Do boi ao livro
Na noite de “seo” Noel passando rápido pelas ladeiras do Barro Vermelho encontrei, na gaveta dos papéis desarrumados, uma carta de Fernando Viana Nobre (30/04/1941-04/04/2017) datada de 15 de abril de 1985. Fernando, engenheiro agrônomo com Mestrado em Produção Animal, professor da UFRN (Centro de Zootecnia da Escola Agrícola de Jundiaí), extensionista rural da Ancar/Emater, consultor e instrutor do Sebrae. Era um batalhador no melhoramento e manejo do gado leiteiro no Rio Grande do Norte. Peagadê na área, com atuação também no criatório de cabras de raças leiteiras. Grande figura. Escreveu assim:
“Prezado Woden Madruga,
Tenho lido, no seu JORNAL de WM comentários sobre o boi, ou melhor, o touro “JAGUNÇO”, que redeu “774 quilos de carcaça”, segundo seu proprietário, Dr. Paulo Bezerra. E 1.290 quilos de peso vivo.
Conheci o “Jagunço” em dezembro último, quando, de passagem por Acari, visitei a fazenda berço daquele “afamado ruminante”. Sinceramente, era um animal de fazer inveja a Limousin, Chianina e etc.; e não estava completamente gordo.
Informaram-me, na fazenda, que era filho do touro “Malabar” com vaca “meio sangue” Holandês/Zebu.
Considerando-se que na formação do antigo e, praticamente, extinto Malabar entraram zebuínos e europeus primitivos, conclui-se que “JAGUNÇO” exprime muito bem a importância dos mestiços euro-indianos para o Nordeste semi-árido, como animais de tripla aptidão: carne, leite e tração.
As explorações de bovinos europeus e zebuínos puros, nas condições, quase sempre, adversas do Nordeste, tendem cada vez mais a servir, principalmente, de suporte à produção de bons mestiços para carne e leite. Aí está o exemplo do bom desempenho produtivo dos mestiços Schwyz/Zebu, no semi-árido, e dos Holandês-Zebu e Simental/Zebu entre outros, no litoral e agreste.
A exploração de raças especializadas para corte, no Nordeste semi-árido (e em muitas áreas do País e do Mundo), vem diminuindo, consideravelmente.
A produção de mais leite só tem consequências benéficas: para o bezerro, que cresce mais; para a família rural, que se alimenta melhor; para o criador que tem mais lucro.
A respeito das competições de eu você fala (juntamente com o Dr. Peri Lamartine) para estimular à retomada da produção, realmente, têm um significado todo especial; e, já, começam a ser realizadas.
Ano passado, a EMATER-RN promoveu (com a colaboração das Prefeituras Municipais e de outros órgãos do Setor Público Agrícola Estadual), o I Torneio Leiteiro da Região de Mossoró. Dele participaram quatorze municípios, com cerca de 250 proprietários de vacas e cabras em produção. Os resultados foram muito positivos e contribuíram no planejamento de evento semelhante, a nível de comunidades rurais em todo o Estado, a realizar-se no decorrer deste ano.
Aqui fica este seu criado, que deseja e reza muito pela pecuária nordestina.
Fernando Viana Nobre “
O escritor Paulo Balá
Jagunço foi o mote da primeira carta que Paulo Bezerra (Paulo Balá) me escreveu, datada de 31 de março de 1985. Nela revelava-se o escritor, que era médico, professor de Medicina e criador de boi. A segunda carta me chegou em maio do mesmo ano. O sertão era o mote permanente e seus escritos uma unanimidade nos aplausos dos leitores. Entrou no time dos nossos melhores prosadores, no mesmo tope de um Oswaldo Lamartine de Faria, seu primo, a quem sucederia na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.
As cartas escritas durante 31 anos (de 1985 a 2016) renderam 5 livros: Cartas dos Sertões do Seridó, Outras Cartas dos Sertões do Seridó, Novas Cartas dos Sertões do Seridó, Cartas dos Sertões do Seridó (4º livro) e Últimas Cartas dos Sertões do Seridó (edição póstuma, publicada em 2018). Paulo Balá faleceu em 21 julho de 2017. Tinha 84 anos.
Publicou também um livro de poesia, Rimas e outros versos vagabundos (2011) e uma plaqueta, Notas de um curioso sobre o Gado Malabar (2010). Em suas páginas está transcrita a carta de Fernando Viana Nobre publicada no Jornal de WM, de 16 de março de 1985, e uma outra de 19 de fevereiro de 1987 com algumas informações sobre o gado Malabar.
A carta de Oswaldo
Em seu segundo livro, Outras cartas dos sertões do Seridó, à guisa de prefácio, Paulo Balá publicou uma carta de Oswaldo Lamartine, escrita à mão:
“Acauã 21/jan/03
Primo das Pinturas
Recebi e agradeço as sementes de craibeira q já estão sendo semeadas nas quebradas da Serra dos Macacos. Chegaram na hora. É q nessa força-da-lua e carregação na nascente o pássaro-goteira já anda ensaiando cantar.
E por falar nisso, como vai o inverno aí nas Pinturas? No sertão velho se dizia q isso de seca era por conta de ter muita gente amancebada. Pois tomem tento mode a terra da gente não se virar numa saara.
Aqui raramente chega jornal. Daí eu lhe pergunto se continua a escrever através de Woden? Se não esbarrar, vá juntando elas e, quando tiver coisa de ½ resma de folhas – cuide de uma ‘Outras Cartas’. Já é tempo. A gente tem q deixar para esses ‘ponta-limpas’ como era o nosso mundo. Deixar o rastro.
Um arrocho do primo amigo
Oswaldo”
Cabugi
Confiro na folhinha: O dia 25 de dezembro também é a data da fundação da Rádio Cabugi, de Natal. Foi no ano de 1954, fundador o senador Georgino Avelino, do PSD. O diretor, Romildo Gurgel, jornalista de muito tutano. O escritório ficava na avenida Rio Branco esquina com a Professor Zuza, onde pegava-se o jipe (fui algumas vezes passageiro) no rumo dos estúdios que funcionavam colados à torre plantada no descampado onde hoje fica a tal da Arena das Dunas que castrou o saudoso Estádio João Machado, o Machadão.
Em 1960 a Cabugi foi adquirida por Aluízio Alves, juntando-se à Tribuna do Norte. Os estúdios funcionavam na Praça Pedro II, no Alecrim, olhando para a Igreja Matriz de São Pedro e as palmeiras imperiais do Colégio das Neves. Depois desceu para o bairro da Ribeira. Hoje, não sei onde está.
Por falar em Tribuna do Norte, ano que vem, 2020, o jornal fundado por Aluízio Alves em 1950 estará fazendo 70 anos. O primeiro número foi impresso no dia 24 de março.