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Do leite aos xeiques

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Rubens Lemos Filho

Nas tardes vazias de público e lotadas de fantasmas persistentes, o velho estádio Juvenal Lamartine é parte do meu acervo sentimental. Sou um velho de alma. Quase todas as noites, íamos, os meninos peladeiros da rua Ezequias Pegado, no Tirol, ver jogos de times de segunda divisão e quinta categoria e dos juvenis e juniores dos filiados à Federação.

Lembro-me bem da companhia de Flávio Tércio de Medeiros, um jardinense do Seridó, primeiros traços de Bebeto tetracampeão a mim apresentados, driblador serial, homem de gols de sem-pulo, de fintas e embaixadas dignas dos filhos dos morros cariocas. Tércio jogava parecido com Bebeto. Há uns 20 anos não o vejo.

Tércio foi o símbolo boleiro da minha rua. Mesmo morando numa transversal, a Amaro Magalhães. Com ele e outro senhor das manobras criativas e gingas, Adriano Didica(era uma dupla que compunha Neruda se o poeta fosse peladeiro  sobre calçamento duro), Henrique Custódio, Alberto, Tuca e Otacílio, o mais velho e infinitamente o mais  presepeiro da minha vida, dominávamos cada canto do campinho naqueles anos 1980, chegando com anistias políticas e de costumes.

Mulher fazer topless, aparecer de nu frontal em cinema e revista, conquistar espaços restritos aos machos (menos trocar pneu de caminhão, soltar bomba-bujão em varanda alheia  e  levantar viga de prédio), representou uma revolução que nós, em plena puberdade, desfrutamos nos aspectos em que você e sua mente possam fantasiar.

Tércio era tão bom que acabou jogando no JL, campeão escolar pelo Salesiano, campeão juvenil pelo Alecrim, recebendo lançamentos de um baixinho monumental: Batista, camisa 10 típico, hoje no sexto mandato de vereador de Jardim de Angicos, antessala da Região Central, a mais seca do Rio Grande do Norte.

No JL, o rei chamava-se Alciney Miranda, volante clássico com andar impoluto de chanceler, de Ministro das Relações Exteriores. Magrinho, criado ali na divisa malandra da Cidade Baixa com o Passo da Pátria, exercia relacionamento superior com a bola: dominava-a, sem se dar ao trabalho de observá-la enquanto estava no seu pé direito ou quando a tomava do incauto adversário. Sem pancada, sem grosseria.

Nossa turma vibrava com seus toques milimétricos, seu jogo de corpo usando o ombro para enganar o marcador que por ele deveria ser vigiado. Lisos, uma convenção de lisos, dividíamos picolés, refrigerantes, sucos e polis, (picolés ensacados), comprados pelas moedas solidárias de nossas mães e de minha avó.

Centavos despejados no Bar de Manoel, abaixo da extinta(crime) arquibancada de madeira. Manoel, primazia da nobreza, nos servia após coçar longamente os países baixos  por cima de uma eterna bermuda marrom. Sem glacê.

Alciney, que víamos às noites e nos modorrentos sábados à tarde, chegou a titular e ídolo do ABC. Foi para Minas Gerais com Nonato, escolhido maior lateral-esquerdo do Cruzeiro. Os dois indicados pelo meu pai, Rubão Lemos, compadre do vice-presidente mineiro Pedro Assunção. 
Alciney reconheceu o gesto a vida inteira. Papai morreu magoadíssimo com Nonato, que atribuiu a um terceiro a atitude que nada rendeu ao meu velho e era recorrente quando por aqui pintava alguém com potencial. Rubão lacrimejava de ingratidão.

Alciney foi ao Sul, ídolo do Joinville, também jogou no Cruzeiro, no Criciúma e foi o melhor do Campeonato Paulista de 1993 em sua posição pela Ferroviária de Araraquara(SP). Formou-se professor de Educação Física. Tornou-se auxiliar técnico leal ao treinador gaúcho Paulo Bonamigo.

Há 10 anos, vive nos Emirados Árabes. Todo ano vem a Natal. Todo ano vem me visitar. Todo ano traz uma camisa do time que trabalha. Parece conservado no formol, aquela substância usada para manter o defunto em forma até descer à tumba.

Alciney, porém, é vida. Acaba de ser campeão dos Emirados Árabes pelo Sharjah, do qual é gerente de futebol. Aos 53 anos,  sobraria de titular no atual time do ABC.  Líder em inteligência, supremacia suave sobre a brutalidade (reduntantemente) burra.

Veio me visitar, não falha.  Fizemos uma resenha. Eu, ele e o mestre Maeterlinck Rêgo, médico do América, escritor e professor de Alciney na faculdade.  Mais de duas horas de papo. Causos de rolar de rir, outros nem tão felizes. Alciney tomava leite quando jogava, nunca bebeu. Nunca quis. Era discriminado pelos outros que hoje sofrem o ostracismo do futebol.

No outro dia, passei e parei em frente ao agora instransponível JL.  Por toda nossa turma de rua e por Alciney, senti o uivo silencioso da meninice, eternidade de calção e sonhos.

A Copa é o América 
Há decisões no domingo para o freguês escolher. Até no grito de final de feira. Tem o futebol feminino ao meio-dia, tem a Copa América às cinco da tarde, mas a copa que vale mesmo é a do América em Riachão do Jacuípe, decidindo a permanência na Série D.

Inadmissível 
Conversei com alguns americanos durante a semana e, em vários semblantes, o indisfarçável estado tenso, angustiado, preocupado. A Jacuipense é isso, a Jacuipense é aquilo. Ora, carambolas!

Clássicos
Nem quero me ater a escalações ou a jogadores do América. Hoje em dia, se algum gaiato trocar de camisa com outro no intervalo, o torcedor nem vai notar, porque futebol mesmo é sofrível. Mas há, nas entranhas centenárias do América, a artéria da tradição.

Sem medo 
O América já enfrentou e ganhou do Bahia, foi Campeão do Nordeste contra o Vitória, deu em Galícia, Fluminense de Feira de Santana e nem o poderoso Antônio Carlos Magalhães lhe metia medo nos tempos de Hélcio Jacaré, Gilson Porto, Marinho Apolônio, Almir, João Daniel, Washington e Ivanildo Nariz de Arara. Com Maeterlinck Rêgo iniciando a saga de médico, de curador e contador de histórias.

Saldanha 
Perguntaram ao jornalista João Saldanha, o João Sem-Medo o que ele achava do futebol feminino. A resposta: “Turfe com o cavalo montado no jóquei”.

Brasil x Peru
Tudo para ser barbada. Até para nos livrarmos de Neymar. Provarmos que podemos jogar sem ele. Mas já perdemos uma Copa América em 1975 para os peruanos. Por 3×1 no Mineirão.

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