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É preciso reinventar a Educação

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Sara Vasconcelos
repórter

Reconstruir o modelo nacional de educação e reinventar o modelo Paulo Freire. São esses os grandes desafios para uma educação democrática no Brasil, de acordo com o professor de Ciências Sociais e Educação Comparada na Universidade de Los Angeles (UCLA), Carlos Alberto Torres, fundador do Instituto Paulo Freire no Brasil, Argentina e Los Angeles. O argentino, que foi assessor de Paulo Freire na secretaria de educação de São Paulo voltou a Angicos, na última sexta-feira, para reencontrar antigos moradores alfabetizados pela experiência pioneira e conhecida mundialmente: o Método Paulo Freire, em 1962, durante o governo de Aluizio Alves. O modelo de ensino-aprendizagem a partir do conhecimento da turma de 300 agricultores revolucionou e quebrou o paradigma usado nas escolas brasileiras. A maior contribuição, “que permanece viva nas famílias de Angicos” é a educação como meio de construção política da cidadania. “A educação não pode ser jamais um fenômeno político, no sentido de lutas político-partidárias, pois a educação é um fenômeno político pedagógico”, defende. Em setembro de 2013, serão comemorados 50 anos. Confira a entrevista.

Como foi o encontro com os ex-alunos da turma pioneira do Método Paulo Freire, em Angicos?

Senti que o passado ainda vive. Estive com mulheres alfabetizadas com o método Paulo Freire e isto há de se celebrar. Celebrar o que foi bom, foi possível, o que pode ser um elemento importante para a construção de um futuro. Senti um enorme prazer, enquanto acadêmico especializado em educação comparada, que viajo por todo o mundo, estar em Angicos. Lá, eu vi um compromisso com a educação que me impressionou bastante. Angicos não está no coração das lutas políticas pela educação, mas foi e é simbólico por estar em condições de reconstruir o passado a partir de reinventar o futuro. Em 1991, na Universidade de Los Angeles, quando eu e o Moacyr Gardot, sugerimos ao Paulo Freire a criação do Instituto Paulo Freire (criado em novembro daquele ano, em São Paulo), ele disse: “eu não quero que criem um Instituto para repetir-me. Um instituto como uma igreja, para que as pessoas venham postular o Paulo Freire, mas que me reinventem”. E o que eu senti, em Angicos, é que a reinvenção do Paulo Freire estava começando.

E como seria reinventar Paulo Freire?

A reinvenção não é só do método. O Modelo Paulo Freire ultrapassa o método, é todo um projeto político-pedagógico vinculado a uma epistemologia, uma nova maneira de entender a educação, vinculado a uma crítica muito profunda da educação básica. Reinventar Paulo Freire implica entender todo o projeto e buscar as soluções locais, estatais, e nacionais. Uma reconstrução da gestão pública, do modelo ensino aprendizagem.

E que bases se dá essa reformulação?

Em muitas bases. O primeiro passo é rever os grandes fundamentos político-pedagógicos do Paulo Freire. Esses fundamentos são de defesa do público, defesa do diálogo como mecanismo de aprendizagem de ensino, de defesa da imagem do bem comum. A textura da sociedade está fundada no bem comum, que supera os interesses individuais.

Qual o modelo ideal de educação pública?

Acredito que o modelo de educação pública deve ser o modelo de educação popular. Um modelo que reproduza, o que o povo quer e tem para falar, os desejos e necessidades, os objetivos e tradição do povo, o público (no sentido da instância pública) deve ser do popular (próprio do povo). Paulo Freire defendia não só a educação mais popular, mas o conhecimento cientifico. O encontro do público e do popular num diálogo dialético.

Como promover a junção do sistema público de educação a partir do conhecimento popular?

Primeiro escutando e depois falando. O governante, responsável por fazer o público, tem que saber escutar para saber falar. É isso que o grande governante faz. Segundo, aceitar que o povo tem conhecimento. Esse conhecimento pode ser organizado, pode ser simplista, ou não. Então, tudo o que um governo e os intelectuais públicos precisam fazer é recolher esse conhecimento que é expressado na sociedade, o organizar e o devolver para o povo. Para que o povo veja, assim como em um espelho, o seu próprio pensamento. Essa é uma tarefa fundamental.

Como o senhor avalia o sistema de educação brasileiro?

O sistema de educação brasileiro hoje é definido nos termos de um sistema pulverizado, onde a educação básica está nas mãos dos municípios, a educação secundária cabe parte aos municípios e parte ao Estado, e a educação superior ao nível federal. E precisa que seja um sistema de educação pública integrado.

Isso requer maiores investimentos?

O Brasil tem um investimento muito superior a boa parte, se não todos os países da América Latina, nesse sentido vai em um bom caminho. A articulação de interesses no Brasil é muito complicada isso tem que a ver com a discussão da globalização. Há uma dialética entre o local e o global.

Como a globalização interfere no processo da construção política do cidadão, por meio da educação?

Curiosamente na América Latina não há guerras civis, não há crises econômicas, como nos Estados Unidos e na Europa; não há governos autoritários. Estamos no melhor momento. Há governantes que respondem em grande medida ao desejo do povo, governantes que foram eleitos democraticamente.  Nesse contexto, surge a possibilidade de articular um modelo de sistema de educação popular, com acompanhamento da destinação de recursos que já são altos. Ainda há, em algumas partes do Brasil, um modelo institucional muito personalizado, presos a forças políticas locais, o que gera uma luta política prejudicial a educação. A educação não pode ser jamais um fenômeno político, no sentido de lutas político-partidárias, pois a educação é um fenômeno político pedagógico.

Nos últimos anos, houve um investimento maciço na ampliação do ensino superior, mas o mesmo não ocorreu na educação de base. Quais as consequências disso?

De fato, houve um abandono por parte dos governos. Essa divisão existente hoje no Brasil não pode desconsiderar que há cidades mais ricas, como em São Paulo, e mais pobres, como muitas no Piauí, e exigir o mesmo nível de investimento e qualidade na educação. Deve existir um modelo único. Um plano nacional para a destinação de recursos, a qualificação de pessoal, a articulação política de forma igualitária, que gere um sistema para elevar o nível em todo o país e não puxar os índices para baixo. A democracia é um modelo social e não se articula simplesmente baixando a condição de todos para igualar. E sim, elevando. A educação democratizada é de acesso igualitário e de boa qualidade, para a construção de cidadania e desenvolvimento do país. No Brasil, onde há a diferença de riqueza entre os municípios, os estados, fica a pergunta: qual é a real imagem da educação brasileira? É a de São Paulo ou a do Piauí? Essa distinção é um problema.

Muito se fala de a má qualidade do ensino está vinculada a desvalorização do professor, com salários baixos e más condições de trabalho. Até que ponto isso é verdade?

Isso influencia completamente no resultado final. Mas o problema não é só a remuneração. O neoliberalismo impulsionou uma crítica ao professor como o responsável pela falência da escola. Encontraram um culpado, a quem delegam a culpa continuamente. Todos sabem que os salários devem ser melhores, mas a luta deve ser para melhorar o recurso humano. A luta do professor dentro da trincheira do cotidiano é terrível. Não se sentem apoiados, representados, se sim sozinhos. E  agora estão em frente a jovens que usam computadores e tem que manter um critério de autoridade, sabendo que eles têm toda informação da internet na ponta dos dedos. Como faz o professor nessa situação? Esse professor precisa de maior preparação, qualificação, para evitar autoritarismo nas escolas, má qualidade do ensino, para evitar professores desencantados com a profissão. A enfermidade profissional é muito forte e muitos acabam abandonando.

Quais os projetos para a homenagem pelos 50 anos do Método Paulo Freire em Angicos?

Vou debater esse conjunto de projetos com a governadora Rosalba Ciarlini. Paulo Freire foi muito importante não só pelo seu método, mas pela construção de cidadãos e justamente com isso rompeu com a ditadura, que evitava a construção da cidadania brasileira. Agora o Brasil tem o modelo de respeito ao povo e da sociedade e que é bom para a economia. Precisa de um modelo de educação pública e popular capaz de absorver os dilemas da educação brasileira, articulado em todas as esferas de governo,  que resgate o método do Paulo Freire, o patrono da educação brasileiro.

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