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ECA: 20 anos de luta e desafios

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Wagner Lopes – repórter

Maria, de 14 anos, morava no Planalto e a mãe, no dia que viu o companheiro ao lado da cama da menina, foi que começou a dar ouvidos aos vizinhos. Eles diziam que aquele homem era um “pedófilo”. No entanto, a mãe permaneceu casada e a adolescente, que passou a morar com familiares, vem recebendo até hoje diversos presentes e convites do padrasto. O temor dos parentes é que a tentativa de aliciamento evolua para algum outro tipo de violência.

Para comemorar os 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Ministério Público do Rio Grande do Norte promoveu ontem um seminário com a realização de palestras e debates entre os participantesO caso de Maria, nome fictício, chegou ao conhecimento do conselho tutelar e a história dela poderá ter um final feliz graças ao trabalho preventivo que o órgão realiza. Um trabalho que em grande parte só existe porque o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa hoje 20 anos com diversos avanços a comemorar, implantou também uma preocupação em fortalecer a prevenção e melhorar a estrutura de proteção a quem tem de zero a 17 anos de idade.

“Infelizmente muitas pessoas ainda não conhecem a doutrina do ECA e ainda o consideram apenas uma ‘lei para proteger menor bandido’, quando na verdade o estatuto prevê e regulamenta uma série de direitos que temos de garantir as nossas crianças e adolescentes”, afirma a conselheira tutelar da zona Oeste de Natal, Francinete Flor. Segundo ela, o ECA já proporcionou muitos avanços, porém é preciso investir ainda mais para fazer valer os direitos estipulados na lei. 

“Falta uma estrutura melhor do poder público para dar essa proteção. Aqui, por exemplo, recebemos os casos, repassamos aos órgãos responsáveis, mas não temos sequer um retorno sobre o que foi ou não feito. Um relatório social que solicitamos, e que muitas vezes precisamos para ontem, só é concluído com quase um ano. Isso tudo atrapalha demais”. A demanda também não para de crescer, com o aumento da conscientização sobre os direitos das crianças e adolescentes.

“Atendemos de 40 a 50 casos por dia”, calcula Francinete Flor. E no local são apenas cinco conselheiros para receber e acompanhar as denúncias de todos os 10 bairros da região. “Temos muitos casos como esse de ‘Maria’”.

Violações  precisam ser combatidas

O presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, Marcos Dionísio Medeiros, afirma que a violência física praticada contra crianças e jovens é fruto do desrespeito a toda uma série de direitos, como a educação, saúde e uma convivência familiar harmônica. “Hoje no que diz respeito à violência física contra as crianças o Rio Grande do Norte está em um patamar intermediário em relação ao restante do Brasil, no entanto, outras violações, como a exploração sexual, apresentam quadros alarmantes”, destaca.

Ele entende que o ECA permitiu a criação e desenvolvimento de mecanismos de controle e prevenção das violações aos direitos das crianças e adolescentes, mas lembra que “apesar do bom combate” os casos têm se multiplicado. “Precisamos reforçar ainda mais as estruturas de proteção. Hoje, por exemplo, praticamente inexiste local de tratamento para crianças e adolescentes dependentes químicos”, cita.

Sem um forte trabalho preventivo, o presidente do conselho lembra que os problemas de menor impacto terminam se somando e aflorando como “fraturas expostas” no futuro, resultando em casos de violência praticadas contra, ou pelos mais jovens. “O momento é de focar na prevenção, fazendo com que a prioridade que deve ser dada a essa parcela da população contamine, efetivamente, todas as políticas públicas”, enfatiza. 

Outro desafio é levar o Plano de Convivência Comunitária e Familiar a todas as cidades do Rio Grande do Norte. Integrante do Conselho, Francisco Santiago Júnior explica que o plano já existe em nível nacional e a meta é que todos os estados e municípios contem com seus próprios, até 2012. “O plano trabalha com eixos que vão desde o diagnóstico e a sistematização, até a previsão de ações que visam melhorar e garantir essa convivência”, explica.

Uma das metas é assegurar o acesso das crianças abrigadas a novas famílias, à reinserção nas antigas, ou a projetos de inclusão na comunidade, articulando e integrando políticas, programas, projetos e ações na defesa do direito à convivência familiar e comunitária. Os planos devem incluir também instrumentos preventivos, que identifiquem e solucionem os problemas que levam crianças e jovens a serem afastadas de suas famílias.

Para juiz da Vara da Infância prevenção é o melhor caminho

O juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude, José Dantas, entende que há muito a se comemorar nos 20 anos do estatuto. “Hoje não me sinto ainda totalmente realizado como profissional e cidadão, mas comparando ao que existia 21 anos atrás, avançamos e muito, mas ainda estamos muito distante do ideal. O grande problema atual é prevenir a violência que ocorre contra a criança e o adolescente, mantendo e fortalecendo os sistemas de garantia de seus direitos.”

No entender do magistrado, é preciso implantar políticas públicas preventivas específicas para essa parcela da população. “A lei já prevê, mas nem sempre está sendo devidamente implementada e nem sempre tem prioridade”, acrescenta. Ele considera inadmissível que, em pleno século 21, uma criança não tenha uma família para viver, acesso à escola, à cultura, ao lazer e ao esporte, entre outras garantias estipuladas pelo ECA. “É preciso investir em prevenção. A violência física e psicológica é só uma das consequências da não materialização dessas políticas”, resume.

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