragens experimentais. Deixam desconstruções estéticas no horizonte da plasticidade visual e ambiental. Morreram e ficaram para a história. Arte bem à margem da apreciação linear. Ambos trabalhavam num limiar de ruptura, códigos e signagens não dominantes do mercado receptor. Demandas conceituais e construtivas. Ferramentas e formas de combates.

Através do saudoso e querido Moacy Cirne, conversei e entrevistei Dias-Pino. Cirne era seu grande amigo. Juntos com outros poetas construíram o movimento do poema-processo. O bate-papo aconteceu quando desenvolvia projeto de pesquisa que resultaria em dissertação de mestrado na Universidade Federal do RN. Sentamos em bancos de cimento e rolou nas alamedas do Museu da República no Rio de Janeiro. Receptivo, calmo, humilde e obsessivo ao falar. Falava em tom baixo. Uma fala-imagem. Respirava e transpirava imagens compulsivamente. Fala icônica. Sem brida. Claro que não conseguia acompanhar todo seu raciocínio. Labiríntico e agílimo.

Protoconcretista, teórico e autor de obras tidas como fundadoras do Poema-Processo, Wlademir Dias-Pino é um interlocutor de primeiro plano para se entender a história e episódios que marcaram o Poema-Processo. Perpassa os primeiros momentos do poema-processo, suas relações com o concretismo, dos seus livros a Ave e Solida, obras que descreve sendo “resultados de uma teoria da evolução da escrita ocidental”. Ele flui e reflui em teoria própria. Fixa a distinção entre escrever e inscrever. E acentua o seu projeto da “Enciclopédia Visual”. Sequência infinda da inventividade imagética que resolveu palmilhar. Por sua eterna memória estamos a republicar… Vamos lá.

DG: O poema-processo fora lançado simultaneamente no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte? Como ocorreram exatamente os fatos?
Dias-Pino: Na Pré-História, homens, por razões de obstáculos de distância, jamais poderiam ter tido comunicação entre si, no entanto deixaram uma arte de nível de expressão que se equivalem, espalhadas pelas cavernas do mundo todo. Quem sabe, aí esteja (nesse mistério) o elemento inconsciente que dirigiu o futuro da velocidade na história do homem em busca da aerodinâmica das formas das artes. Pouco antes de 1956 (no Maranhão) eu, em Mato Grosso, e o Décio Pignatari (acompanhado dos irmãos Campos), em São Paulo, fazíamos, triangularmente, em distâncias transcontinentais, coisas que puderam ser reunidas em uma só exposição com um nome generalizado. A palavra emprestada de Arp (Concreta) só poderia trazer a vantagem de facilitar o trânsito com alguns poetas no mundo europeu. O medo, porém, de passar por caipira e a submissão à moda internacional levou a tradução de “monstros” prejudicando a inventiva local. Nas vistas internacionais é que ficou melhor demonstrada a apropriação bajulatória. Só digo isso pelo pesar de termos deixando de criar um movimento de nível internacional inteiramente nosso. O P-P parece que tentou, dentro de suas limitações, corrigir esse desvio. Por outro lado, o polo Natal e do Rio de Janeiro, dez anos depois e mais o tempo necessário à preparação do movimento, talvez tenha acontecido como um feixe de acontecimentos com algumas semelhanças. As mais sensíveis necessidades sociais de uma época pairam no “ar” e cabe aos poetas transformá-las em linguagens. Mais do que o nome de possíveis líderes, o que deve impressionar (internacionalmente) é a fantástica distância entre os polos e os números de poetas pertencendo a um só movimento de arte. A territorialidade é o familiar da geografia. O Brasil, hoje, tem uma densidade demográfica capaz não só de atrair a administração do consumo, via bancos internacionais, mas também de assumir, sem medo, uma vanguarda própria. De espaço a lugar: velocidades.

Como se explica o retorno de alguns poetas do Poema-Processo à palavra?
O que talvez se possa chamar de “retorno à palavra” é uma necessidade de cada poeta em determinada circunstância. O Poema/Processo talvez se preocupe mais com a Ideia do que mesmo com o combater a palavra. Todos nós estamos cheios de contradições. Sempre vi na fisicalidade da direção da leitura o sentido gráfico da grande força da visibilidade.

E a Enciclopédia Visual, em que consiste?
Não tenho notícias de coisa semelhante, na mesma época, na poesia visual de outros países. A Enciclopédia Visual faz parte do projeto movimento do P-P, Já recebeu o tratamento de três versões. Da primeira proposta, saiu o volume Logotipos, e foi interrompido em 1972, com minha ida a Cuiabá. Já na segunda investida saíram de uma só vez seis Caixinhas numa proposta de outras 995. Agora estou na terceira, que será composta de quarenta volumes (28x23cm), acompanhado de um CD, mais ou menos, com 5.000 imagens em cada uma. Seriam 200.000 imagens?

Nesses 500 anos de invenção da imprensa, o homem passou a olhar todas as coisas graficamente. Por exemplo, uma janela com suas venezianas paralelas é muito mais gráfica que pictórica. Essa leitura gráfica, porém, está ameaçada pela imagem virtual e não existe uma biblioteca visual no mundo para abrigar todo esse acervo. Como fazer isto no terceiro milênio? Com o mesmo entusiasmo de um poeta nordestino expondo seus poemas no Japão! É pra mim um trabalho mais social do que estético. Um dia sonhei que esse acervo caindo nas mãos de um poeta no interior do Brasil melhoraria sua produção naturalmente. Dessa resolução todos devemos participar com urgências utópicas.

O seus livros A Ave e Solida são consideradas peças importantes no embasamento teórico do Poema-Processo. Fale sobre isso.
A Ave (ordinal) e Solida (cardial) são resultados de uma teoria da evolução da escrita ocidental acoplada à da matemática, daí a razão dos Números como sequência. A Ave chama a atenção ao recusar a convenção da leitura ocidental que começa da esquerda para a direita. Rompida essa norma, ao inscrever o emblemático do poema, começa a necessidade da criação de um orientador de leitura: no relógio (circular) o ponteiro e no termômetro (vertical) a leitura de nível. As antigas escamas dos versos criavam “camadas” no poema: descer de quem lê e a coluna de quem escreve: o empilhar na armadilha. Ao “espalhar” as letras pela página, obedecendo a uma ideia, o importante não é mais, em sua arbitrariedade de código, a letra, mas sim sua posição no espaço, substituindo assim os degraus dos versos pela semiotização do suporte. A Ave, por necessidade de sua “tábua de palavras” (página-memória) é o lugar onde estão ordenadas todas as letras de uso no livro. É, assim, o livro de uma página só, que pode ser lido na variedade de gráficos: orientador de leitura. Com isso se está dizendo que o leitor pode muito bem criar outras leituras com a disponibilidade de letras da página-memória. Esse fato, parece-nos, é que separa de forma indiscutível a leitura da escrita. Essa radicalidade, em todo caso, vem de 1948, dando origem ao movimento cuiabano Intensivismo -, onde, por vezes, a leitura é mais importante que a palavra passa a ser dispensada. A Ave  nunca foi um poema concreto. É intensivista. O que foi escolhida na Exposição de 56 foi parte de Solida. A Ave trabalha com a simultaneidade (abstração) e a superposição (fisicamente) das possibilidades da linguagem, em que os gráficos (como nos moldes de costura codificados em cores e processos de inscrições pontilhados), na maioria das vezes, superpostos. Se o Solida é o poema de uma só palavra (enquanto tipográfico); A Ave é o livro de uma só página (enquanto fisicamente). Vejo na fisicalidade da direção da leitura e na gráfica a grande força das questões da visualidade.

Sua prática poética projetou-o nacionalmente a partir da Exposição de Arte Concreta (1956), junto com os irmãos Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e posteriormente com o lançamento do Poema-Processo (1967). Esse trajeto criativo permanece ativo de que forma?

Poema-Processo, depois de 30 anos de atividades, vem sendo enriquecido, na prática, pela criação de novos poemas. É pela prática de seus poemas que vai sendo enriquecida a teoria com que foi construído e, assim continua, de forma fragmentada. Isso é a causa principal que faz com seus fundadores não precisem andar pelas folhas para ficarem defendendo unicamente uma posição histórica e, por outro lado, o poema visual como parte de sua prática. A Paradinha Tática, por circunstâncias políticas, econômicas, foi principalmente para evitar a criação de lideranças pessoais.

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