Dois dedos de prosa

Quando eu mal conseguia escalar os três batentes da pequena casa na Travessa Padre Calazans, ali atrás da Igreja do Galo, nos idos do bicampeonato brasileiro conquistado com as pernas tortas de Garrincha, eu temia me deparar com uma cobra de duas cabeças. A víbora anfisbena habitava meu imaginário infantil a partir das conversas sertanejas de uma prima que foi mais que uma mãe para mim: Maria José, de Santana do Matos.

Depois surgiram as histórias de lobisomem, narradas por minha mãe e meu pai e adaptadas às fantasias cinematográficas do meu irmão, que durante anos me fez crer que no bando de Lampião tinha um cangaceiro bom de tiro chamado Casaca de Couro. A visão de um lobo mau ou um homem de quatro patas me aterrorizava. Também ouvia com a alma trêmula as narrativas sobre uma mula sem cabeça que perambulava nas madrugadas assustando gente. 

Num tempo em que ninguém imaginaria a influência do Halloween em escolas na cidade de Câmara Cascudo, a imagem do Saci Pererê só deixou de assustar quando Ziraldo o incorporou na turminha da Mata do Fundão. 

Com mais alguns aninhos, vi nas figurinhas de álbuns épicos as imagens da Medusa, aquela mulher de olhos horríveis com serpentes substituindo os cabelos; o Minotauro, um touro chifrudo com corpo de lutador de “telecatch”.

Nada mais estranho para a compreensão de um menino do que um gigante desajeitado com três olhos na cara, o terceiro no meio da testa. Sem falar na dificuldade de entender o nome do bicho: ciclope. E tinha a Mulher Barbada.

Uma vez, o noticiário Galo Informa, na Rádio Poti, provocou alvoroço nos ouvintes e muita conversa entre vizinhos da rua. A notícia de que num outro país havia nascido duas crianças pregadas uma na outra. As xifópagas.

Cheguei a pensar que mamãe e meu irmão praticavam crime quando emendavam uma cédula com Durex, quando entrava rasgada na gaveta do dinheiro das vendas de alfenim. Mas, nota de duas cabeças não era aquilo.

Até meus dez anos, as aberrações das fábulas, da mitologia, do cinema e dos quadrinhos significavam a ilustração de uma possível realidade. Tive amigos que até chegarem na faculdade acreditaram que os ratos viravam morcegos.

Das imagens híbridas que eu vi, a única que nunca me assustou foi o cavalo alado, o Pégaso, que abria duas longas asas e voava pelo infinito. Depois surgiu “Cometa”, o cavalo da Supergirl que virava seu namorado Bill Starr.

Fui apresentado ao Centauro nos filmes de aventuras mitológicas que passavam nos cinemas São José e São Sebastião. Como era a imagem do signo de sagitário, aquele corpo de cavalo e tronco de homem não assustou.

Nos anos 60, em Santos Reis, ouvi sobre a existência de vida noutros planetas. As mulheres de Marte tinham o cabelo vermelho e três peitos. Já as de Júpiter tinham quatro braços, como uma menina que nasceu na Índia, em 2007.

Muito antes do boato de que a Daniella Cicarelli tinha seis dedos num pé, li numa revista (Cruzeiro ou Realidade) a reportagem de uma mulher com seis em cada pé e mão. Em 2011 a polidactilia de uma chinesa entrou no Guiness.

Mas, nenhuma hibridez nesse mundo – quer seja real ou fictícia – foi mais incrível e estranho do que a de duas inglesas, Hazel Jones e Lauren Williams, que nasceram com duas vaginas, como noticiado nos tabloides em 2012.

O fenômeno também repercutiu fora da Inglaterra, fato tão pitoresco que até confundiu nas edições das fotos. Não se falava em fake news ainda para desconfiar. Eu só pensei em dois dedos de prosa sobre um possível “Ponto GG”.

Numa mesma suposta notícia, quatro fake news encangadas: 1. O ministro não pediu demissão; 2. O ministro não está insatisfeito no cargo; 3. Rogério Marinho não foi sondado pro seu lugar; 4. Bolsonaro dá apoio total a Guedes.

Muita gente acreditando na narrativa da grande imprensa sobre uma invasão na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. As mensagens nazistas não podem ser de direitistas, pois a direita é eterna aliada de Israel e das causas judias. 

Um dos gênios da raça faz aniversário hoje, 89 anos. Conhecê-lo e manter anos de contato com ele, trocar figurinhas nos encontros em Natal ou no seu estúdio da Lagoa, no Rio, foi sempre um orgulho. Somos gêmeos zodiacais.

Os dois maiores grupos de personagens da DC, Legião dos Super-Heróis e Liga da Justiça se juntarão em janeiro/2021, como já fizeram nos anos 1960, numa minissérie em seis edições, assinada pelo escritor Brian Michael Bendis. 

Os coroas da banda Deep Purple, uma lenda do rock anos 70, começarão a turnê adiada pela pandemia no dia 6 de novembro, em Lisboa. Enfim, levando as canções do novo álbum “Whoosh!” que teve apoio do Kiss e do Pink Floyd.

Entre os milhares de colaboradores da superprodução do diretor Dennis Villeneuve, aparecem os nomes de três brasileiros nos créditos finais: João Bogossian, Miguel Ramos e Thiago Medeiros, este último filho de potiguares.