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“É preciso ter um posicionamento de longo prazo”

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Renata Moura – Editora de economia

Com belezas naturais de encher os olhos e uma das melhores redes hoteleiras do Brasil, o Rio Grande do Norte esteve em meados desta década no que poderia ser chamado de céu para o turismo internacional no Nordeste. O estado, que pouco se destacava no início dos anos 2000 no setor, despontou em 2006 e se manteve até 2007 como a segunda principal porta de entrada dos estrangeiros na região, atrás somente da Bahia. Chegou a receber mais de 100 mil turistas por ano, no período. Mas a sorte virou. E os estrangeiros debandam em escala crescente desde então. Para se ter ideia do cenário, o estado passou de segundo principal destino para apenas quarto na região. Em 2010 recebeu menos da metade dos estrangeiros que foram ao Ceará e metade dos que estiveram em Pernambuco. O fluxo não chegou a 47 mil, no ano. “Há que se considerar aspectos como as crises em países europeus e a descoberta de outros destinos no Brasil”, observa a consultora, presidente do Conselho de Turismo e Negócios da Fecomercio São Paulo e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), Jeanine Pires.

“Mas o estado precisa ter um posicionamento estratégico de longo prazo e dar continuidade a políticas públicas”, defende ainda. À frente da Embratur –  autarquia especial do Ministério do Turismo responsável por promover o Brasil no exterior – ela acompanhou de perto os altos e baixos do Rio Grande do Norte e não tem dúvidas de que, para voltar ao radar do mercado internacional, o estado precisa de uma estratégia que inclua estudos no setor, investimentos em infraestrutura, em qualidade dos serviços e promoção do destino. Essa e outras análises, que faz a seguir, ela deverá aprofundar na próxima terça-feira (27), em palestra no 3º Fórum de Turismo do RN, no Centro de Convenções de Natal. Jeanine é professora, formada em história, e tem pós graduação em ciências sociais e economia do turismo. Na palestra, ela vai falar sobre o cenário global e nacional do turismo, sobre tendências do setor e, principalmente, irá mostrar como diversos fatores podem influenciar o ritmo do desenvolvimento da atividade no RN e trazer sugestões para reposicioná-lo no mercado. Pistas do que irá expor você confere a seguir:

Você ficou á frente da Embratur, como presidente, entre 2006 e 2010. Nesse período, o Rio Grande do Norte atingiu o ápice do turismo internacional, mas logo foi ultrapassado por vizinhos como Ceará e Pernambuco. O estado errou muito ou os concorrentes acertaram mais?

Fui diretora da Embratur entre 2003 e 2006 e depois fui presidente até 2010. Antes disso, também acompanhei os primeiros movimentos do Nordeste para a abertura aos vôos internacionais. Uma análise sobre o fluxo de visitantes ao RN poderia abordar diversos aspectos, mas entendo que o acesso aéreo é o ponto de partida para entender de forma abrangente esse cenário. O aumento dos fluxos se deu com a descoberta de operadoras portuguesas e depois de outros países com os vôos charters, que viabilizou a chegada do vôo regular da TAP como centro de distribuição na Europa. Uma vez aberto esse canal regular, e a existência de alguns charters mais esporádicos, criou-se uma ligação mais perene com os mercados emissores. Há que se considerar aspectos como as crises em países europeus, a descoberta de outros destinos no Brasil, a inovação e promoção da oferta de produtos e ainda as alterações naturais por que passam os destinos. A comparação com o Ceará e Pernambuco exige entender também a realidade daqueles estados, que também passa por investimentos em negócios ou a oferta de novos produtos, por exemplo. Não tenho dados para analisar erros ou acertos dos estados, é preciso entender como o comportamento de viajantes estrangeiros se modifica, quais as mudanças ocorridas no destino em termos de produto e a política de promoção internacional para uma análise mais detalhada.

Jeanine Pires - Consultora e ex-presidente da EmbraturUm levantamento publicado recentemente pelo Valor Econômico mostra que o Rio Grande do Norte foi o estado nordestino que menos investiu recursos públicos em turismo, em 2010. Ao todo, o estado destinou R$ 30,49 milhões ao setor. Enquanto o Ceará, estado brasileiro que mais investiu, gastou R$ 307,84 milhões. O nível de investimentos no setor, abaixo dos vizinhos, seria o grande culpado pela desaceleração do turismo?

Pelos dados apresentados, imagino que estejam incluídos diversos tipos de gastos, desde infra-estrutura, qualificação até promoção. Certamente o retorno que o setor agrega à economia local com os gastos dos visitantes é proporcional ao investimento em diversos aspectos. Turismo significa empregos, entrada de divisas, impactos no PIB, e isso traz fortes transformações sociais e econômicas para regiões e destinos. Existe uma teoria desenvolvida por um pesquisador chamado Plog, que diz existir curvas cíclicas no ritmo de vida de destinos turísticos, com períodos de descoberta e crescimento e depois um equilíbrio ou declínio dos fluxos causados pela popularização do lugar. Da mesma forma, cada estado tem realidades e necessidades diferentes. Seria preciso uma análise mais profunda para entender a realidade do RN e poder comparar com outros estados, de qualquer maneira, os dados de investimentos.

Representantes do setor repetem como um mantra que falta uma política mais agressiva de divulgação do RN. Você concorda?

Sempre será necessário uma maior promoção dos destinos. O que precisamos avaliar é qual a qualidade e o tipo de promoção que é feita. Quais os recursos, onde eles são aplicados, e quais as ferramentas utilizadas. Por exemplo, ano passado, na pesquisa da Embratur sobre a forma de decisão das viagens dos estrangeiros, a internet superou a indicação de amigos e parentes para escolher o Brasil. Nesse caso, as grandes mudanças por que passam o comportamento dos turistas exigem uma total reformulação dos mecanismos de promoção, utilizando as redes sociais e a tecnologia para atingir diversos públicos. Como não tenho conhecimento sobre o trabalho promocional do RN atual, não posso avaliar, mas posso afirmar que todos os destinos sempre vão precisar de mais promoção. Talvez a pergunta que devemos nos fazer nesse momento é: como a oportunidade de ser uma sede dos jogos do Mundial de 2014 está sendo preparada para que visitantes e, sobretudo, jornalistas conheçam melhor as possibilidades de experiência turística no RN. Quais as mensagens serão passadas aos meios de comunicação no Brasil e no exterior ? Que imagens, vídeos e conteúdo existe para que a imprensa possa aproveitar para contribuir com essa “campanha gratuita” que acontecerá ?

O estado tem sol, mar e bons hotéis. Só a divulgação desses “atributos” seria suficiente para reposicioná-lo como destino ou é preciso ir além disso?

O turismo mudou muito nos últimos anos. Além de todos os atributos obrigatórios, um destino precisa se diferenciar de seus competidores, mostrar quais são seus valores únicos e que tipo de experiência pode ser vivida. Melhoria de produtos, serviços, infra-estrutura; a qualificação de pessoas, ações de comunicação, de relações públicas e muitas variáveis precisam estar sempre sendo atualizadas, revistas e pensadas de forma a posicionar o destino, mostrar mensagens permanentes e cuidar de segmentos e nichos.

Como o RN pode se reposicionar?

É preciso passar por três etapas: a primeira é um diagnóstico da situação atual. Ouvir o que pensam os turistas que conhecem o RN e aqueles que nunca vieram, para entender sua visão da experiência e a imagem no imaginário das pessoas. Entender, por parte dos operadores de turismo e dos distribuidores on-line, como o produto é vendido, quais seus maiores atributos, seus competidores. Ouvir todos os atores locais, empresários, gestores, membros de entidades e organizações da sociedade civil, para entender sua visão sobre todos os aspectos ligados aos produtos oferecidos, os interlocutores de mercado e as ações promocionais. Depois, é preciso ter um posicionamento estratégico de longo prazo, até 2025, por exemplo, colocando metas e objetivos a construir. Aqui entra um tema importante: a continuidade de políticas públicas. Se você faz um processo com pesquisas, ouvindo todos os atores e estabelecendo um pacto de longo prazo, é possível unificar ações em torno de uma visão comum, que seja maior do que gestões públicas ou privadas. O terceiro passo é a realização de um Plano Operacional de marketing. Onde produtos do RN serão posicionados e promovidos em determinados mercados prioritários por meio de diversas ferramentas de comunicação e promoção. Ainda fundamental é investir de forma permanente em pesquisas e estudos, que ajudam a orientar investimentos privados, direcionar investimentos públicos em promoção e ainda oferecem indicadores para medir a eficácia das ações de promoção.

Quando assumiu o conselho de turismo na Fecomercio você disse, em entrevista sobre o Brasil, que ter apenas belezas naturais, uma cultura atrativa e uma boa rede hoteleira não bastava. Que era preciso estar à altura das exigências dos viajantes mais experientes, dos viajantes de negócios. Essa mesma tese se aplicaria a destinos como RN?

Isso se aplica a qualquer destino. Um “mix” de clientes é fundamental. Além de qualidade, o que envolve todos os atores públicos e privados, é preciso que sejamos mais competitivos, porque quem viaja ao Brasil compara nossos hotéis, restaurantes, museus, belezas naturais, limpeza, transportes e tantos itens com outros destinos. Mas isso vai além. A pessoa quer viver uma experiência diferente, e isso está ligado à principal motivação de sua viagem, se vier passar férias com a família ou em lua de mel; se vier a um evento ou a negócios; e assim por diante. No caso de Natal, por exemplo, percebe-se uma grande sazonalidade no turismo, as taxas de ocupação informadas pela CTI – Nordeste são muito baixas. Nesse caso, além de produtos e lugares “além sol e praia” é fundamental uma política de captação de eventos.

A Copa é apontada como “salvação da lavoura” para diversos setores. E para o turismo, no caso de destinos como o RN, terá realmente esse papel?

Não acredito que a Copa do Mundo seja a solução de todos os problemas, acredito que é uma oportunidade que não deverá voltar pelo menos nos próximos 20 ou 30 anos. Existem duas coisas: realizar um evento de sucesso, e isso implica no cumprimento dos compromissos assumidos com a FIFA. E a outra é olhar para as oportunidades para o turismo. Aproveitar que existe o evento para acelerar melhorias de infra-estrutura, qualificar pessoas, melhorar serviços, atrair investimentos turísticos e, sobretudo, aproveitar a exposição de mídia para enviar mensagens claras e substanciais para o Brasil e para o mundo. Creio que o Nordeste, com quatro cidades-sede, deve elaborar de forma organizada roteiros integrados para oferecer aos visitantes no intervalo dos jogos ou para depois do evento. Essa é uma grande oportunidade que só irá acontecer se existirem ações rápidas e eficazes.

O turismo está preparado para a Copa?

Existem muitas atividades em andamento, pessoas sendo qualificadas, hotéis sendo construídos ou reformados. Roteiros sendo elaborados. Cada cidade tem diferentes desafios, mas sinto que as pessoas do setor de turismo estão mobilizadas e atuando de forma focada. E ainda é importante lembrar que muitos temas irão persistir depois da Copa, por isso a necessidade de um plano de longo prazo. Na verdade, é mais importante pensar em depois da Copa, porque para o período do evento, os serviços turísticos já serão utilizados.

O que conspira a favor e quais são os gargalos do setor?

O principal tema a ser enfrentado é o da qualidade. Precisamos ser muito mais competitivos, tanto na prestação de serviços privados como públicos. Precisamos atribuir mais investimentos à infra-estrutura e à promoção. E sinto que a pauta do desenvolvimento sustentável ainda precisa de muitos esforços no país que tem na natureza seu maior ativo e fator competitivo.

A crise que ainda afeta a Europa continua sendo entrave ao setor?

Não considero um entrave, mas um tema a acompanhar e enfrentar. Pode haver diminuição de fluxos de alguns países e será preciso diversificar o tipo de mercado para conquistar novos clientes de regiões como a América Latina ou mesmo da Ásia num futuro próximo. Talvez a relação entre quanto se paga para vir ao Brasil e a qualidade dos produtos e serviços que oferecemos deva ser o ponto de análise para justificar o valor atribuído ao nosso destino.

O mercado interno despontou nos últimos anos como um grande filão. Os brasileiros estão melhorando de vida, viajando mais e consumindo mais. Qual é o peso desse mercado hoje para o turismo?

Esse é o principal cliente do Brasil, o brasileiro. Entre 85 e 90% dos clientes são de nosso país e precisamos também conquistá-los e mostrar a grande diversidade do Brasil. Criar a cultura da viagem, aumentar os viajantes a eventos, produtos para melhor idade, para jovens ou nichos de ecoturismo e aventura, são algumas oportunidades a aproveitar. Acredito que irá ainda aumentar e mudar o perfil do brasileiro que viaja, porque existe mais inclusão social, as pessoas estão começando a ter mais acesso a bens de consumo básicos e depois disso irão perceber que viajar não é luxo, é um direito.

No caso do RN, esse mercado, sozinho, pode sustentar o turismo ou é preciso recobrar o peso do turismo internacional?

Sempre é importante ter os dois, com seus devidos pesos e diferentes estratégias. A grande vantagem do estrangeiro é que seu gasto traz divisas, é uma atividade de exportação, o que traz muito mais impactos na economia, na geração de empregos e nos investimentos locais.

Analistas preveem para este ano baixo crescimento econômico e para atividades como indústria. E no caso do turismo, o que esperar?

No mundo se espera um crescimento mais moderado que ano passado. No caso do Brasil, que cresceu mais de três vezes a média mundial, deve acontecer o mesmo. Vamos continuar crescendo acima da média mundial, mas num ritmo um pouco menor que em 2011. No caso do RN, deve seguir o ritmo do Nordeste. Um pesquisa de sondagem do Ministério de Turismo sobre a intenção dos brasileiros em viajar entre janeiro e junho de 2012 mostra que 49% das pessoas escolheriam o Nordeste para viagem, o que significa ter praticamente a metade das intenções de viagens domésticas de todo o país.

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