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E se houvesse misericórdia?

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Públio José – Jornalista

Misericórdia é um termo composto em sua raiz pela soma das palavras miseri, relacionada a miséria, pobreza, aflição, desespero, e córdia, relacionada a coração no sentido de matriz geradora de nossos sentimentos. A junção, então, compôs o termo misericórdia que, em última análise, representa o domínio, a prevalência dos bons sentimentos em relação aos sentimentos negativos, e também lastro para a compreensão das situações aflitivas vividas pelos outros. A misericórdia também significa o ato de tratar um ofensor, um transgressor com menor rigor do que este merece. Atualmente, muitos conceitos existem em torno do termo, mas, indiscutivelmente, nenhum deles se afasta desse eixo central que trata a misericórdia como um sentimento nobre, desprovido da presença do egoísmo, do individualismo, e forte aliado da bondade, da benignidade, da compaixão, da paciência – do amor enfim, de onde sobrevém todos os outros.

Segundo os dicionários atuais, misericórdia significa compaixão suscitada pela miséria, pela dor alheia. Trata-se do ato de não aplicar um castigo merecido, mas também envolve a idéia de dar a alguém algo que este não merece. Aponta ainda para o ato de aliviar o sofrimento de outrem, inteiramente à parte da questão do mérito pessoal de quem recebe. A misericórdia, enfim, é um gesto que parte de alguém em estado de amor para com outra pessoa, com a particularidade de que o favorecido encontra-se, naquele momento, desprovido da condição de exigir, de propor uma troca – já que nada tem a oferecer. O misericordioso tem o que o outro precisa, enquanto o necessitado nada tem para justificar o bem recebido. A misericórdia se resume, portanto, a um sentimento altamente valioso do ponto de vista cristão, qualidade espiritual que procura aliviar o sentimento humano e retém, por conta disso, a vingança e os atos de retaliação.

E é precisamente esse ponto que gostaríamos de ressaltar. Pois a falta de misericórdia no coração dos homens gera todo tipo de sentimento de revolta, de revanche, de sanha vingativa naquele que busca no outro um gesto compassivo e recebe, de volta, e demonstra firme, crua, dura da insensibilidade. O mundo de hoje, com a obrigatoriedade do ganhar, do ter, realidade que coloca as pessoas na trilha da exaltação ao individualismo, tem contribuído para a eclosão constante de situações de conflito, de injustiças. Estas, por sua vez, têm originado, de um lado, uma geração de pessoas marcadas pela dor, pela desesperança, pela desilusão, e, de outro, uma geração árida de sentimentos, seca, desconectada, e alheia às necessidades e carências dos mais necessitados. É indiscutível, então, a conclusão de que misericórdia é sentimento a se cultivar incessantemente como forma de ajuda aos outros, mas também para preservação de nossa qualidade de vida.

Segundo Bultmann, estudioso cristão, “tem razão quem conceitua a misericórdia como a qualidade da fidelidade na ajuda”. É a postura, enfim, de quem se mantém fiel aos seus princípios, independente do ganho que, porventura, possa auferir. Nesse sentido, ninguém é mais misericordioso do que Deus. Ele, através de Jesus, ministra sobre nós, a todo instante, a sua capacidade infinita de nos entender, de nos compreender, de nos perdoar. E isso é misericórdia pura. Ah, se o homem entendesse os propósitos de Deus e estivesse de coração sempre aberto para receber – e agir a favor do outro em misericórdia! Com certeza o mundo não seria o mesmo. Pois, se houvesse misericórdia em nossas ações, o dinheiro público não seria desviado para outros fins e o leite das crianças jamais serviria a outros objetivos que não o de alimentá-las. Ah, pobres crianças! Aliás, para estes que agem assim, só a misericórdia de Deus é o que nos resta pedir.

Madrugada na estrada

Mons. Lucas Batista NetoCoordenador do Ensino Religioso no Estado do RN e Guardião do Eremitério Santo Lenho

Levantei-me, hoje, uns dez minutos atrasados. Os cistercienses mantêm-se o mais possível próximos do horário idealizado por São Bento.

Levantam-se às duas horas ou às duas horas e quinze minutos da madrugada e iniciam logo o Canto das Vigílias ou matinas, seguidas de meia hora de meditação e do ofício das laudes (cf. A vida silenciosa, Thomas Merton. Ed. Vozes, pág. 113).

Inicio às cinco horas e dez minutos, vindo de Ponta Negra ao Eremitério. É uma distância de dezenove quilômetros. Faz-se num tempo de vinte minutos. Como ainda é cedo o trânsito não é tão intenso. Mesmo assim, pode-se perceber o egoísmo humano. Venho pela BR-101. Na direção de João Pessoa, há três pistas. Aprendi que a pista da direita é trafegada por carros mais lentos e pesados. A pista do centro para quem desenvolve mais velocidade. A pista da esquerda para quem quer ultrapassar e avançar com maior rapidez.

Pois bem, logo cedo, na estrada, venho fazendo a minha reflexão e até meu julgamento. Não há muitos carros, mas tenho que aguardar em baixa velocidade, porque à direita vai um ônibus; na pista do centro, uma carreta e na esquerda um caminhão baú. Todos emparelhados. Tenho ou não tenho razão?

Onde está o sentido do outro? Cada um só pensa em si! Nesse quadro, na estrada, chego a conclusão que é muito difícil se colocar em prática a fraternidade. Porque cada motorista só vê o seu caminho, a sua estrada e não abre mão para o outro passar. Mesmo assim dirijo com paciência. Tenho vontade de mandar parar e pedir para fazermos junto uma reflexão e viajarmos com propósitos de caridade. Mas, aí, o transtorno seria maior. Prefiro aguardar e devagar, sempre avançar.

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