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ECA: 16 anos de lutas e desafios

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LEI - Após 16 anos da criação do ECA, crianças ainda vivem situações de risco

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa hoje 16 anos de sua criação. Sob diversos pontos, em todo o Brasil, a lei marca um avanço e desenvolvimento nos cuidados com a infância. Entretanto, ainda restam muitos desafios e discussões para implementar a situação de segurança, conforto e todos os direitos gravados na legislação.

Durante estes anos, diversos pontos que devem ser assegurados, de acordo com o ECA, têm sido construídos e tomados como fontes de crescimento, em especial no tratamento da criança como um ser de direito e não apenas como objeto de intervenção. Os Conselhos Tutelares, Conselhos de Direito, Promotores e Juizes especializados, delegacias para adolescentes infratores e crianças vítimas de violência são órgãos que hoje cuidam unicamente dos direitos de crianças e adolescentes.

Porém, estas mudanças não chegam ao que se exige e ainda faltam políticas públicas para assegurar os direitos da criança e do adolescente. O juiz da Vara da Infância, José Dantas, enumera, por exemplo, a falta de prioridade sobre a municipalização do atendimento do menor infrator  no RN. “Apesar de que há 16 anos isto está assegurado pelo ECA, falta vontade política para que os municípios assumam a responsabilidade com este trabalho”, diz ele.

Um dos problemas, com isso, se percebe pela necessidade da transferência para a capital de jovens infratores do interior. “As punições para jovens infratores são tidas como um sistema com articulação de órgãos que priorizam o trabalho de reeducação e socialização de jovens que sofrem problemas, traumas e desestruturação familiar, mas dentro de seu ambiente”. A privação de liberdade para estes jovens deve ser tomada não só como uma punição, mas como um programa que pretende reintegrá-los socialmente.

Para o promotor de Justiça da Criança e do Adolescente, Manoel Onofre, a adolescência é um período normal de conflito, que deve ser tratada de forma especial e a maneira como se lida com ela determina o crescimento do indivíduo. O juiz José Dantas relata que a Justiça não vem baixando a guarda e busca cobrar pesadamente sobre todos os aspectos do ECA. O juiz completa que cerca de 60% dos jovens em liberdade assistida e 100% dos jovens em privação de liberdade já tiveram algum contato com drogas ilícitas.

Não existe, entretanto, nenhum programa no Estado para acompanhar estes jovens, com exceção do Criade, da Vara da Infância de Natal, que atende as crianças usuárias de drogas. Além disso, 92% delas possuem famílias desestruturadas que sequer recebem um salário mínimo como fonte de renda. Apesar de que o Estatuto, em seus 16 anos de existência, busca a melhoria na vida dos jovens, apenas a ordem escrita não determina desenvolvimento. De acordo com o próprio ECA, a maior determinante na vida da criança é a família em primeiro lugar, seguido pela sociedade e pelo Poder Público.

“Todo desenvolvimento da criança é dever dos pais acompanhar”, diz o promotor Manoel Onofre. Porém, o modelo do ECA determina um sistema de proteção da criança e do adolescente que deve executar um trabalho conjunto com inúmeros órgãos que têm uma formação completamente diferente. O maior desafio é, portanto, reunir os três determinantes para um desenvolvimento salutar da criança e todos estes órgãos.

“Desde a criação do ECA, os cuidados com a criança passaram por grande evolução, mas o importante é que não existe solução para os diversos problemas se não for feito um trabalho articulado”, afirma o promotor. Ele cita que de acordo com a observação acerca dos casos que já passaram por ele, todos envolvem crianças com problemas econômicos, sociais e outros. Por fim, a maior parte do trabalho que se realiza não é na prevenção – foco principal do ECA. A convivência com a família e comunidade, acesso à saúde e educação são alguns dos preceitos para a dignidade da criança. O desrespeito é a sentença para que o jovem permaneça à margem social, com bases na legislação.

Faltam políticas públicas no Estado

Um outro ponto que atualmente entrou em discussão em todo o país gira em torno da implantação do Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo (Sinase). O Sistema é uma iniciativa que prevê o reeordenamento da execução de medidas sócio-educativas para menores infratores. Uma das principais discussões acerca disto diz respeito à união entre órgãos estaduais, municipais, Poder Judiciário, Ministério Público e outros. Para o juiz José Dantas, ao mesmo tempo que tem havido uma busca para tanto, o trabalho conjunto ainda é uma tarefa árdua.

“Parcerias vêm sendo formadas, mas faltam políticas públicas para que se efetive o trabalho ideal e regulamentado pelo ECA”, diz José Dantas. De acordo com o promotor de Justiça da Criança e Adolescente, Manoel Onofre, nos últimos 16 anos, houve muitos avanços, mas os desafios são ainda muito maiores. Ele cita como exemplo a criação dos Conselhos Tutelares, que deveriam existir desde 1990, entretanto, até 2003 apenas 39 tinham sido criados. “Neste período foi feito um grande trabalho com vários poderes em audiências públicas em diferentes comunidades e a partir de então o número de Conselhos aumentou, hoje chegando a 154”, afirma ele.

Cada cidade deve possuir um Conselho, que é o responsável pela gerência efetiva dos direitos da criança, entretanto, ainda faltam 17 municípios terem esta implantação (em algumas, estão em curso). “O Conselho é o órgão que assegura todo direito da criança. Por exemplo, uma criança abusada sexualmente é encaminhada ao Conselho de sua cidade e recebe todo atendimento que se identifique necessário, como psicólogo, delegacia e outros”, afirma Manoel, trazendo um comparativo antes do ECA, quando a criança no máximo seria levada a um posto de saúde.

O  promotor explica que, desse modo, o avanço observado é proveitoso às crianças como ser de direito, a toda sociedade, mas que o trabalho agora deve ser gerido com excelência. “Pretendemos trabalhar a competência dos conselheiros, por exemplo. Além disso, promotores, juizes, políticas públicas são tomados não apenas como existentes, mas avaliados em sua efetividade”.

Curso ajuda a assegurar os direitos

Como forma de promover e conscientizar sobre a necessidade de reunir as diferentes forças que asseguram os direitos da Criança, a Fundação Escola Superior do Ministério Público do RN, junto com o Poder Judiciário, Fundac, Consec/RN, Acecturn e ABMP realizam hoje e amanhã um curso que reúne os principais envolvidos para assegurar os direitos pregados no ECA. O “Curso de Capacitação Sobre o Ato Infracionário  e a Execução das Medidas Sócio-educativas para os Operadores dos Sistemas de Justiça, Segurança e Atendimento do RN” acontece em Natal no auditório da Procuradoria Geral de Justiça.

O evento traz mais 12 comarcas para participar, entretanto, não deve se limitar a Natal e redondeza, mas outros cinco encontros serão realizados em Nova Cruz, João Câmara, Caicó, Pau dos Ferros e Mossoró, até o dia 22 de agosto e com representantes de todos os municípios das regiões. A coordenadora do Programa de Proteção Especial da Fundac, Patrícia Vasconcelos, afirma que não tem como negar o avanço após o ECA, entretanto, uma das maiores dificuldades que observa é no trabalho da capacitação.

“É neste ponto que estamos trabalhando agora, para prestar  esclarecimento e compromisso entre MP, Judiciário e atendimento ao jovem”, diz ela. A coordenadora explica que todo o trabalho é baseado na legislação do Estatuto e, do mesmo modo, se dão as exigências com as medidas sócio-educativas. “O ideal é que o jovem infrator seja encaminhado a uma delegacia quando ainda comete crimes leves, mas muitas vezes eles chegam com vários crimes acumulados e podem acabar recebendo a punição da privação de liberdade, última pena que pode ser dada, começando por uma advertência”, finaliza ela.

Conselho lança hoje novo Plano de ação

Como mais uma maneira de relembrar a importância da data de criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica) lança hoje o Plano de Atendimento à Criança e ao Adolescente, no Plenário da Câmara Municipal de Natal, às 14h. O documento apresenta diretrizes para políticas públicas do município a serem executadas de forma sustentável e que traga proteção integral dos jovens.

O Plano surgiu com uma discussão nacional, marcada no Pacto pela Paz, e norteia diferentes eixos, como na saúde, educação, lazer, família e outros. Os trabalhos nestas áreas devem ser incluídas no Plano Orçamentário anual da cidade e deve ser fiscalizada pelo Comdica a cada ano. As medidas devem ser assumidas pelas secretarias do município de forma não paliativa, mas suscitando a responsabilidade do poder público no monitoramento, controle e avaliação das políticas públicas de forma articulada.

De acordo com o presidente do Comdica, Diego Vale, ainda existe uma política  marcada pelo Código de Menores, que regia até 1990 na legislação e tratava da criança como um objeto de intervenção. “Desse modo, persiste uma cultura nacional de política assistencialista. A intenção é formar uma política pública básica, que assegure o direito fundamental de toda criança, mas também proteja os que estão em situação mais vulnerável”, finaliza ele.

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