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Divina, aos 86

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Michelle Ferret – Repórter

O olhar de menina escondido pelos óculos escuros guardam a experiência de ter vivido mais de meio século dentro do mundo transformador do teatro brasileiro. Irmã de Cacilda Becker, Cleyde Yáconis nunca imaginou ser atriz, “achava tudo aquilo uma grande bobagem”. Seu sonho mesmo era ser médica. Observava a irmã se transformando em outras pessoas e não compreendia a importância e a grandiosidade daquilo. Até que, cinco ou seis anos depois, ela percebeu a vida pulsando forte quando trabalhou como produtora de figurino no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), ainda na década de 40.
Aos 86 anos completados hoje, a atriz Cleyde Yáconis encarna seu 73º personagem em mais de meio século de carreira

Exatamente hoje, quando completa 86 anos, ela faz as contas de quanto já viveu na pele. Foram 72 personagens, sendo 32 em televisão, sete em cinema e 33 no teatro. E acaba de estrear mais um, a escultora Hellen Martins no espetáculo “O Caminho para Meca” que estreou ontem em Natal e segue em cartaz até amanhã no Teatro Alberto Maranhão, às 20h.

Para Cleyde,  Hellen Martins foi uma das personagens mais marcantes de sua vida. Sua história a surpreendeu tanto que a fez aceitar o desafio de estrear o novo espetáculo no ano passado. O processo de construção da personagem durou três densos meses. “Eu não tinha a menor ideia de quem era a escultora. E me fez conhecer de perto uma mulher de visão divina e demoníaca do mundo”, contou Cleyde ao VIVER.

A atriz lembra que 70% de seus personagens foram muito difíceis e de vida complexa, assim como Hellen. “A melhor parte de se fazer teatro é o processo de criação do personagem. É dolorido, doloroso, é apavorante criar, mas o interessante é saber e procurar entender o que está escrito embaixo do texto, o que os personagens nos dizem. É responder, na verdade, o que está por trás da pergunta, o sentido de tudo, a reação da gente, aí é onde está a outra faceta de um personagem”, contou.

“Cada dia mais me recolho em casa”

Entre a conversa sobre Hellen Martins, a importância do teatro e a superficialidade gritante nos palcos brasileiros, Cleyde Yáconis conversou com o VIVER em pleno sol da manhã próximo ao mar, em um hotel da cidade. Ela que mais parece uma menina, se dispôs a falar de sensações e do desejo de recolher-se em sua casa para um possível auto conhecimento. “É isso o que me interessa hoje”.

A senhora tem assistido peças de teatro? Como observa o teatro brasileiro hoje?
Cleide: Assisto pouco. Estou morando em São Paulo, mas cada dia mais me recolho em minha casa. Preciso sentir e pensar sozinha. A importância do teatro é ampla, ela abrange a política, a economia, o social, o cultural. Mas hoje em dia percebo que a dramaturgia brasileira não me satisfaz, é tudo muito superficial. Ficou superficial. É difícil achar textos brasileiros com muitos personagens e complexos. Toda essa superficialidade do teatro hoje tem a ver com a posição econômica e cultural do país. O teatro, infelizmente, não faz parte da rotina dos brasileiros. O divertimento do brasileiro é restaurante.

A senhora acredita numa evolução?
Não. Ao contrário, acredito que cada dia está pior. Tudo é muito limitado. O produtores optam pelo desejo do público, que por sua vez, sempre pede comédia e por aí vai. Cada vez pior e mais superficial. Enquanto devíamos estar evoluindo. Assim é também a música, as artes em geral. Não vejo possibilidade de melhorar. A internet está acabando com a língua portuguesa, tudo é abreviado e se o caminho é esse e o teatro é a palavra… Isso se transmite no cotidiano, na vida, nos relacionamentos, é o reflexo. Tudo está superficial.

E a personagem Hellen Martins te traz a voz para falar dessas angústias atuais?
Todas as personagens quando escolho vivê-las elas tem algo a dizer e algo forte a ser dito. Sou intermediária entre a ideia de alguém e a palavra profunda, essa é a beleza em ser atriz, ser instrumento de uma ideia.

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