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Dias

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Dácio Galvão [ [email protected] ]

Dia de Natal, Ano Novo, dos Santos Reis. “Dias dias dias”… Dia da Poesia, dia do Grafiteiro, Artista plástico, dia internacional do Teatro, da Mulher, do Índio, da Árvore, do Meio Ambiente, da Cultura, Consciência Negra… E some dias!  Institucionalizados marcados a ferro e a fogo nas celebrações oficiais ou não. Tem o dia da queima do Boi! Sim do Boi de Reis! Esse Dia quem ressignifica são os brincantes fora dos estatutos e das leis reafirmando identidades. Ou outros, sim, simbolizando reflexões sobre ou servindo de lanças e escudos no ampliar do empoderamento de segmentos entre tantos que se geram e se imbricam na teia social onde nos movimentamos. Vivemos e nos alimentamos ou regurgitamos.

A toada do falecido mestre Gabriel de Bois de Reis, que fora morador humilde das grotas lá de Bela Vista, em Tibau do Sul, às margens da Lagoa Guaraíras diz assim na voz do bruxo Walter Franco, CD Toques & Cantares: ”Seu Mateus adeus / até outro dia / Meu boizinho adeus / Terceiro Galante, Catirina, Beriquinha até outro dia adeus”. Dias após dias. Releitura de iberismo com levada tribal trazendo na esteira os clarones experimentais de Lívio Tragtenberg e o baixo elétrico de Rodolpho Grani.

E os outros e mais outros dias que passam escorrendo entre dedos como água? Os dias líquidos arrastados nos tempos. Sem valia sem mais-valia. Tempos de antes. Do aqui e do agora. E os dias dos tempos do futuro. Tempos que virão? Os primeiros “Dias dias dias” acima referidos é poema da série “poetamenos” de 1953, texto policromático de Augusto de Campos oralizado por Caetano Veloso, em 1973. Se desenvolve em várias direções possíveis de lê-lo. Há em então variações. Vejamos partes-versos(?). É poema para ser visto, lido e ouvido: “Dias esperança expoeta espira” ou “Dias sem uma linha minh a mor” com essa morfosintaxe mesmo. Não erro de revisão. Uma terceira variante: “Dias deum so dia / ahcartas  / n ão p artas”. Tem esse estranhamento espacial de aglutinação e espacialização de entre letras e de entre vocábulos. Experimentos mallarmeanos já cânones e também diluídos por poetas e poetas das séries sub-20, “B” e “C” como se classificam os times de futebol menos cotados nos campeonatos brasileiros. Esse poema pode ser localizado no sítio onde se balança na inquietante rede social do planeta cyber no lepaysnestpaslacarte.blogspot.com.br/2011/10/dias-dias-dias-augusto-de-campos-e.html. Vale visitar. Parece nos levar assim a uma parada metafísica desesperançosa tendo na frente o construtivismo poético peculiar da poesia concreta.

Nesses últimos Dias revejo PAGU vida-obra com organização, seleção de textos, notas, roteiro biográfico sob a óptica do ensaísta, tradutor e crítico literário e musical A. Campos. Presente de Max o homem responsável pela articulação de autores nacionais da Cia. das Letras-SP. Ele produziu na pós-graduação trabalho sobre o multiartista pernambucano Paulo Bruscky participante da exposição Pernambuco Experimental exposta ano passado no Museu de Arte do Rio de Janeiro-MAR. Curadoria de Clarissa Diniz e Paulo Herknhoff. Visitamos acompanhando Carlos Eduardo e Heverton.

Na capa de PAGU o projeto gráfico traz a assinatura de Raul Loureiro e utiliza na composição tipologia “perpetua”. Abrindo numa sequência fotogramática inscreve sobre fundo preto da página a assinatura-codinome da biografada. Caligrafia branca de Patrícia Galvão: ”Pagú” sublinhado com acento agudo e logo abaixo a data “1929”. Avisa Campos se reportando ao método de recomposição da militante comunista normalista companheira de Oswald de Andrade: “…síntese da vida-obra de Patrícia, não de forma narrativa, sob espécie de biografia tradicional, mas sob a égide do fragmento e da intextualidade.” Poemas, desenhos, fotos, crônicas, críticas. O recorte circular da capa onde só aparece a imagem de Galvão é na verdade um detalhe da fotografia. Estão nela enquadrados um time de primeira linha modernista. Imagem datada em 18 de julho de 1929: Pagu, Anita Malfatti, Benjamin Péret, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Time fraco! Essa nova edição beirando 500 páginas amplia sobremaneira a revisita  Pagu. Afirma o organizador: “Patrícia Galvão não é Clarice Lispector (de quem por sinal era grande admiradora). É menos e é mais”. A “sincronicidade junguiana” ou a coincidência significativa foi causa do biógrafo chegar até Pagu. É preciso ler o livro. A meta é remitificar para desmistificar. Sair do superficial para densidade ativista intelectual.

Nesses Dias onde nos deparamos com o “menos e o mais” (dias precários e Dias sincrônicos) nos acontece a intersecção expositiva de “Esdrúxulo”. Mostra do poeta paraibano Augusto dos Anjos, curadoria de Júlio Mendonça que visitamos no Centro Cultural Casa das Rosas, o jardim das resistências em plena Av. Paulista, Sampa, ilhada por arquiteturas contemporâneas verticalizadas. Na companhia do poeta e atual dirigente Frederico Barbosa (“Educado pelo sol e pelos livros ao longo da vida” como a ele se remete Leyla Perrone-Moisés) vamos nos olhares nos revitalizando na ilusão de dias minúsculos e Dias maiúsculos. O poeta tropicalista piauiense Torquato Neto vai implodindo: “Há urubus no telhado / e carne seca é servida / um escorpião encravado na sua própria ferida / não escapa, só escapo pela porta da saída / todo dia é o mesmo dia / de amar-te, amor-te morrer / todo dia menos dia / mais dia é dia D”.

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