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Economia bandida domina o mundo

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André Lachini Agência Estado

São Paulo (AE) – Um novo mundo surgiu após a derrocada do bloco soviético entre 1989 e 1991, um mundo diferente, selvagem e em transição. Nesse mundo, a “Economia Bandida” passou a ocupar os espaços vazios deixados pelos governos, pelo declínio dos sindicatos e das estruturas das sociedades civis e pela entrada maciça da mão de obra informal nos mercados de trabalho, tanto do antigo bloco comunista quanto da China e do Ocidente. É do caos que emergiu após 1991 que trata o livro “Economia Bandida” (Rogue Economics) escrito pela jornalista italiana Loretta Napoleoni. Um caos que passa pela atuação das máfias, a proliferação do tráfico de drogas, degradação ambiental acelerada, escravidão de milhões de seres humanos e fraudes no mercado financeiro.

O intuito do livro não é criticar a globalização, desmascarar uma publicidade agressiva que vende a eterna juventude e o bem-estar, muito menos propor a volta a um mundo que morreu no começo dos anos 1990. É simplesmente contar aos consumidores como funcionam as engrenagens que movimentam negócios legais e ilegais, da indústria ilegal da pesca à prostituição e à pornografia, passando pela indústria alimentícia que vende como saudáveis produtos que provocam a obesidade, doença que já mata mais que o tabagismo nos EUA e em alguns países.

Mercadorias e serviços que, conta Loretta Napoleoni, são muitas vezes produzidas a milhares de quilômetros de distância de onde são consumidas, por pessoas que vivem num regime de escravidão ou semiescravidão. “Hoje, o preço médio de um escravo é 10 vezes menor do que no Império Romano, época histórica em que a democracia viveu, quem sabe, o seu ponto mais baixo. Para os romanos, escravos eram mercadoria escassa e preciosa pela qual se cobravam altos preços; hoje, escravos são mercadoria abundante e descartável, um ‘custo’ como outro qualquer “nos negócios internacionais”.

“Disseminou-se a democracia, e com ela a escravidão. No fim da década (de 1990), um número de pessoas estimado em 27 milhões havia sido escravizado em vários países, inclusive da Europa Ocidental. Em 1990, escravas sexuais eslavas oriundas do antigo bloco soviético começaram a afluir aos mercados ocidentais. Mulheres bonitas, baratas e, sobretudo, desesperadas.”

“A queda do Muro de Berlim gerou o caos político. Os vencedores foram os fora da lei e os cafetões da globalização, os oligarcas russos, a N’drangheta (máfia calabresa) e a nomenklatura búlgara – pessoas que se adaptaram, elas próprias e suas redes, às novas, imprevistas e excepcionais circunstâncias”, escreve a autora.

Da pesca ilegal do atum no Mediterrâneo, ao tráfico de escravas eslavas dos países do extinto bloco soviético, à formação das gangues nas empobrecidas cidades da América Central, o cenário que a autora apresenta é de um mundo em transição rápida, sensação que o advento e a expansão da Internet – rede também usada para várias atividades fora da lei – apenas fizeram crescer. Um mundo devorado por uma sociedade de consumo, na qual até religiões, estilos e filosofias de vida também podem ser vendidos como mercadorias. E muitas vezes o são, através de Hollywood.

Europa e EUA vão perder terreno

A autora também aborda o pesado endividamento das famílias de classe média no Ocidente, principalmente nos Estados Unidos, feito sobre a ilusão do crédito fácil e do sonho americano. “O crédito fácil e imediatamente disponível incentivou as pessoas a gastar o que não tinham. Nos Estados Unidos, de 1993 a 2004, a dívida dos consumidores – com cartões de crédito, empréstimos bancários e financiamentos de automóveis – saltou de US$ 800 milhões para US$ 2 trilhões, o equivalente a cerca de 3% da economia mundial”.

Mas o livro de Loretta Napoleoni não segue um tom pessimista. A narrativa é profundamente informativa sobre as condições de vida dos trabalhadores, das classes média e alta, a maioria sofrendo diariamente um massacre social e psicológico ao qual nem tem consciência. A autora indica que a civilização pode ser salva por um novo contrato social, por uma política feita a partir de cada cidadão e não dirigida pela mídia, por ideologias obsoletas e pelos publicitários. Nesse novo contexto, existiria uma separação bem mais nítida entre cidadão e Estado.

“O socialismo e o comunismo, como ideologias políticas, nasceram das primeiras lutas dos sindicatos de trabalhadores. As lutas pela igualdade travadas pelos partidos de esquerda incluíam a renegociação do contrato social. Um cenário semelhante provavelmente surgirá quando a poeira gerada pela economia bandida finalmente se assentar”, acredita a autora.

Nessa nova ordem, a China, mesmo com seus enormes defeitos apontados pela autora no desrespeito aos direitos humanos e na sua política de vantagens econômicas imediatas, deverá predominar. “A nova ordem mundial será governada por um eixo invisível que se estenderá de Pequim à Cidade do Cabo. A Europa e os Estados Unidos perderão terreno”.

[O livro Economia Bandida (Editora Difel, 350 páginas, R$ 42, tradução de Pedro Jorgensen Jr.), chega às livrarias brasileiras no começo de abril]

Brasil é um dos beneficiários da nova ordem econômica

São Paulo (AE) – A autora do livro “Rogue Economics” (Economia Bandida), a jornalista italiana Loretta Napoleoni, diz que o processo de mudanças na economia e na política, que começou há 20 anos, com a queda dos regimes comunistas, deverá durar pelo menos mais 20 anos. Segundo ela, o “Ocidente” de uma maneira geral perdeu, mas o Brasil, a China e até mesmo a África ganharam com o processo de mudanças. Em entrevista à AE por telefone de Londres, onde vive, a autora falou sobre o novo cenário econômico e político que está emergindo. Ela considera que o Brasil está no time dos vencedores.

O livro foi escrito no começo de 2008, antes do colapso do banco americano de investimentos Lehman Brothers, que detonou a crise financeira mundial no segundo semestre de 2008. A autora deixa claro no livro que o sistema financeiro americano já estava próximo de uma crise no começo de 2008. “A população dos EUA já sabia no começo de 2008 que a economia não estava bem”, diz Loretta. 

Segundo ela, a eleição de Barack Obama à presidência dos EUA, no final de 2008, não alterou de maneira significativa o cenário econômico e político americano, herdado da era Bush. “Não parece que as coisas tenham mudado muito de 2008 para hoje. Os norte-americanos parecem não aceitar isso, nós europeus não aceitamos isso também. Mas esse processo tem um aspecto positivo: o Ocidente continua a olhar para a China, para o Brasil e para alguns outros países como nações que crescerão”, disse Loretta.

“Obama faz a mesma política de Bush. A mesma política no Iraque, no Afeganistão, em Guantánamo. Não mudou nada. No Brasil, ao contrário, as coisas mudaram. Lula foi eleito democraticamente e é um grande passo em frente, em comparação ao que existia na política brasileira na década de 1980. Não existe um Lula no Ocidente. No Brasil, existe e ele foi uma evolução para o País. O Brasil melhorou sob o perfil político e econômico”, diz a jornalista, que já esteve algumas vezes no Brasil.

“De uma maneira geral, hoje os países da América do Sul têm democracias que funcionam e não são manipuladas”, diz a autora. Ela faz uma exceção à Venezuela, onde Hugo Chávez tornou-se um líder populista, com apoio dos músicos de Caracas.

“Na Venezuela de Chávez, rap, ska, salsa, populismo anti-imperialista e política de extrema esquerda andam de mãos dadas”, escreveu a autora, que depois lembra da trajetória do magnata italiano da mídia e das finanças Silvio Berlusconi, que em 1986 comprou o time de futebol AC Milan, levando a equipe a vários títulos italianos e europeus.

Em 1994, Berlusconi ingressou na cena política italiana, na época abalada pelos escândalos de corrupção e o esfacelamento dos antigos partidos políticos que haviam dominado o cenário da república italiana após 1948. Berlusconi transferiu para a política a retórica do futebol, fundando até um partido político com mote de torcida de futebol, o “Forza Italia”.

“Na Itália, não existe alternativa a Berlusconi. A Liga Norte é racista. A Itália vota e merece Berlusconi. Quando a informação é controlada, estamos perto de uma ditadura”, diz Loretta Napoleoni.

A jornalista acredita que a situação melhorou na África, mesmo com as guerras, epidemias e a pilhagem que persistem no continente africano. “A presença dos chineses na África é algo positivo. Os chineses compram as reservas naturais. Eles não são colonizadores e representam uma evolução em comparação à atuação dos franceses e dos britânicos na África há 20, 30 anos”, diz a jornalista. “Certamente, a situação piorou muito na Rússia, no Leste Europeu, no Cáucaso. Existem as máfias, existem muitas injustiças”.

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