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Dois Xarias autênticos

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Ticiano Duarte
escritor

Quando se é menino ou na juventude, como não se sentir eterno diante das descobertas do mundo e da vida? Na contemplação da natureza, no despertar do amor, nos primeiros encantamentos, por que não pensar que tudo é eterno? Ao nascer do dia saudável e tranquilo (como sempre acontece nos anos da juventude), como não pensar que a vida não tem sobressaltos, nem traições, nem mentiras?

Fiz tais digressões depois que tive notícias da morte de dois grandes amigos, da mocidade. Dos tempos do velho Atheneu, das lutas estudantis, da boêmia.

O primeiro que partiu, foi Ademar Rubens de Paula (Ademar Rato Branco), Xarias da melhor linhagem, filho do velho Rubens de Paula, proprietário do famoso restaurante, Cova da Onça, na Ribeira, da história política dos anos 30 e 40, do século passado, famoso reduto dos perrés (militantes do antigo Partido Popular), adversários ferrenhos dos pelabuchos que eram partidários do ex-interventor Mário Câmara e do ex-presidente, João Café Filho.

Ademar Rato Branco foi meu colega de banco escolar, no primário, no colégio Marista, depois no Atheneu. Cursou os dois primeiros anos de Direito, em Alagoas e em seguida transferindo-se para São Paulo, bacharelando-se. Exerceu a advocacia em tempo integral, com talento, ganhando prestígio e atuando com destaque nos meios forenses da grande capital.

Era fiel às suas origens e aos seus inúmeros amigos de geração, os que aqui ficaram e não tiveram coragem, como ele, de enfrentar a luta na grande metrópole, como disse o poeta com relação à sua terra: “Do nascimento à morte, os que moram aqui andam sempre cobertos por leve mortalha de mormaço e salsugem… mesmo os que se amam nesta terra de ódios, são sempre separados pela brisa”… Digo eu, que semeia um cheiro permanente de maresia, uma sensação forte que jamais permite esquecer do vento e da luz do sol incandescente.

Outro grande amigo partiu – Valtercio Bandeira de Melo. Meu líder estudantil, meu companheiro de Grande Ponto, de grandes momentos de solidariedade. Magistrado exemplar, pela conduta imparcial e correta. Inteligente, culto, conhecia os clássicos da literatura e do direito. Jornalista, na mocidade, atuando na redação de “A República”, órgão oficial por onde passaram várias gerações – escola de jornalismo. Foi lá que o conheci, final dos anos 40 e inicio dos anos 50.

Valtercio tinha um texto enxuto. Não deixou nada publicado, porque era modesto e rigoroso com ele mesmo. Ironizava a mediocridade, as figuras acacianas da cidade, criava apelidos, era critico à maneira de um Agripino Grieco, satirizando medalhões, insolváveis e incuráveis. Saudades de Valtercio, que visitei poucos dias antes de sua morte, chorando de saudades de Ana Lelia, sua grande companheira, também recentemente falecida.

Não pude assistir ao seu enterro, sua viajem ao branco oceano de mortes, seu último percurso, ele que era tão apegado ao chão de Natal, à sua muralha de combatente, um Xarias duro, que não se rendia facilmente.

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