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Direito e literatura

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A interação do Direito com a Literatura é extensa e profunda. Visando tornar mais compreensível e agradável a aula aos meus alunos do curso de Direito da UFRN, eu conversava sobre a interseção de obras clássicas com o mundo jurídico. Assim, comentava sobre “O Mercador de Veneza”, de Shakespeare; “Recordação da Casa dos Mortos”, de Dostoiévski; “Fausto”, de Goethe; “O Alienista”, de Machado de Assis. 
Devo a uma crônica de José Paulo Cavalcanti Filho – ele próprio é objeto natural de estudo sobre Direito e Literatura. Cita as confissões, em carta, de Machado: “O que penso ninguém sabe, é que por muitos anos estudei as leis. Todas as noites. Apaixonadamente, a ponto de estar habilitado a tornar-me advogado”. E continua: “Meu maior desejo é que no futuro alguém me faça justiça. Algum advogado, talvez que o perceba”. Devo também, e principalmente, ao nosso professor de Direito e Literatura Luis da Câmara Cascudo.
Recebi um honroso convite do Grupo Capitólio, projeto de extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para fazer palestra sobre Ariano Suassuna e o Direito. Imediatamente revisitei o “Auto da Compadecida”, obra-prima em qualquer sentido. Ariano cria um júri no infinito. O juiz é o próprio Deus, o promotor é o demônio e a advogada de defesa Nossa Senhora. A peça tornou-se best-seller, inclusive objeto de adaptações para a TV. Através do humor, esse tribunal do júri é uma profunda crítica social.
Recordei outros personagens literários que retratam o senso comum e a sabedoria popular, destacando passagens jurídicas. A maior autoridade sobre a vida e a obra de Ariano é o poeta de excelência Carlos Newton Júnior. Ao passar uma temporada em Florença, encontrei numa livraria a tradução da “Compadecida”, adquiri para presenteá-la ao meu amigo especialista. Segundo ele, Ariano ficou encantado, porque se tratava de uma edição pirata.
Ainda menino, Ariano escreveu um conto que tratava de crime de adultério e de vingança. “Uma Mulher Vestida de Sol”, que é “Nossa Senhora do Apocalipse”, retrata uma querela de terras entre fazendeiros. Inclui como personagens um juiz e um delegado.
O jurista Nilo Batista, por feliz acaso nascido em Natal, publicou livro admirável sob o título de “Machado de Assis Criminalista”, revelando sua absoluta competência e refinamento.
Câmara Cascudo é antropólogo insuperável na identificação do brasileiro. Estuda e documenta costumes, alimentação, crenças e crendices, religião, lendas, mitos, superstições, linguagens e gestos, a sabedoria popular. Foi mestre na Literatura e no direito das gentes. Toda sua obra é marcada pelo saber jurídico e por sua inquietação filosófica. Entre outros assuntos, trata o direito como tradição, o direito do cidadão ao silêncio e à liberdade científica. 
Nada era estranho a Cascudo. Na defesa da verdade e da adequação, afirma que Natal tem o direito de possuir uma toponímia digna do seu passado. Como todos os outros luminares citados, ele pouco exerceu funções que indicariam a sua formatura em Direito.
A Literatura é meio eficiente de crítica às Instituições Jurídicas. O que não é pouco.
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