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Dissidentes se refugiam na Turquia

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Por Scheherezade Faramarz – Associated Press

NIGDE, TURQUIA – Uma neve fina caía quando os dois jovens, em cima de cavalos, saíam pela fronteira do Irã. Quando se aprofundaram nas montanhas, a neve havia se tornado uma nevasca ofuscante, a temperatura havia caído para abaixo de zero e eles estavam quase morrendo. Hesam Misaghi e Sepehr Atefi tornaram-se parte do que se tornou um êxodo de dissidentes que fogem do tumulto político no Irã. Para eles, isso significou uma angustiante jornada pelo montanhoso noroeste do país durante o inverno, com a ajuda de contrabandistas curdos.

Ao cruzarem um rio, o gelo quebrou sob seus pés e seus cavalos afundaram e os dois ficaram encharcados na água gelada. “Eu não sentia minhas pernas e mãos”, relembra Misaghi, um jovem alto de 21 anos. “Eu sentia como se estivesse bêbado. Eu não sabia onde eu estava e ria de dor”.

Atefi, de 20 anos, viu uma van à distância, segurou o braço de Misaghi e o levou consigo em meio a neve. “Eu não tinha forças para seguir, mas tínhamos de alcançar a estrada”, disse Atefi.

Os homens, ambos iranianos e repórteres de direitos humanos, alcançaram o veículo, imploraram por uma carona e conseguiram chegar em segurança à Turquia.

A eleição de Mahmoud Ahmadinejad resultou em um êxodo de iranianos que não concordavam com o regime imposto pelo ditadorFronteira

Pelo menos 4.200 iranianos fugiram de sua terra natal desde as disputadas eleições presidenciais de junho, segundo uma lista compilada pela ativista Aida Saadat, que também deixou o país pela fronteira turca em dezembro.

Esses refugiados seguiram para os Estados Unidos, Europa e Emirados Árabes Unidos e outros países do Golfo Pérsico.

A maioria deles, cerca de 1.150 segundo a agência de refugiados da ONU – seguiram para a Turquia, aproveitando-se da porosa fronteira e da política turca de não exigir vistos. A maioria dos que chegaram recentemente deixou o Irã por razões políticas. Fazem parte deste grupo pessoas que participaram de protestos da oposição depois da eleição e os “indesejáveis” aos olhos do regime dos clérigos, como homossexuais e integrantes da religião bahai, elevando o número de iranianos na Turquia para 4.400.

Os perigos que esses iranianos enfrentam em seu país natal são claros. Um mês depois da fuga de Atefi e Misaghi, em janeiro, a polícia invadiu suas casas na cidade central de Isfahan. Dentre as acusações contra eles estão “moharabeh” ou “travar uma guerra contra Deus”, um crime que pode ser punido com a morte.

A polícia deteve Navid Khanjani, amigo e colega da dupla, que deveria ter fugido com eles, mas mudou de ideia no último minuto Com a prisão de Kahjani subiu para oito o número de integrantes do Comitê de Repórteres pelos Direitos Humanos, uma organização independente, que foram detidos, dos quais três continuam na cadeia e podem ser executados.

Na Turquia, os refugiados estão mais seguros, mas vivem num limbo. Quase todos levam pouco dinheiro e não podem trabalhar por causa das restrições turcas, então se amontoam em pequenos apartamentos, aquecidos com carvão e pouca mobília.

Muitos refugiados iranianos esperam que o Alto Comissariado da ONU para Refugiados consiga realocação para eles nos Estados Unidos e na Europa.

A espera pode levar anos, já que a agência de refugiados também lida com casos de milhares de iraquianos que fugiram para a Turquia nos últimos anos.

Iranianos enfrentam dificuldades

Muitos iranianos são instalados em Kayseri e em cidades próximas como Nidge, na região central do país. Como os demais refugiados na Turquia, eles devem morar em algumas cidades designadas pelo Ministério do Interior, devem se reportar regularmente à polícia e pedir permissão das autoridades para se mudarem para outras cidades.

Além do aluguel e outras despesas, cada adulto deve pagar ao governo turco cerca de US$ 200 a cada seis meses para permanecer no país. Se tiver um filho ou for responsável por uma criança, precisa pagar mais US$ 100. O Ministério do Interior da Turquia emitiu uma ordem em março para levantar a taxa de permissão, mas a determinação ainda não foi colocada em prática.

Enquanto isso, os refugiados observam os eventos de seu país, onde centenas de pessoas foram detidas, duas foram executadas e 11 sentenciadas à morte por terem tomado parte em protestos da oposição. Do exílio, alguns tentam manter seu ativismo e alguns tentam se recuperar do trauma.

A ativista política Mahdis, de 35 anos, que já trabalhou para um clérigo dissidente na cidade sagrada de Qom, disse que fugiu do Irã mais de um ano atrás depois de ter sido repetidamente estuprada na prisão. Mahdis concedeu entrevista com a condição de que seu sobrenome não fosse publicado para evitar aborrecimentos.

Quando ela chegou à Turquia, foi novamente estuprada, desta vez por um refugiado iraniano. Ela disse que a polícia não permitiu que ela se transferisse para Kayseri a menos que pagasse os US$ 200, dinheiro que ela não tinha.

“Eu chorava, dizendo ‘eu juro por Deus’, eu não tenho o dinheiro”, relembra Mahdis. Demorou 40 dias para que ela conseguisse o dinheiro, emprestado de outros refugiados. Outro refugiado, Mehrdad Eshghi, foi o cantor oficial da televisão e rádio estatais iraniana, conhecida como Seda va Sima Mas as autoridades questionaram sua lealdade porque ele trabalhou na campanha eleitoral do principal rival do presidente Ahmadinejad, Mir Hossein Mousavi.

Atividades políticas são proibidas

Os dissidentes que deixaram o Irã após a eleição de Mahmoud Ahmadinejad para presidente do país mas quiseram continuar a manter as atividades políticas no exílio, foram impedidos pelas autoridades turcas. O país se recusa também a permitir a realização de eventos para refugiados iranianos alegando que não se pode saber da localização deles.

A Turquia, embora seja aliada dos Estados Unidos, tem fortes ligações com o Irã. Ancara critica os esforços ocidentais para impor novas sanções contra o Irã por causa de seu programa nuclear. O Irã é um importante fornecedor de gás natural para a Turquia e os dois lados trabalham para aumentar as trocas comerciais entre os dois países, que atualmente é de US$ 10 bilhões por ano.

O chefe de polícia de Kayseri disse que as restrições aos iranianos são para sua própria proteção. “Eles são livres aqui”, disse ele, falando em condição de anonimato por causa das regras da polícia. “Mas para sua própria segurança pessoal, eles não podem ser entrevistados por jornalistas.”

Alguns refugiados afirmam que são molestados por agentes da inteligência iraniana em território turco. Trabalhadores pelos direitos humanos dizem que a inteligência iraniana se infiltrou na comunidade de refugiados, o que deu início a um forte clima de suspeita.

Hami Taghavi, um professor universitário de 40 anos que fugiu pouco depois pouco depois que as perseguições tiveram início, disse que ele e sua família tentam evitar outros iranianos. “Não confiamos em outros iranianos. Tomamos o cuidado de encontrar um apartamento onde não houvesse iranianos por perto”, disse ele.

Agora, ele só quer descansar, depois de repetidas prisões no Irã por causa de suas atividades contrárias ao governo, dentre elas aparições regulares em emissoras língua persa da BBC e da Voz da América. Ele disse que foi torturado na cadeia e que agora tem problemas para controlar o movimento de seus braços e pernas.

“Eu acordo durante a noite sentindo como se alguém estivesse chutando meu estômago”, disse Taghavi, que também liderava uma associação independente de professores de oposição no Irã.

Sua mulher, Mehrvash Dadashian, de 35 anos, tinha um blog bastante popular no Irã, que foi fechado. Ela planeja fazer um novo, mas sua principal preocupação agora é a vida da família, incluindo se a filha de seis anos, Yasna, poderá ir para a escola em setembro.

“Eu vivo o presente. Eu não penso sobre o passado ou fico preocupada com o futuro”, disse ela. “É tranquilo aqui.. estávamos acostumados a quase ter um ataque do coração 20 vezes por dia no Irã, a cada fez que eles vinham à nossa porta para nos levar embora”.

Apesar dos obstáculos, a ativista reformista Saadat disse que está determinada a manter seu trabalho político, fazendo campanha pelos direitos das mulheres iranianas e escrevendo para o Comitê de Repórteres pelos Direitos Humanos, uma entidade civil iraniana que luta pelos direitos humanos no país.“Eu não sou uma imigrante. Eu vim para cá para continuar meu trabalho”, disse Saadat. Após meses de repressão, os ativistas pelas reformas no Irã estão todos escondidos, na cadeia ou no exílio, disse ela.

“Quando deixamos nosso país, deixamos para trás todos nosso passado, nossos amores, memórias, o resumo de nossas vidas”.

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