Quando pensamos em hospital, logo lembramos daqueles corredores brancos, do movimento apressado dos jalecos, do cheiro característico de anti-sépticos no ar e um certo clima de esperança e morbidez pairando no ambiente. Agora imagine esse mesmo lugar sendo ocupado por crianças em tratamento? O choque entre um impessoal leito de enfermaria e o próprio quarto cheio de brinquedos pode significar uma lenta e dolorosa recuperação. Obviamente o que interessa para médicos e pacientes é a cura, porém há fatores externos que auxiliam, e muito, na reabilitação dos pequenos, como a idéia de aliar alegria e amor — verdadeiros ‘remédios’ invisíveis que fazem uma visível diferença — aos tratamentos convencionais. No hospital pediátrico Maria Alice Fernandes, Zona Norte de Natal, seguindo a fórmula inventada no final dos anos 1960 pelo médico norte-americano Hunter ‘Patch’ Adams, hoje com 61 anos, criador do conceito ‘médico-palhaço’ e fonte de inspiração para filme “O Amor é Contagioso”, estrelado por Robin Williams, o projeto “Consultório de Palhaços” vem oferecendo novo ânimo aos glóbulos brancos de pacientes-mirins.
Em cartaz a cerca de quatro meses, com patrocínio da SAT Distribuidora de Petróleo e do Governo do RN, através da lei Câmara Cascudo (patrocínio e renúncia fiscal), o Consultório de Palhaços literalmente invade o hospital com muita música, brincadeiras e, claro, palhaçadas. Todas as segunda, quartas e sextas, das 14h às 17h, três atores circulam pelo prédio distribuindo pílulas de alegria a cada um dos internos. “Buscamos a humanização do ambiente hospitalar, e o Consultório de Palhaços vem para completar o que já era uma preocupação aqui no Maria Alice: o bem estar dos pacientes, que antes de tudo são crianças”, observa a coordenadora geral do grupo Mariana Guimarães.
“Teve caso de crianças que só aceitou receber alta depois da visita dos palhaços”, lembra com orgulho a diretora. “Essa estadia involuntária pode agravar o quadro de saúde da criança se não houver um cuidado, um atendimento especial, pois em um hospital há horários e regras que precisam e devem ser seguidas. Por isso vejo o palhaço como uma brecha para a criança ter um pouco mais de autonomia. Ela pode, ou não, se deixar levar pelas brincadeiras”, acredita.
De fato a subjetividade autoexplicativa da presença do palhaço contagia, igualmente, funcionários do hospital e parentes do internos. “É uma brincadeira séria que, com o tempo, as pessoas percebem a importância e a força do projeto”, contou Marcos Martins, diretor artístico e ator com mais de dez anos de experiência nesse tipo de terapia alternativa. “O palhaço é o arquétipo da alegria e os resultados são imediatos”, garante Martins.
Marcos e Mariana, casados na vida real, são do Rio de Janeiro, estão há dois anos no RN e decidiram fixar residência após a participação no espetáculo “Chuva de Bala no País de Mossoró”. Trabalharam na inauguração do Teatro Dix-huit Rosado, também em Mossoró, passaram um ano dando aulas de teatro e foram os responsáveis pela turnê nordestina da conceituada Companhia Armazém de Teatro, do Rio de Janeiro.
A afirmativa também é compartilhada pelos servidores, enfermeiros e médicos do hospital: “Eles são dez! Quando chegam elevam o astral e ganho meu dia, as vezes estamos aqui cheio de problemas e eles trazem alegria. Para as crianças é uma maravilha”, disse Genário Rosa da Silva, 44, que trabalha na lavanderia do Maria Alice Fernandes — Genário tem 27 anos de profissão.
O diretor do hospital, Dr. Paulo Trindade Xavier, principal entusiasta da iniciativa, também dirige o hospital infantil Varela Santiago, na Cidade Alta, onde desenvolve um trabalho semelhante com o projeto “Doutor Palhaço”.
Pais acreditam no apoio à recuperação dos filhos
A aposta do diretor reflete em todos: “Acho que vamos passar um mês por aqui”, disse Maria de Fátima Lima, 25, mãe de Emídio Lopes de Souza Neto, 6, paciente que aguarda a vez para se submeter a uma cirurgia. “Tem vezes que ele (Emídio) vai tomar banho só para ver os palhaços. Sem dúvida acho que deve acelerar a recuperação pois vejo as crianças bem animadas quando os palhaços chegam. Ainda bem que eles (os palhaços) passam em todos os leitos pois tem paciente que não consegue se levantar mas fica ansioso pela visita”, conclui.
Antes de passar em cada leito, os ‘médicos’ do Consultório de Palhaços fazem uma parada estratégica na brinquedoteca. Cantam, dançam, contam piadas, brincam e armam qualquer situação para arrancar um sorriso da turminha que acompanha tudo com atenção. A todo instante, novos pacientes se acomodam na brinquedoteca após vencer os corredores, muitas vezes arrastando suportes com soro. Nem a pouca mobilidade ou o uso de sondas diminui o brilho nos olhos desses pequenos pacientes. Momento emocionante para quem está apenas como mero espectador.
O grupo atende o hospital pediátrico Maria Alice Fernandes com duas equipes de três atores-médicos-palhaços cada. A próxima empreitada da trupe é montar um espetáculo no palco, e Mariana já está em campo em busca de recursos. “Há mais de um ano estou buscando patrocinadores, mas até agora nada!”, lamenta Guimarães, atriz com 12 anos de experiência, que inclusive já atuou como atriz-bailarina na cia Débora Colker.
Serviço
Contato com o Consultório de Palhaços através do telefone 84 8826-7914 (Mariana Guimarães).